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A internet no banco dos réus

Demitido, justo por causa (daquela foto no Facebook)

Por Dennys Antonialli, Francisco Brito Cruz e Mariana Giorgetti Valente

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Por Mariana Giorgetti Valente
Atualização:

No Ceará, um cozinheiro de uma empresa de turismo foi demitido por justa causa. Segundo seu empregador, ele faltava ao trabalho muitas vezes injustificadamente e apresentava atestados médicos duvidosos. Inconformado com a demissão, o cozinheiro entrou com uma ação na Justiça do Trabalho.

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Ao avaliar a questão, a juíza Kaline Lewinter, da vara do Trabalho de Eusébio/CE, deparou-se com um tipo de prova cada vez mais comum: fotos postadas no Facebook. De acordo com a empresa de turismo, durante o período em que o empregado estava afastado em licença médica, ele frequentava festas e eventos, o que seria comprovado pelas fotos postadas em seu perfil na rede social. As provas foram suficientes para convencer a juíza, que decidiu em favor do empregador e manteve a demissão por justa causa: "Nas datas ali compreendidas, o reclamante [o cozinheiro], na realidade, participava de eventos festivos, com o consumo, inclusive, de bebida alcoólica".

 Foto: Estadão

A decisão chama a atenção para como a "digitalização" da nossa vida gera registros que podem se tornar fontes de prova. São check-ins que fazemos em eventos, fotos que postamos com amigos, dados que revelam nossa exata localização e mensagens que ficam armazenadas. Muitas vezes, esses registros sequer são feitos por nós mesmos: basta um amigo te marcar em uma foto ou te incluir no check-in que ele fez.

De toda forma, o fato é que cada vez mais esses elementos têm sido determinantes para a decisão de casos judiciais - e o comportamento que assumimos nas redes deve levar isso em consideração. Uma publicação em uma rede social pode ser compartilhada e chegar em pessoas que não conhecemos. Uma foto pode ser retirada do contexto e mal interpretada.

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Além de prestar atenção nas configurações de privacidade das plataformas que usamos (muita gente esquece de restringir as publicações do Facebook aos seus amigos, por exemplo), é importante estar atento às consequências que podem surgir do uso que fazemos dessas plataformas. Já são comuns decisões judiciais que condenaram funcionários a pagar uma indenização aos seus empregadores por terem se excedido em comentários de insatisfação postados nas redes sociais. Há até sites que permitem que as empresas vasculhem as redes em busca desses tipos de postagens, como o Fire.me.

Podemos discutir, como já fizemos, até que medida é legítimo, por exemplo, que um juiz vá dar uma espiadinha num perfil do Facebook para formar sua convicção para decidir. Ainda, se a Receita Federal poderia olhar os perfis de usuários na Internet para verificar discrepâncias entre o declarado no imposto de renda e a realidade da situação financeira da pessoa. É que esses agentes têm de atuar sob um regime de estrita legalidade, ou seja, sua permissão para agir deve estar expressa. Por serem parte do Estado, eles têm especial responsabilidade na preservação de direitos dos cidadãos, como o de privacidade.

Mas essa preocupação não vale apenas para o setor público. Acontece com aquela pessoa que você conheceu em uma festa ontem e até mesmo em processos seletivos para empregos. É de se questionar o quanto as informações que alguém disponibiliza nas redes sociais poderiam ser tomadas como verdade. É o risco da descontextualização: uma ironia pode ser tomada como verdade por alguém que não conhece bem o autor da postagem, ou uma foto com uma Ferrari num "salão do automóvel" pode dar a entender que uma pessoa tem posses que não tem.

Em procedimentos públicos, o importante é a pessoa poder dar a sua versão dos fatos, por meio do contraditório e da ampla defesa. No caso do cozinheiro, parece ter ficado difícil refutar as fotos juntadas ao processo. E talvez ele nunca tenha pensado que uma foto pudesse implicar a sua demissão. Mas a nossa vida pessoal não está tão desvinculada assim da nossa vida profissional, muito menos na Internet.

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