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A internet no banco dos réus

Game Over no jogo, Start na Justiça?

Por Dennys Antonialli, Francisco Brito Cruz e Mariana Giorgetti Valente

Por Francisco Brito Cruz
Atualização:

É difícil encontrar alguém que nunca tenha jogado nada online. Os convites para jogar Farmville pelo Facebook que o digam. Esse tipo de jogo pode ser um passatempo divertido, uma forma de esvaziar a cabeça, ou mesmo viciante. Mas há quem leve isso muito mais a sério, com grande envolvimento emocional e muitas horas por dia dedicadas a um jogo. Quando, nos anos 90, a Internet começou a se popularizar, o componente social, já presente em outros jogos não digitais, deu aos jogos uma dimensão diferente: inúmeros jogadores conectam-se de qualquer parte do mundo, estabelecem relações e rivalidades, e, a depender das características do ambiente, criam o que se passou a chamar de "realidade virtual".

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Não é só para os jogadores que as coisas mudam radicalmente. As produtoras de jogos também viram seu negócio bastante transformado, já que passaram a poder ter ganhos financeiros ao longo do jogo - antes, uma vez comprado na loja física, a produtora não ganhava mais nada com aquilo. Alguns jogos passaram a incluir compra de personagens, armas, recursos especiais ou mesmo "moedas" que, dentro dos jogos, podem ser transacionadas.

Tudo isso tem um grande efeito no envolvimento que um jogador pode ter com o jogo, seus personagens e narrativas. Muitos encontram novas maneiras de socializar dentro dos jogos, se aproximando de outros jogadores e criando comunidades. Para outros, videogames são equiparados a um esporte - competem inclusive por muito dinheiro e com direito a platéia.

Ocorre que, no fim das contas, existe uma empresa por detrás desses ambientes. E eles são sempre regulados por normas internas, termos de uso específicos. Há uma série de possibilidades de conflitos: itens ou personagens comprados podem não ser entregues ao comprador por acidente, pessoas podem se desentender ou mesmo tentar encontrar jeitos de burlar as regras. E se isso acontece, os produtores podem ser procurados para resolver. Mas se não resolvem, e se existe um ilícito, sempre existe uma possibilidade de buscar a justiça. Afinal, se de uma hora para outra todo o seu rebanho da sua fazendinha sumir, alguém tem que dar um jeito nisso.

Um desses conflitos surgiu com o jogo Priston Tale, um jogo que cria uma realidade virtual de múltiplos jogadores em que você pode derrotar monstros e completar missões. Uma jogadora gaúcha, que tinha dedicado tempo considerável ao jogo, teve sua conta suspensa, ficando impedida de jogar e "conviver" no jogo.

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Diante disso, ela decidiu acionar a justiça, pedindo, inclusive, uma indenização por danos morais. Alegou, entre muitas coisas, que seu direito constitucional ao lazer estava sendo violado, na medida que tinha sido bloqueada do jogo. Além disso, defendeu que tinha uma reputação como jogadora, que foi lesada com o bloqueio.

Não convenceu o juízo de primeira instância, e nem o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. De acordo com a decisão, uma perícia teria demonstrado que a jogadora teria participado de um esquema de trapaça no jogo para ganhar mais moedas ("hackeamento") e, por isso, sua conta teria sido suspensa. Isso caracterizaria má-fé da jogadora, ou, no mínimo, sua conivência com a violação das regras do jogo por um dos membros do seu time. Além de considerar que ela não tinha razão, condenou-a por litigância de má-fé - que ocorre quando alguém se vale da justiça para algo que sabe claramente estar errado, ou apenas para enriquecer-se às custas dos outros.

Independentemente do desfecho mal sucedido da jogadora, o caso aponta para a possibilidade de o Judiciário reconhecer sim direitos que existam nessas realidades virtuais. Nos jogos em que determinados recursos sejam comprados em transações comerciais "de verdade", como com um cartão de crédito, fica mais fácil de perceber isso. Mas será que há também circunstâncias em que o direito deve proteger aquela arma que você demorou muito tempo para conseguir ou aquela fazenda que você investiu tanto tempo para fazer progredir? Para muitos usuários e jogadores, não há dúvida disso: basta ver, por exemplo, os vídeos da youtuber Tulla Luana, que ficou famosa por verbalizar suas críticas inflamadas aos jogos Colheita Feliz e Segredos do Mar. Quem viver - e jogar - verá.

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