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A internet no banco dos réus

Falem bem ou falem mal, mas só falem bem

Por Dennys Antonialli, Francisco Brito Cruz e Mariana Giorgetti Valente

Por Francisco Brito Cruz
Atualização:

Antes de reservar um hotel ou comprar um produto, muita gente faz uma busca na Internet sobre as avaliações de outros consumidores. A ideia é aproveitar a experiência alheia para se informar e evitar dissabores. A estratégia também vale quando se vai contratar um profissional liberal. Seja ele um médico, advogado ou animador de festa, o que importa é ver se existem comentários de pessoas satisfeitas ou insatisfeitas com o trabalho desempenhado.

Nesses casos, em que não há um "fabricante" ou um estabelecimento comercial, o "produto" se confunde com a pessoa e é comum que elogios e críticas adquiram um caráter mais pessoal. Afinal, como avaliar se um animador de festas é simpático ou educado sem falar dele? Como avaliar a competência de um advogado sem mencionar a forma como ele conduziu o processo?

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Mas isso pode incomodar. Foi o caso de um advogado de Santa Catarina, que recebeu uma avaliação negativa na rede social Google+: "Não recomendo e sugiro cuidado especial com a ética profissional", dizia o comentário, "um FRACASSO, um DESASTRE". Sentido-se lesado e, diante da negativa do Google em atender o seu pedido para retirar o comentário do ar, o advogado decidiu entrar na Justiça contra a empresa. Além da remoção do conteúdo, pediu ainda uma reparação em dinheiro pelas "ofensas". Ganhou em primeira e em segunda instância.

De acordo com a decisão do Tribunal, que manteve o julgamento do primeiro juiz, o Google deveria ter retirado o comentário a partir do simples pedido do advogado. Além disso, deveria ter identificado o seu autor, garantindo que o advogado pudesse se defender adequadamente. Ao não fazer isso, na visão do Tribunal, a empresa estaria "protegendo o anonimato", o que acabaria "por proporcionar a crítica sem responsabilidade, o simples ofender por ofender, sem contribuir para qualquer construção ou crescimento social".

Em poucas palavras, a decisão condena o Google por não ter atendido os pedidos do advogado antes de ele entrar no Judiciário. Em sua defesa, a empresa alega que impor uma obrigação de retirar conteúdos do ar antes da apreciação do caso por um juiz pode ser prejudicial à liberdade de expressão. Se fosse assim, qualquer pessoa que recebesse uma crítica ou comentário negativo na Internet faria um pedido de remoção, que teria de ser prontamente atendido.

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Por essa razão, o Marco Civil da Internet tem uma regra clara em seu artigo 19, que garante que um provedor de conteúdo só seja responsabilizado se, após uma ordem judicial de remoção, não tomar providências. Antes disso, não há responsabilidade. O mesmo vale para a identificação de usuários responsáveis pela postagem de quaisquer conteúdos: os registros de acesso, que podem ajudar na determinação do responsável, só podem ser entregues mediante ordem judicial. Isso impede que haja perseguição ou constrangimento de quem queira manifestar opiniões polêmicas ou realizar denúncias sem a análise de um juiz, que deve ponderar eventuais ofensas com a liberdade de expressão.

Como o caso de Santa Catarina aconteceu antes da aprovação da lei, o Tribunal não precisava aplicar a regra e pôde decidir em sentido contrário. A indenização por danos morais foi fixada em R$2.500,00, além do pagamento das custas processuais e com advogados.

Vale lembrar que, muitas vezes, contas pessoais em plataformas como o Google+ ou o Facebook servem como meio de divulgação de serviços, especialmente no caso dos profissionais liberais. São perfis utilizados como referência para quem estiver cogitando contratá-los. Mas, diferentemente de mídias como jornal e televisão, a característica dessas plataformas é permitir a comunicação multidirecional. Achar que é possível manter esse espaço só com avaliações positivas é não entender isso. Ainda pior é partir do pressuposto que qualquer comentário negativo seja uma ofensa à honra e à imagem.

Ao dar ganho de causa a uma ação como essa, o Tribunal pode estar contribuindo para uma definição bastante restritiva de quais sejam os limites da liberdade de expressão. Limites que não admitem o uso de palavras mais fortes ou de críticas mais incisivas. Limites que exigem que qualquer manifestação do pensamento seja polida ou "politicamente correta". Um mundo em que até chamar de bobo ofende. Mais do que um mundo muito chato, esse pode ser um mundo em que os danos morais valem mais do que a verdade.

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