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A internet no banco dos réus

Acesso daqui, guardo lá: onde estão nossos dados na Internet?

Por Francisco Brito Cruz, Dennys Antonialli e Mariana Giorgetti Valente

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Por Mariana Valente
Atualização:

Quando você faz um perfil em uma rede social ou cria uma conta de email, você sabe onde ficam armazenados os seus dados em relação a esses serviços? Você se preocupa em ler atentamente os termos de uso e a política de privacidade do serviço para descobrir quem é responsável por armazenar e administrar essas informações e em que país esse administrador está sediado? Sabe onde ficam os servidores? Provavelmente, a resposta para essas perguntas é não.

O mais curioso é que, provavelmente, ela continuaria sendo não, ainda que você quisesse muito saber as respostas. Hoje em dia, as empresas adotam mecanismos complexos de hospedagem e armazenamento dessas informações, muitas vezes criando cópias em locais diferentes, administrados por setores distintos dentro da mesma empresa. Isso acontece, em parte, por razões de segurança. Afinal, já pensou como seria problemático se caísse um raio no único servidor do Google que armazenasse seus emails do Gmail e tudo fosse apagado? Ou no do Facebook onde estava armazenado o seu perfil? Dar essa notícia para o usuário não seria fácil: "perdemos tudo".

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Mas isso também acontece por razões de logística e estrutura administrativa das empresas, que organizam seus sistemas internos de formas variadas. Isso importa para determinar quem, mesmo dentro da empresa, pode ter acesso a esses registros.

Você, como usuário, deve estar se perguntando por que você deveria se importar com isso. Independentemente de onde estejam armazenadas e de quem, dentro de empresa, seja responsável por gerenciá-las, para você, o que importa é conseguir acessar suas contas. O fato é que esses registros também servem para identificar de onde partiram determinados conteúdos ou postagens, o que ajuda na investigação de crimes cometidos na Internet. São dados de acesso, como endereços de IP, acompanhados de determinada data e hora.

Por essa razão, quem investiga esses tipos de crimes, como o Ministério Público e as autoridades policiais, muitas vezes depende de acesso a esses registros para prosseguir com a investigação. Mas isso não significa que essas autoridades devam ter acesso irrestrito a esses dados: o Marco Civil da Internet exige que esses pedidos sejam avaliados por um juiz, que só deve autorizar a quebra da privacidade do usuário se houver razões legítimas para se suspeitar dele. Afinal, existem vários outros direitos dos usuários em jogo, como privacidade e presunção de inocência - não seria razoável que nossos dados fossem fornecidos a autoridades sem que recaíssem sobre nós suspeitas fundadas do cometimento de ilícitos.

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Essa dinâmica entre autoridades de investigação e empresas para o acesso a dados de usuários torna-se complexa na medida em que esbarra justamente na localização e organização interna de cada empresa que, às vezes, sequer tem escritório no Brasil. Obrigar uma empresa que não está no país a fornecer esses registros, que também não estão armazenados aqui, pode ser uma tarefa muito desafiadora para essas autoridades. Foi o que estava em jogo no caso daquela decisão da justiça do estado do Piauí, que determinou a suspensão do WhatsApp no Brasil até que a empresa cumprisse a ordem judicial exigindo a entrega de determinados dados.

Quando a empresa tem escritório no Brasil, tudo deveria ser mais fácil, já que existem mecanismos que o juiz pode usar para obrigá-la a cumprir suas decisões e entregar esses dados, como a imposiçao de multas ou, até mesmo, a prisão de seus representantes. Deveria, mas não é. Muitas empresas, mesmo sediadas no Brasil, argumentam que esses dados não estão guardados no país e que dependem da atuação de outras partes e departamentos da empresa que, por também não estarem aqui, estariam fora do seu controle. Dizem que é preciso, portanto, que as autoridades façam esses pedidos no exterior, o que significa processos muito mais longos e custosos.

É o que argumenta a Yahoo Brasil em relação a pedidos de registros sobre contas de email criadas no site yahoo.com, que estariam sob administração da Yahoo INC, sediada nos Estados Unidos (o caso seria diferente para contas do yahoo.com.br, essas sim, administradas pela Yahoo Brasil). Pretendendo acabar com essa linha de argumentação da empresa, que estaria obstando suas investigações, o Ministério Público Federal ingressou com uma ação civil pública exigindo que a empresa fosse responsabilizada de maneira severa pelo descumprimento de ordens judiciais que determinam a entrega de dados.

Pediu sanções que vão desde o pagamento de uma indenização de R$ 10 milhões de reais e multa de 20% do faturamento bruto de 2013 até a dissolução da empresa no Brasil.

Em primeira instância, a argumentação da Yahoo Brasil convenceu a juíza da 26a vara federal cível (decisão de maio de 2015). Ela conclui que o Ministério Público Federal não reuniu evidências suficientes de que a empresa descumpre ordens judiciais de maneira sistemática, tendo apresentado no processo apenas cinco casos, que tiveram resultados diferentes entre si. Além disso, a juíza se convenceu de que o sistema interno da Yahoo Brasil não dá acesso aos dados da Yahoo INC, tornando impossível obrigá-la a fornecer esses registros sem que se acione a empresa nos Estados Unidos.

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O caso se insere em uma equação complexa que envolve, de um lado, as necessidades das autoridades de investigação para coibir a prática de crimes e, de outro, a preocupação das empresas em relação às suas próprias limitações técnicas de fornecimento de dados. No meio disso tudo, questões como a privacidade dos usuários, que muitas vezes não é adequadamente considerada, soberania dos Estados, e o próprio processo pelo qual o direito é criado e aplicado pelo Judiciário. Se a Internet é global e o direito é um sistema eminentemente territorial, essa é uma questão que só tende a se tornar mais difícil de resolver.

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