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A internet no banco dos réus

Operação Lava Críticas

Por Dennys Antonialli, Francisco Brito Cruz e Mariana Giorgetti Valente

Por Mariana Giorgetti Valente
Atualização:

Marcelo Auler é um jornalista que mantém um blog de reportagens. Uma breve navegada em seu blog já permite saber que ele escreve abundamente sobre política nacional, e que um de seus temas tem sido a Operação Lava Jato - que tem mobilizado, por sinal, a imprensa nacional há bastante tempo.

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Nos últimos meses, o jornalista foi obrigado, por duas decisões liminares de primeira instância, a retirar dez reportagens do seu blog envolvendo a Operação, nas quais indicava possíveis irregularidades na sua condução, ou fazia outros tipos de críticas. No primeiro caso, em 30 de março de 2016, um juiz de Curitiba determinou que duas reportagens que mencionavam uma delegada federal, Erika Mialik Marena, fossem retiradas do blog do jornalista; no segundo, uma decisão do dia 5 de maio de 2016 determinou que outras oito reportagens, agora envolvendo o delegado Mauricio Moscardi Grillo, e a pedido dele, fossem também removidas do blog.

Liminares são decisões provisórias, que têm força enquanto não se decide o caso final. A ideia por trás da existência de liminares no sistema jurídico é que há casos em que é preciso dar decisões de urgência, para preservar direitos, porque a demora na decisão final poderia ser prejudicial. Como a própria juíza que determinou a remoção das 8 reportagens reconhece, a liminar tem caráter excepcional, e só pode ser concedida se alguns requisitos forem cumpridos. O primeiro é que haja probabilidade de existência do direito alegado, ou seja, deve haver evidências de que aquele que moveu a ação parece ter os direitos que alega; a segunda é que haja evidências de que a demora na decisão pode provocar danos também àquele que moveu a ação, e a terceira é que a providência que a liminar determina não seja irreversível, ou seja, que caso se decida diferente, depois, na ação principal, não haja perdas que não possam ser recuperadas.

As liminares no caso de Auler têm levantado protestos de diversas associações de jornalistas, que identificam que as decisões impõem censura ao jornalismo - a Abraji, Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo, divulgou nota em repúdio às decisões, assim como o fez a ABI, Associação Brasileira de Imprensa; no exterior, manifestaram-se também o Committee to Protect Jornalists (ver aqui, em inglês) e a organização Journalism in the Americas (aqui, em português).

Não é para menos. Como se trataram de liminares, em nenhum dos casos o jornalista foi ouvido; no caso das reportagens envolvendo o delegado Mauricio Moscardi Grillo, ainda, a juíza foi além, e proibiu que Auler publicasse outras reportagens "com conteúdo capaz de ser interpretado como ofensivo ao reclamante, sob pena de adoção das medidas coercitivas pertinentes". Além de aberta - afinal, quem determina o que pode ser interpretado como ofensivo ao delegado?, a decisão institui, sem sombra de dúvidas, o que se chama de censura prévia, o que não é admitido pela Constituição Federal. O crivo do Judiciário deve se ater à análise de violações por conteúdos já publicados, sem impor proibições genéricas e abertas em relação a conteúdos futuros.

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É evidente que qualquer pessoa, inclusive um jornalista, pode ser responsabilizada por suas posições, se elas constituírem uma ofensa a algum direito, incompatível com a liberdade de expressão. Com cuidado, porém: em uma das reportagens, citada pela juíza, Auler estaria criticando que, apesar de o juiz Sérgio Moro ter solicitado ajuda financeira para pagar conta de luz, delegados estariam desfrutando de mordomias (incluindo o delegado em questão). Sem acesso às reportagens completas, que foram removidas, é impossível fazer uma avaliação sobre o caso; porém, é preciso ter em mente que críticas do teor que mencionamos são perfeitamente protegidas pela liberdade de expressão, e extremamente importantes num contexto democrático, especialmente em se tratando de pessoas com cargos públicos.

Se abusos podem ocorrer e a responsabilização é cabível, determinar previamente que alguém não pode falar de determinado assunto, quando ele puder ser interpretado como ofensivo, é incompatível com a nossa ordem constitucional - e, como tem sido apontado por outros juristas, medida identificável com regimes ditatoriais. Fazê-lo por liminar traz ainda a complicação de que, pelo caráter de urgência, o jornalista sequer foi ouvido - foi considerada, somente, a posição do delegado ofendido sobre os casos. A juíza alega que a liminar é cabível também porque medida não é irreversível, já que, como o blog está na Internet, ao fim do processo, pode-se colocar novamente as reportagens no ar; no entanto, no fim do processo, que não sabemos quando será, pode ser que as reportagens sequer sejam mais relevantes.

É preocupante que, num momento como o que passamos no Brasil, no qual a Internet tem se mostrado ambiente tão importante para informação e também expressão de posições políticas, seja mostrado tão pouco apreço à liberdade de informar e de criticar, e sejam adotadas práticas que em nada auxiliam a democracia.

 

Acesse a decisão da juíza do 12o JEC de Curitiba aqui

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