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A internet no banco dos réus

Existe um ‘direito de saber quem é quem’ na Internet?

Se os juízes forem lenientes com um direito que permite a identificação de usuários, a conta pode acabar saindo bem cara para a liberdade de expressão

14/10/2014 | 13h09

  •      

 Por Mariana Giorgetti Valente

por Dennys Antonialli, Francisco Brito Cruz e Mariana Giorgetti Valente

Na semana passada, o Twitter anunciou que abriu um processo contra o governo dos Estados Unidos com o objetivo de poder divulgar mais detalhadamente informações sobre pedidos de fornecimento de dados de seus usuários feitos pelos órgãos de segurança nacional. A ação sugere que as plataformas têm recebido cada vez mais demandas em relação ao fornecimento desses dados – seja por parte do governo, seja por parte de quem se sente lesado na rede.

No Brasil, pedidos de identificação de usuários de Internet têm se multiplicado. Tratam-se de tentativas para obrigar as empresas de internet a fornecer dados que possibilitem descobrir a identidade do autor de uma postagem, por exemplo. Essas requisições podem apontar para questões muito diferentes: investigações policiais e por órgãos de inteligência, e indivíduos que se sentem lesados em seus direitos. Em comum, uma questão: qual deve ser o procedimento adotado, e que garantias têm os usuários de não terem seus dados revelados indiscriminadamente?

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Fonte: Pixabay

Recentemente, ganhou destaque na imprensa uma ação judicial deste tipo, proposta pelo senador e candidato à Presidência da República, Aécio Neves. O presidenciável pleiteia a obtenção de dados que permitam a identificação de 66 usuários do Twitter que, segundo ele, formam “uma rede virtual de disseminação de mentiras e ofensas contra o autor [Aécio]”.

A decisão liminar de primeira instância (confirmada pela segunda instância) determinou que os dados fossem fornecidos, mas que ficassem lacrados e depositados em cartório até que fossem avaliadas as postagens de todos os usuários pormenorizadamente. Isso seria necessário para verificar se os pedidos de identificação realizados eram justificados, isto é, se o conteúdo em questão é, de fato, ilícito.

É verdade que a Constituição, em seu artigo 5º, inciso IV, proíbe o anonimato, apesar de garantir a liberdade de expressão. Muitos invocam o dispositivo para defender a identificação irrestrita dos usuários. Mas é preciso lembrar que a vedação é perfeitamente compatível com a utilização de pseudônimos, por exemplo. O que a Constituição pretende resguardar é apenas a possibilidade de responsabilizar quem viola a lei. Isso é muito diferente de se dizer que existe um direito geral de identificar qualquer pessoa na Internet, sem nem mesmo considerar o porquê.

Antes da aprovação do Marco Civil da Internet, não havia regras claras sobre como o juiz deveria proceder em relação a esses pedidos. Diante disso, muitas decisões ordenavam o fornecimento de dados de identificação mesmo antes de ouvir a outra parte. Pesquisa vencedora do prêmio “Marco Civil da Internet e Desenvolvimento”, organizado pela FGV-SP e pelo Google Brasil em 2012, identificou que isso acontecia em 47% dos casos, o que indicava uma interpretação radical do dispositivo constitucional.

Nesse sentido, a decisão do juiz Helmer Augusto Toqueton Amaral, no caso envolvendo o presidenciável, representa um avanço ao considerar importante avaliar o conteúdo postado antes de conferir ao autor da ação a possibilidade de identificar o usuário.

Não poderia ser diferente. O Marco Civil da Internet estabeleceu critérios para a análise desses pedidos, que agora só podem ser deferidos pelo juiz se apresentarem fundados indícios de que houve ato ilícito. Isso obriga o magistrado a encarar o sigilo desses dados como regra, devendo considerar a proteção à privacidade do usuário ao interpretar a vedação ao anonimato prevista na Constituição Federal. Ao contrário do que possa parecer, essa vedação não significa que exista um verdadeiro “direito de se saber quem é” que está do outro lado da tela. Isso deve acontecer apenas em casos excepcionais, fundamentados, e mediante autorização judicial.

A avaliação judicial rigorosa de pedidos de fornecimento de dados de identificação é condição indispensável para a garantia da privacidade e, sobretudo, da liberdade de expressão dos usuários de Internet. Isso porque a identificação irrestrita – ou feita a partir de critérios muito frágeis – pode gerar uma sensação de vulnerabilidade, a ponto de desencorajar a expressão de críticas e colocações legítimas. Se os juízes forem lenientes com o reconhecimento de um “direito de saber quem é”, isso pode acabar saindo muito caro para a liberdade de expressão.

    Tags:

  • Anonimato
  • Dados Pessoais
  • Judiciário
  • Liberdade de Expressão
  • Marco Civil da Internet
  • Privacidade
  • Sigilo
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Sobre o Blog

Dennys Antonialli, Francisco Brito Cruz e Mariana Giorgetti Valente. São pesquisadores do InternetLab (internetlab.org.br), centro interdisciplinar de pesquisa em direito e tecnologia, em São Paulo.

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