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A internet no banco dos réus

"Meça suas palavras na Internet, parça"

Por Dennys Antonialli, Francisco Brito Cruz e Mariana Giorgetti Valente

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Por Mariana Valente
Atualização:

Se você já reclamou de algum produto ou serviço nas redes sociais, como Facebook ou Twitter, você deve saber que geralmente funciona. Cada vez mais, as empresas se preocupam com a sua reputação na rede e designam funcionários responsáveis por acompanhar os comentários e postagens associados a elas para oferecer respostas ou prestar satisfações.

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Mas o alvo nem sempre é uma empresa. Pode ser que a sua reclamação seja dirigida a um funcionário ou atendente específico: uma situação de grosseria, descaso ou mau atendimento. Nesses casos, é preciso ter mais cuidado para que a reclamação não vire ofensa ou ataque pessoal.

Foi o que aconteceu com um professor de um clube esportivo no interior de São Paulo. Em dezembro de 2013, ele foi alvo de um comentário na página do clube no Facebook, postado por um dos associados, que se disse indignado por acreditar que o professor não teria ajudado uma senhora a entrar na piscina para a aula de hidroginástica. Por isso, chamou-o de "vagabundo" e "safado":

"fiquei indignado, quando uma senhora bem idosa tentava descer a escada da piscina e o VAGABUNDO que estava instruindo, na?o foi capaz de ajudar a senhora a descer a escada para participar da aula e foi amparada por outras duas senhoras, e o cara olhando de fora...sabe esta safado (sic) que so? esta empregado porque esta velhinha sem valor aos olhos dele deve se associada a muitos anos e sustenta empregos e mesmo assim na?o e? tratada como deveria".

Segundo o professor, a senhora estava acompanhada de sua filha, que teria ajudado a mãe a entrar na piscina, não tendo havido maiores problemas durante a aula. Mas não demorou para que o comentário postado no Facebook chegasse aos ouvidos dos responsáveis pelo Departamento Pessoal do clube, que pediu esclarecimentos ao funcionário.

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Depois de tudo explicado, o problema se tornou o comentário raivoso do associado, que ofendia o professor e continuava disponível na Internet. O clube decidiu então, alegando descumprimento do estatuto, suspender o associado por um mês. Não satisfeito, o professor ofendido decidiu mover um processo judicial contra ele, alegando violação ao seu direito à honra e à intimidade (art. 5, X, da Constituição Federal), e pedindo uma indenização por danos morais.Em primeira instância, o associado foi condenado pagar indenização no valor de R$ 15.000,00.

A decisão foi mantida pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, que considerou ter havido abuso por parte do associado. A corte destacou que nem sempre os casos de troca recíproca de ofensas ensejam indenização por dano moral, já que, "no calor da discussa?o", as pessoas são capazes de pegar bem pesado.

Buscou ser razoável: considerou que se tratava de um caso em que estavam em questão dois direitos individuais, o de liberdade de expressão e o de inviolabilidade da honra e da imagem do indivíduo, que precisavam ser sopesados. Ponderou e entendeu que os comentários do associado sobre o professor foram vexatórios e humilhantes, além de desproporcionais, pois ridicularizaram-no publicamente, expondo-o inclusive diante de outros colegas de profissão.

Afirmou, ainda, que a identidade do professor estava clara na postagem, e também não colocou em dúvida a identidade do associado, que tampouco negou autoria do comentário, afirmando somente que já tinha sido suficientemente penalizado, com a suspensão pelo clube, e que o pagamento de R$ 15.000,00 configuraria enriquecimento sem causa ao professor.

Não existe direito que seja absoluto. É claro que queremos nosso direito de reclamar, de "xingar muito no Twitter", e seria absurdo, do ponto de vista da liberdade de expressão, que fôssemos proibidos de nos exaltar. Pelo nosso sistema jurídico, ainda, a regra é que discursos não sejam limitados previamente, mas possam sofrer controle posterior, caso o direito seja abusado. Isso é importante, para que a crítica e a opinião possam circular livremente.

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Quem determina se houve abuso ou não é o juiz, que deve considerar o contexto e as circunstâncias de cada caso, e sem se deixar guiar pelo mero uso de palavras mais agressivas ou exaltadas. Em todo caso, tanto na Internet como fora dela, a mensagem do Mc Brinquedo pode ajudar: meça suas palavras.

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