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Deu no New York Times

Das câmeras ao queijo derretido

Criado das câmeras Flip hoje investe em cadeia de restaurante de sanduíche de queijo

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Por David Pogue
Atualização:

Neste semestre, ofereci um curso na Faculdade de Administração de Columbia intitulado "Tecnologia e Consumo: o segredo do sucesso de um sucesso e do fracasso de um fracasso". A ideia era que metade das aulas fosse composta por palestras minhas, e a outra metade por palestras de convidados.

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Um dos meus convidados foi Jonathan Kaplan, fundador e diretor executivo da Pure Digital. Esta é a empresa que criou as imensamente bem sucedidas câmeras Flip; a empresa que a Cisco comprou dois anos atrás por US$ 590 milhões; a empresa que a Cisco finalmente fechou no mês passado, sem nenhum motivo razoável para fazê-lo.

O mundo ficou pasmo. Mas imaginei que a pessoa que tivesse sentido mais dolorosamente o impacto desta decisão seria o sr. Kaplan, que teve de assistir enquanto sua filhote era assassinada pela corporação-mãe que prometera criá-la.

Por um capricho do destino, a visita dele à minha sala de aula ocorreu apenas uma semana depois da decisão da Cisco ser anunciada. Eu e meus alunos estávamos ansiosos para ouvir o que ele tinha a dizer.

Kaplan foi divertido, comovente e perspicaz. Fiz algumas anotações, e pensei em partilhá-las agora com os leitores.

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Primeiro, ele falou sobre a ideia do senso comum segundo a qual foram os smartphones que assassinaram a Flip. Quem optaria por comprar uma Flip quando o celular é capaz de filmar?

"Não acho que o smartphone tenha alguma parcela substancial de responsabilidade neste caso", disse Kaplan (opinião com a qual concordo). "Os celulares com câmeras não impediram que mais de 35 milhões de câmeras sejam vendidas todos os anos nos Estados Unidos."

Ele disse que a Flip se mostrou muito lucrativa dentro da Cisco; a câmera trouxe à empresa US$ 500 milhões no primeiro ano. Então, por que a Cisco decidiu extinguí-la?

Kaplan destacou que as ações da Cisco perderam muito valor pela primeira vez em anos, e imaginou que os acionistas da Cisco quisessem que a empresa se concentrasse nas suas principais atividades comerciais (que não incluem os dispositivos eletrônicos para o mercado consumidor).

Então, por que a Cisco não optou por vender a Flip em vez de acabar com ela? A hipótese de Kaplan: primeiro, porque a Cisco estava usando a tecnologia da Flip em outros produtos, e poderia ser bastante difícil separá-la deles. Segundo, ele imagina que a reação de Wall Street poderia ser desfavorável se, depois de todo o esforço para separar e vender a tecnologia da Flip, o valor da venda não fosse muito impressionante. "Lembrem-se, estamos falando de uma empresa com renda de US$ 45 bilhões", destacou ele. "Quem se importa se a Flip for vendida por US$ 200 milhões ou US$ 500 milhões? O negócio simplesmente não vale a pena. Imagino ainda que haja benefícios fiscais na decisão de não vendê-la."

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Assim sendo, a Cisco simplesmente acabou com um produto querido e lucrativo. "Será que isto é justo conosco? Com o consumidor? Com o mundo? Provavelmente não. Mas, se a Cisco conseguir reverter a própria situação, e o preço de suas ações subir, todos dirão que acabar com a Flip foi uma grande decisão", disse Kaplan.

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Ele mencionou que empresas como LG, Amazon, Hewlett-Packard, Sony e Kodak tentaram comprar a Pure Digital. É impossível não imaginar qual teria sido o destino da Flip se uma destas empresas a tivesse comprado em lugar da Cisco. Mas, a julgar pela situação atual, "a chance de daqui a cinco anos ninguém saber o que foi a Flip é superior a 95%".

Kaplan também nos ensinou algumas lições aprendidas durante sua carreira de empreendedor em série.

* "Não adianta se concentrar na hora, no dia, na semana; concentre-se no mês, no trimestre, no ano." * "É melhor ser feliz do que estar certo. (Pessoas muito motivadas têm dificuldade em perceber isto.)" * "Não esqueça de dizer 'muito obrigado'." * "Tudo é possível."

Todos disseram a Kaplan que a Flip era uma péssima ideia. Ele enfrentou dificuldades para obter dos investidores o capital necessário. Mas os empreendedores devem ser insistentes e apaixonados. "É como ir a um bar frequentado por 100 mulheres lindas. Perguntamos à primeira, 'Quer sair comigo?' E ela responde com uma negativa. Convidamos a segunda, e ela joga o drinque na nossa cara. A terceira responde com um tapa. Bem, a maioria das pessoas teria desistido ao chegar na segunda ou terceira linda mulher. O empreendedor é aquele que convida todas as 100; chega até a última das moças presentes, casa-se com ela e vive feliz para sempre."

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* "A maioria das pessoas acha que a melhor maneira de descobrir uma grande ideia é participar de grupos de discussão. Mas os produtos que se tornam realmente bem sucedidos são aqueles que as pessoas nunca imaginaram que pudessem desejar. Descubra uma maneira de agradar ao consumidor; é isto que precisamos determinar. Então, recorra a um grupo de discussão para verificar se você enlouqueceu ou não."

* "É difícil fazer o simples."

* "O nome do produto é importantíssimo. Se tivéssemos batizado a câmera de Zeezo, ela teria fracassado."

A Pure Digital contratou uma empresa especializada em batizar produtos que sugeriu milhares de nomes absurdos "como Vaio. O que quer dizer Vaio?!" Kaplan chegou ao nome Flip enquanto brincava com o chaveiro do seu Audi, fazendo a chave sair da caixinha preta de plástico.

* "Se contratar alguém incompetente, demita a pessoa imediatamente e ofereça-lhe um generoso pacote de desligamento para que ela se sinta bem em relação a você. Concedíamos aos nossos funcionários um pacote de desligamento que variava entre quatro e seis meses, mesmo que tivessem trabalhado para nós durante apenas quatro meses. Podem achar que isto é loucura. Mas fomos nós que erramos ao contratar aquela pessoa. E a despesa não é tão alta assim, na verdade."

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À plateia de futuros executivos que ocupava minha sala de aula, Kaplan disse, "É preciso estar disposto a demitir. Já fui demitido três vezes. Muito provavelmente, todos vocês serão demitidos um dia. Se a pessoa for dedicada e apaixonada pelo que faz, acabará demitida um dia. Mas isto será melhor para o empregado e para o patrão."

E quanto ao futuro? "Todas as semanas, recebo e-mails de algum investidor pedindo que eu traga a Flip de volta à vida", disse ele. Mas Kaplan não tem intenção de seguir este rumo.

Em vez disso, ele nos disse que pretende dar início a um novo empreendimento, uma ideia que segue "as mesmas máximas que consagraram a Flip: simplicidade, nostalgia, traços marcantes e acessibilidade". Mas ele nos manteve no suspense, sem revelar o que seria esta novidade.

Ontem, ele apresentou sua nova empresa. O que vocês imaginam que o criador da Flip escolheu como seu próximo projeto?

Ele fundou uma cadeia de restaurantes que servem sopa e sanduíches de queijo derretido.

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É isso mesmo. Ele planeja abrir cinco restaurantes The Melt nos arredores de São Francisco ainda este ano, e outros 500 em todo o país até 2015. O freguês poderá fazer seu pedido usando apenas o celular; receberá um código de barras personalizado, que será lido por um scanner quando ele chegar ao restaurante. O prato promocional de sopa-com-sanduíche (US$ 8 ) ficará pronto em um minuto.

Serão sanduíches de queijo de alto padrão; o cardápio vai incluir "gruyère envelhecido no pão integral com sopa de cogumelos selvagens", diz Kaplan, ou "queijo de cabra e menta com sopa de cenoura e gengibre". A cada visita, o freguês será indagado se deseja arredondar o valor da refeição e contribuir com instituições de caridade que lutam contra a fome mundial.

A ideia certamente soa... incomum. Mas, se há uma lição que a indústria aprendeu com a morte da querida Flip, esta seria a de que não se deve apostar contra Jonathan Kaplan.

* Publicado originalmente em 02/06/2011.

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