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A internet no banco dos réus

Mamilos são polêmicos

Por Dennys Antonialli, Francisco Brito Cruz e Mariana Giorgetti Valente

Por Mariana Valente
Atualização:

No dia 17 de abril de 2014, a Biblioteca Nacional e o Instituto Moreira Salles lançaram o Portal Brasiliana Fotográfica. O objetivo do projeto é dar visibilidade e fomentar o debate sobre acervos fotográficos e promover a sua preservação digital. O portal foi lançado com mais de 2.000 fotos históricas, datadas do século XIX e das duas primeiras décadas do século XX.

Uma das fotografias digitalizadas é a Índios Botocudos: foto 04, do fotógrafo Walter Garbe, tirada em Santa Leopoldina, no Espírito Santo, em 1909. O Ministério da Cultura escolheu a fotografia como um dos destaques da divulgação que fez, na sua página no Facebook, do lançamento do projeto. A foto foi bloqueada no dia seguinte. O motivo? A índia tinha os seios de fora, o que foi considerado uma violação aos termos de uso da plataforma.

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Os termos de uso do Facebook são as regras que devem ser seguidas pelas pessoas quando elas usam a rede social. Nesse espaço, eles são como uma espécie de "lei" que rege as relações. No Facebook, estes termos estabelecem que o compartilhamento de imagens deve seguir os Padrões da Comunidade da rede social. E um dos aspectos regulados por esse documento é justamente a nudez: a empresa afirma que restringe a exibição de "órgãos genitais ou com foco em nádegas totalmente expostas", ou de "seios que mostram os mamilos". Nos próprios padrões, justifica-se: a plataforma é utilizada no mundo todo, e o que é aceitável para algumas pessoas pode ser muito ofensivo para outras.

O MinC ficou revoltado com o bloqueio da fotografia. Esse não foi o primeiro caso em que as regras de uso da plataforma geram insatisfação. Já houve grupos de mulheres lactantes, por exemplo, que fizeram "compartilhaço" de fotos amamentando, já que elas estavam sendo bloqueadas do Facebook. Páginas de protesto feminista como Eu Não Mereço Ser Estuprada (que incentivou postagens de mulheres cobrindo parcialmente o corpo, ou não, com a frase em questão) foram bloqueadas, ainda que temporariamente. E isso foi fazendo o Facebook rever algumas de suas políticas. Nos Padrões da Comunidade, hoje, existe a previsão expressa de que fotos de mulheres amamentando não serão bloqueadas. Mas também de que serão permitidas "fotos de pinturas, esculturas e outras obras de arte que retratem figuras nuas".

Há divergências sobre como ocorrem esses bloqueios. O Facebook já afirmou que o controle é totalmente humano, ou seja, há alguém avaliando o que fica e o que sai - ainda que sejam empresas terceirizadas. Ativistas que tiveram um grande número de fotos bloqueadas têm a percepção de que o controle é inicialmente feito por programas de computador, e que há revisão humana somente depois que o usuário responde ao bloqueio. No caso dos índios botocudos, o MinC tentou entrar em contato com o Facebook diretamente, mas não teve sucesso imediato. Decidiu, então, mover um processo contra o Facebook - e quando a foto foi restabelecida (um dia depois do bloqueio), afirmou que manteria a ação judicial. Afinal, apesar de ver no retorno da imagem "uma vitória do povo indígena, do povo brasileiro e uma afirmação da dignidade do Governo", continuaria sendo necessário "discutir ampla e democraticamente a governança da internet e buscar uma regulação multilateral que garanta, entre outros direitos, a neutralidade de rede, a liberdade de expressão, a livre circulação de ideias, a soberania das nações e a autodeterminação".

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O Ministério da Cultura achou especialmente problemático que uma imagem que retrata a história e o patrimônio cultural brasileiro, divulgada pelo Estado, tenha sido considerada imprópria. Existe mesmo um grande paradoxo aí. Uma pesquisa nossa em andamento tem indicado que o padrão aplicado pelo Facebook para julgar nudez é mais estrito que o entendimento do Judiciário sobre o que é ofensivo, bloqueia conteúdos que seriam aceitos em jornais e revistas de grande circulação, e remove inclusive imagens que seriam consideradas adequadas para qualquer faixa etária pela classificação indicativa do Ministério da Justiça.

Por outro lado, empresas como o Facebook enfrentam a dificuldade de lidar com as legislações de todos os países em que atuam. Você vê o mesmo conteúdo no Facebook que aquele seu conhecido do Paquistão vê, e vice versa. Aquele bloqueio que achamos uma caretice pode ser a condição de atuação do Facebook em algum país. Mais que isso: as empresas estabelecem termos de uso justamente para informar seus usuários a respeito dos critérios que nortearão essas decisões e que definirão as características que julgam mais adequadas para o ambiente dentro de suas plataformas.

De uma forma ou de outra, o processo é interessante: as pessoas, e até os governos, entendendo estar sendo ilegitimamente cerceados, dirigem demandas a essas empresas, que detêm um grande poder sobre como nos comunicamos. Enquanto isso, as empresas esforçam-se para pensar em critérios que sirvam às exigências das várias legislações onde atuam e que se mostrem culturalmente aceitáveis. É uma posição desconfortável, mas que exige cuidado político e disposição para concessões. De fato, parece que mamilos são polêmicos.

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