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Deu no New York Times

O iPhone rastreia os movimentos dos usuários. E daí?

O celular guarda os lugares por onde você andou. Qual é a novidade?

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Por David Pogue
Atualização:

Já soube da notícia? Dois pesquisadores descobriram que o iPhone mantém um registro de todos os lugares que seu usuário visita, atualizado a cada minuto. É isso mesmo: seu celular está rastreando seus movimentos. E o mesmo pode ser dito da versão do iPad dotada de conexão com a rede celular.

Como não poderia deixar de ser, a notícia desencadeou uma onda considerável de alarmismo ofegante na internet. Ooh! A Apple está bisbilhotando! Ooh! O governo está tentando nos rastrear! Ooh! O Grande Irmão está observando!

A notícia levou também a muita desinformação.

 Foto: Estadão

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Em primeiro lugar, até onde podemos determinar, esta informação não é transmitida a ninguém -- nem para a Apple e nem para nenhuma outra empresa. Em vez disso, ela fica guardada apenas no próprio computador do usuário, armazenada sob uma forma incompreensível para os leigos, nos arquivos de backup que o iTunes cria sempre que faz a sincronização com o celular ou o tablet. Assim, podemos afirmar que a Apple não está rastreando as pessoas, e nem o governo está fazendo isto.

Com isto, a única preocupação legítima em relação à novidade diz respeito à possibilidade de alguém acessar o computador de outra pessoa e recuperar informações sobre onde esta pessoa esteve. Uma situação que poderia ocorrer entre cônjuges, por exemplo. Os pesquisadores mencionam também os "detetives particulares", mas isto me parece um pouco extravagante. Alguém acha que um detetive vai invadir sua casa para bisbilhotar no backup do seu iTunes? Se um computador for tão fácil de invadir, o verdadeiro problema está aí.

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Ora, já estou neste ramo a tempo o suficiente para saber que existe uma propensão genética para a paranoia em relação à privacidade. Algumas pessoas têm este traço; outras, não.

Eu me incluo entre os que não sofrem deste mal. Não tenho nada a esconder. Quem se importa se descobrirem por onde andei? Não vejo problema em partilhar esta informação; na verdade, o mapa exibido neste post corresponde de fato aos trajetos que costumo percorrer. Como podem ver, passo boa parte do tempo na Costa Leste (pois é onde moro). Oooooh!!

Percebo, entretanto, que é grande o número de pessoas que a) têm algo a esconder, ou b) manifestam uma abjeção natural diante da possibilidade de alguém saber alguma coisa sobre seus hábitos cotidianos. Estas pessoas devem conviver com uma ansiedade terrível -- isto é, se tiverem consciência de que as operadoras dos seus cartões de crédito sabem tudo que elas compram; de que os bancos conhecem cada detalhe de seus gastos e dívidas; e que as companhias telefônicas sabem de todas as chamadas feitas por elas. (Por sinal, as operadoras de celular sabem de todos os lugares que seus fregueses visitam; todos os celulares registram os movimentos de seu dono. No caso da Apple, a única diferença está no fato de que a informação é armazenada no próprio computador do usuário, e não no computador da operadora.)

Da mesma forma, não estou certo de que a empresa de Steve Jobs seja a única vilã nesta história. Até que fosse divulgada a descoberta da dupla de pesquisadores, o registro das localizações era incrivelmente difícil de ser acessado, exigindo aplicativos especializados e habilidades de programação em Unix. Eis aqui uma parte das instruções:

"Se der um cd na pasta usando o terminal e executar iphonels.py verá uma lista de todos os arquivos com seus nomes reais. A seguir, use o grep para encontrar o arquivo desejado, por exemplo:

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~/Downloads/iphonels.py | grep "consolidated"

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Deve surgir na tela algo como:

-rw-r-r- 00000000 00000000 28082176 1297319654 1297319654 1282888290 (4096c9ec676f2847dc283405900e284a7c815836)RootDomain::Library/ Caches/locationd/consolidated.db."

Mas nada disso é necessário agora, pois a dupla de pesquisadores preparou um aplicativo que pode ser baixado e é capaz de encontrar e analisar o arquivo automaticamente, exibindo as informações resultantes num mapa. Em outras palavras, o registro de localizações não era de conhecimento público e nem era facilmente acessível até o dia em que estes dois sujeitos descobriram isto e mostraram a novidade para todo o mundo. Será que não cabe a eles parte da responsabilidade por transformar o registro numa ameaça?

Há também a questão dos demais smartphones. Não demorou muito para que a comunidade dos usuários desta tecnologia começasse a se perguntar se os aparelhos das plataformas Android e BlackBerry não estariam mantendo seus próprios registros do deslocamento de seus usuários. O Gizmodo perguntou ao Google a respeito de uma cláusula que é aceita quando o usuário liga um smartphone Android pela primeira vez: "Permitir que o serviço de localização do Google reúna informações anônimas. Isto ocorrerá mesmo que não haja aplicativos em execução". O Google não quis dar explicações.

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Mas os usuários do iPhone aceitam termos parecidos quando adquirem o aparelho. "A Apple e suas parceiras licenciadas poderão reunir, utilizar e partilhar informações contendo localizações precisas, incluindo a localização geográfica do seu computador ou dispositivo Apple em tempo real. Estas informações de localização são reunidas de modo anônimo sem identificar pessoalmente o usuário, e são usadas pela Apple e por suas parceiras licenciadas para oferecer e aprimorar produtos e serviços com base na localização. É possível, por exemplo, que partilhemos informações relativas à localização geográfica com provedores de aplicativos quando o usuário recorrer aos seus serviços de localização e mapeamento."

É claro que a Apple não quis comentar estes termos.

Os usuários concordam com condições semelhantes quando usam smartphones BlackBerry, Motorola Blur, Palm ou HP, e também quando usam aparelhos das plataformas HTC Sense, Microsoft Windows Phone 7 e assim por diante.

Pois bem, qual o significado de tudo isto?

A FCC (Federal Communications Commission, órgão encarregado de administrar a área de telecomunicações e radiodifusão nos EUA) e o senador democrata Al Franken, de Minnesota, pediram à Apple que explicasse a presença do registro GPS mantido em seus aparelhos. Mais cedo ou mais tarde saberemos por que ele está ali, e também quais são os aparelhos concorrentes que criam registros do mesmo tipo.

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Enquanto isso, recomendo aos mais preocupados que protejam seus computadores com uma senha, para que o cônjuge ciumento não possa baixar o aplicativo da dupla de pesquisadores e usá-lo no backup do seu iPhone. Ou então que desliguem os Serviços de Localização (em Configurações) do celular, ao menos quando forem a algum lugar onde não deveriam estar. Ou então que criptografem o backup do seu iPhone. No iTunes, clique no ícone do telefone e ative o recurso "Criptografar Backup do iPhone".

Além disso, é melhor que comecemos a aceitar certos fatos: sim, o Grande Irmão está nos observando. Mas ele já faz isto há anos -- muito antes de tomarmos conhecimento do registro do iPhone -- e sob tantas outras maneiras das quais nem suspeitamos.

E sabem de uma coisa? Aposto que ele deve estar morrendo de tédio.

* Texto originalmente publicado em 21/04/2011.

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