
David Pogue
Deu no New York Times
O novo Office para o Mac é um retrocesso
A Microsoft lançou o pacote de programas mesmo sabendo dos bugs
23/10/2010 | 07h38
Por David Pogue
Estamos num grande mês para os fãs do Mac. Na quarta feira, a Apple mostrou uma prévia de como será a próxima versão do Mac OS X, apelidada de Lion (leão), com lançamento marcado para meados de 2011; um novo laptop MacBook Air (mais rápido, trocando o disco rígido pelo armazenamento SSD, e disponível em 11 e 13 polegadas); novas versões do iMovie e do iPhone; e uma loja de software para Mac nos moldes da loja de aplicativos para o iPhone. Escreverei uma resenha sobre estas novidades quando tiver a chance de testá-las.
No entanto, na semana passada, a Microsoft lançou o Office 2011 para o Mac, a primeira versão nova produzida para a plataforma Apple nos últimos 4 anos. O pacote Home (US$ 120) vem com Word, Excel e PowerPoint; a versão Business conta também com o gerenciador de e-mail Outlook (antes chamado de Entourage), e custa US$ 200. Boa parte do trabalho investido pela Microsoft na nova versão consistiu em torná-la mais semelhante, em aparência e funcionamento, ao Office do Windows.
A nova suíte de aplicativos Office recebeu resenhas muito elogiosas dos meus colegas de outras publicações. Ao que parece, deve haver algo de errado comigo; acho que, do ponto de vista do uso cotidiano, o Office 2011 é um grande retrocesso.
Não me entenda mal. Há muitas novidades importantes aqui. Parte delas é muito bem-vinda. No Word, um modo de exibição de tela cheia oculta as janelas e ferramentas do programa para que o usuário possa se concentrar na leitura. O Outlook agora salva cada mensagem de e-mail como um arquivo de texto separado, e não mais recorre a um imenso banco de dados, o que significa que os backups feitos com o Time Machine são muito mais rápidos. (O lado negativo disto está na lentidão para alternar entre as pastas dentro do Outlook e para baixar as mensagens do servidor.)
Todos os programas são agora abertos muito mais rapidamente. O Word costumava ser aberto em 18 segundos; agora são necessários 7. O Outlook pode agora agrupar mensagens dentro de uma mesma conversa e possui uma caixa de entrada unificada, se o usuário preferir que suas mensagens sejam organizadas desta forma. Um número muitíssimo maior de elementos de formatação sobrevive à transição de formatos entre Mac e Windows. E agora é possível trabalhar em grupo nos documentos salvando-os diretamente no SkyDrive gratuito da Microsoft — um serviço de
armazenamento online — e editando-os com a versão online do Office, de funcionalidade restrita.
Mas, pensando bem, eu trabalho em casa. Não uso o Excel para cálculos exigentes, não sou um colaborador numa rede de trabalho, e não reconheceria uma planilha “pivot” nem que ela desabasse sobre a minha cabeça.
Uso o Word para escrever — não para diagramar páginas, nem projetar sites, e nem editar fotos, o que quer dizer que estas melhorias não significam nada para mim. Não uso a agenda que vem incorporada ao Outlook — ela não é compatível com a agenda do Google Calendar, e os demais membros de minha família não podem consultá-la nos seus computadores. (Usamos o BusyCal, que é fantástico.)
O que se segue, portanto, é uma resenha extremamente pessoal sobre o Word e o Outlook. Na verdade, é uma longa queixa sobre prioridades e perfumarias inúteis.
A suíte do Mac inclui agora a Ribbon, uma barra de ferramentas horizontal que foi incorporada ao Office para Windows. Mas há algo que não entendo: que eu me lembre, as telas de computador são todas mais largas do que altas. A última coisa que queremos é consumir espaço “vertical” na tela com uma interface bagunçada como a Ribbon. Não seria melhor manter os controles na lateral da tela, como ocorria com as ferramentas de formatação da versão anterior do Office para o Mac?
A Ribbon pode ser fechada, é claro — mas como é irritante ter de fazer isto o tempo todo! Quando fechada, ainda é possível ver os nomes das abas (como Layout da Página, Tabelas, Revisão e assim por diante) — mas, para aborrecimento do usuário, não é possível abrir as abas ao clicar nos nomes delas. É preciso abrir manualmente a Ribbon e então clicar na aba desejada.
No Word, costumo escrever no modo de visualização Rascunho — uma página infinita e contínua. (Por que perder tempo com grandes margens em branco e falsas quebras de página quando estamos editando um texto na tela?) Mas, no Word 2011, o espaçamento dos caracteres no modo de visualização Rascunho é tão ruim que quase inutiliza este recurso. As letras literalmente trombam umas com as outras; o resultado é horrível.
As macros estão de volta, o que é ótimo. Finalmente, pensei, poderei automatizar uma série de operações de busca e substituição que são necessárias para a preparação de minha coluna semanal para que seja usada em mensagens de e-mail no formato de texto simples (transformar aspas inglesas em aspas normais, por exemplo).
Mas o novo painel de Busca/Substituição do Word também funciona mal. Não é possível usar a tecla Tab para alternar entre as opções de busca e as opções de substituição — é preciso usar o mouse para escolhê-las. E ainda assim, o gravador de macros simplesmente não registra operações de busca e substituição. (A Microsoft me ensinou uma maneira de contornar o problema: basta recorrer à caixa de Busca Avançada, se você souber onde encontrá-la. Mas esta dica não consta no serviço de ajuda online.)
Mas a maior das decepções foi o Outlook. As outras resenhas elogiaram sua velocidade; a versão que instalei trava sempre que está em “sincronização” (enviando ou recebendo e-mails). Ela deixa de responder até que a sincronização chegue ao fim. Pior ainda: a Microsoft deu cabo de importantes recursos deste programa. Muitas das melhores ferramentas e comandos que eu usava no Entourage, seu antecessor, foram simplesmente removidas.
Entre os comandos ausentes estão o Reenviar (permite que uma mensagem seja reenviada — para outra pessoa, por exemplo); Editar Mensagem (excelente para quando um pano de fundo medonho ou uma fonte bizarra tornam a mensagem ilegível); Limpar Texto (corrige aquelas mensagens que foram encaminhadas incontáveis vezes e ficaram cheias de colchetes, e acaba com quebras de linha inadequadas); Redirecionar (permite que uma mensagem seja encaminhada a quem de direito — com o remetente original ainda presente no campo “De”); e a opção de usar os mesmos atalhos de teclado do Word para editar o texto das mensagens.
Também é grande o número de bugs. Ao usar o comando Enviar como Anexo presente no Word, por exemplo, o resultado é uma mensagem enviada pelo Outlook — sem a assinatura do autor. É preciso acrescentá-la manualmente. Para tornar tudo ainda mais irritante, o cursor não vai automaticamente para o campo “Para”, de modo que possamos digitar um endereço eletrônico. É preciso clicar no campo para usá-lo.
O autocompletar do Outlook é falho também. Meu editor ficou perplexo ao descobrir porque ele não recebeu o texto da minha coluna mesmo depois de eu enviá-la diversas vezes na última semana. Mais tarde, descobrimos que quando eu começava a digitar seu nome, o autocompletar propunha um obscuro e secundário endereço dele no Gmail — mesmo com seu e-mail correto claramente marcado como principal na lista de endereços do Outlook.
No Word, como antes, há uma caixa de diálogo na qual é possível alterar os atalhos de teclado para recursos muito utilizados. No Word 2011, entretanto, as novas configurações às vezes não são registradas. O recurso simplesmente não funciona.
A Microsoft disse que tem consciência dos bugs listados aqui, e pretende corrigi-los no início do ano que vem. (Mas a maioria dos comandos ausentes no programa de e-mail deve permanecer ausente.) Como é? A empresa sabia dos bugs, mas decidiu comercializar este software mesmo assim?
É claro que outras empresas também adotam práticas como esta. Mas isto não exime a Microsoft de ser criticada quando faz algo deste tipo.
* Texto originalmente publicado em 21/10/2010
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