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A internet no banco dos réus

Eleições: período de proteger a honra?

Por Dennys Antonialli, Francisco Brito Cruz e Mariana Giorgetti Valente

Por Mariana Giorgetti Valente
Atualização:

O período eleitoral é um dos momentos políticos mais importantes das democracias. É um espaço de tempo favorável para o debate não só entre os candidatos, mas também entre os cidadãos. E não é nenhuma novidade que, nas últimas eleições, a Internet tem ocupado um papel central como fonte de notícias e fatos a respeito dos candidatos, e também como veículo para a divulgação de ideias e posicionamentos.

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De outra parte, o humor é usado como uma poderosa ferramenta de crítica social e política desde muito antes da Internet. Se antes dela a sua disseminação ficava por conta de cartunistas e cronistas profissionais, ou que tinham acesso aos meios de comunicação, hoje potencialmente qualquer um pode ser um produtor de conteúdo crítico, e os perfis são muito diversos. Exemplos populares como a Dilma Bolada e a página Eleições da Zuera ilustram como essas formas de expressão vêm ficando lado a lado com modelos ligados à mídia tradicional e seus padrões editoriais.

Com o início de mais um período eleitoral, é natural - e saudável - que mais expressões assim comecem a surgir. É o caso da página de Facebook "João Escória Jr.", criada para satirizar o candidato à prefeitura de São Paulo, João Doria Júnior (PSDB/SP). Alegando ofensa à sua honra e imagem, o candidato solicitou à Justiça Eleitoral que determinasse a retirada da página do ar, bem como o fornecimento dos dados que permitissem a identificação de seus responsáveis. Em caráter liminar, ou seja, sem considerar a manifestação do Facebook ou do dono da página, a Justiça eleitoral acatou os pedidos.

Uma vez removida, surgiu uma nova página, "João Dólar", com conteúdos semelhantes. O candidato acionou, então, a Justiça Eleitoral mais uma vez, e, novamente, decidiu-se pela retirada da página no Facebook. Destacando que a liberdade de expressão não é um direito absoluto, em ambas as ocasiões a Justiça Eleitoral entendeu que a existência das páginas é ofensiva ao candidato.

De fato, ao mesmo tempo que a Constituição Federal assegura a livre manifestação do pensamento, ela também protege o direito à honra e à imagem, garantindo, inclusive, o direito à indenização nos casos de violação. Contudo, essa ponderação deve ser rigorosa, sobretudo no caso de candidatos a cargos políticos, sob pena de se fragilizar demais a liberdade de manifestação do pensamento dos cidadãos. Afinal, o quão livre pode ser considerada a expressão de um eleitor que precisa "medir suas palavras" para criticar candidatos em pleno período eleitoral?

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Também chama a atenção a determinação de entrega de dados que permitam a identificação dos usuários responsáveis pelas páginas. Ambas as decisões parecem interpretar a vedação ao anonimato prevista na Constituição como uma autorização genérica para identificar quaisquer pessoas na Internet. Tal como já comentamos aqui, defender que existe um "direito de saber quem é" na Internet tem consequências graves para a liberdade de expressão. Por essa razão, o Marco Civil da Internet, que elege a liberdade de expressão como um dos princípios para o uso da Internet no Brasil, prevê que pedidos como esse devem apresentar "fundados indícios de ocorrência do ilícito". Será que houve mesmo, nesse caso?

 Foto: Estadão

O tema é muito grave. No último dia 09 de agosto, durante o Fórum Abril-Google de Liberdade de Expressão, em Brasília, que contou com a presença dos ministros Gilmar Mendes (STF) e Henrique Neves (TSE), o InternetLab divulgou resultados preliminares de uma pesquisa que analisou decisões judiciais de tribunais de justiça de todos os estados brasileiros a respeito de ações de natureza cível envolvendo conteúdos humorísticos na Internet. Mesmo estando a Justiça Eleitoral excluída da análise, um terço dos autores dessas ações pertence à classe política. Em praticamente todos os casos, o pedido é de indenização por dano moral. Em 50% dos casos envolvendo políticos, a indenização é concedida, na média de R$16.358,32, valor esse superior à média das indenizações arbitradas em casos envolvendo "cidadãos comuns", de R$13.800,00.

Dados como esses sugerem que, no Brasil, ainda é preciso "pensar duas vezes" antes de se criticar um membro da classe política - ou mesmo os candidatos a ela. Em entrevista a respeito do caso, o advogado de João Doria Júnior afirmou que "todos os perfis criados em desfavor da campanha serão derrubados". É o simétrico oposto da ideia de que o período eleitoral deve ser pautado pela liberdade de expressão. E fazer sátiras, paródias e piadas, sabemos, não é privilégio da "zueira brasileira". Quem tem acompanhado as campanhas de Donald Trump e Hillary Clinton sabe que eles estão bem longe de estar imunes a esses tipos de conteúdos.

Durante o curto período que antecede as eleições municipais, determinar a retirada de conteúdos da Internet, sobretudo em caráter liminar, pode privar o eleitor de ter acesso a informações e posicionamentos que seriam fundamentais para a tomada de sua decisão. E essas informações podem ser encontradas tanto em programas de governo quanto em sátiras e outros tipos de conteúdos humorísticos, que podem conter reflexões importantes ou explicitar contradições dos concorrentes. Dar mais peso à honra e à imagem de candidatos do que à liberdade de expressão e de acesso à informação dos eleitores parece um contrassenso. Como já decidiu o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, "o político, em geral, deve ter a couraça mais grossa do que a do homem comum". Especialmente durante as eleições.

  Link para as decisões na íntegra: http://www.internetlab.org.br/wp-content/uploads/2016/08/decisão-dória.pdf

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