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Deu nos Autos

A internet no banco dos réus

Aqui se faz, aqui se julga

11/11/2014 | 12h35

  •      

 Por Mariana Giorgetti Valente

por Dennys Antonialli, Francisco Brito Cruz e Mariana Giorgetti Valente

Manhã pós-segundo turno. As redes sociais, que já andavam divididas, acordam cheias de agressividade. Parte das postagens ofendia um grande conjunto de pessoas: os nordestinos. Em razão disso, OAB e MPF têm se mobilizado para identificar os autores das postagens preconceituosas e processá-los. De forma cada vez mais clara, a Internet brasileira tem sido marcada por episódios de discursos de ódio. Na mesma crescente surgem os processos judiciais para coibi-los.

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Tweets reais, identidades editadas

A Lei nº 7.716/89 criminaliza a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional. A pena é mais severa se o crime for cometido nos meios de comunicação ou em publicação de qualquer natureza, incluindo-se aí, por exemplo, as redes sociais. Nesses casos, pode não haver uma vítima definida: ofendidos são todos aqueles que pertencem a uma coletividade. Assim, o que determina que o crime foi consumado? E onde é que deve correr o processo?

Tentando resolver esse dilema, o Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3, que inclui São Paulo e Mato Grosso do Sul) determinou ser mais apropriado conduzir o processo no local “em que está o provedor do site no qual foi publicado o texto”. O caso envolve a ação criminal proposta pelo Ministério Público Federal contra o colunista Walter Navarro, do jornal O Tempo, de Minas Gerais. Navarro publicou, no site do jornal, texto ofensivo ao povo indígena Guarani Kaiowá. Como a maior reserva Guarani Kaiowá está sediada na região de Dourados (MS), o Ministério Público havia proposto que era ali que o crime teria sido consumado, e, portanto, que era onde o processo deveria correr.

Saber onde processar passa, de acordo com a legislação penal, por saber onde o crime foi consumado. Processar em Dourados partia da premissa de que o crime de discriminação se consuma quando os discriminados tomam conhecimento da ofensa, sendo nesse lugar que o processo deveria correr. Isso traria enormes complicações. Por exemplo: quando a população negra, que não está concentrada somente em uma região do Brasil, é ofendida. Como definir quem leu, onde, e quando o dano foi causado? Por isso, o que consuma o crime é a mera conduta discriminatória ou preconceituosa, independente do conhecimento do discriminado. Basta o ato de publicar, com potencial de atingir pessoas concretas.

O TRF-3 resolveu, então, que o processo deveria correr no local do “provedor do site”, e não em Dourados. O termo gera muita confusão: pode significar tanto o local onde as informações estão fisicamente gravadas (o que se chama de “servidor”), quanto o local onde estão sediadas as empresas ou que alugam espaços em seus servidores a terceiros (os “provedores de hospedagem”, como UOLHost e Locaweb) ou que detêm as plataformas em que esses conteúdos podem ser efetivamente publicados, como as redes sociais (os “provedores de aplicações de Internet”). Não fica claro a qual desses intermediários o Tribunal se refere, o que não resolve o impasse, só o piora.

A decisão do TRF-3 vem baseada em decisões anteriores do Superior Tribunal de Justiça (STJ), última instância para muitos processos. Com a mesma imprecisão, esta alta corte vem decidindo que, nos casos de crimes que ocorrem com a publicação de algo na Internet, o crime se consuma no tal local do “provedor do site”, onde o processo deve então correr. Mas essa posição pode trazer complicações. Supondo que estejamos falando do servidor: muitas vezes, ele não está nem em território nacional. Então um sujeito em Cuiabá ofende a população nordestina, e o servidor do site que ele usou está na Califórnia. Processar onde?

As decisões dos Tribunais parecem seguir a lógica do que se aplica no caso da mídia impressa. É que se entende que, no caso de jornais, o local onde a impressão foi feita é o local de consumação, já que a notícia começa a se espalhar por ali. No caso da Internet, isso não deve ser comparado com o servidor, e muito menos com a sede das empresas de Internet – a notícia espalha-se instantaneamente por toda a rede. Se é que se pode falar em “local de publicação”, não seria mais razoável pensar no local de onde a postagem foi feita?

No caso do colunista do jornal O Tempo, é simples: Navarro tem nome, sobrenome, endereço residencial e comercial. Não é difícil chegar até ele. Para que pensar no “provedor do site”? E se o servidor não estivesse em Minas Gerais? Descobrir o local do servidor, entendendo que ali seria o local da publicação, só gera mais dificuldades. Será que já não temos problemas de jurisdição demais, tentando processar empresas de Internet que só têm sede e seus servidores no exterior para descobrir dados de usuários ou para tirar do ar conteúdos que violam a legislação brasileira?

Pode ser bastante complexo definir o local de consumação do crime cometido pela Internet, quando as pessoas são móveis e a Internet está por toda parte. Mas essas decisões, em conjunto com as imprecisões, dão pistas de uma certa fetichização da tecnologia. Nem tudo que ocorre na Internet é diferente do que já acontecia antes dela. Usar um site para a publicação pode atingir mais pessoas, mas não muda tanto as coisas assim. Quem destila preconceitos continua sendo o x da questão, na Internet ou fora dela.

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Sobre o Blog

Dennys Antonialli, Francisco Brito Cruz e Mariana Giorgetti Valente. São pesquisadores do InternetLab (internetlab.org.br), centro interdisciplinar de pesquisa em direito e tecnologia, em São Paulo.

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