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A internet no banco dos réus

As URLs de Nissim Ourfali

29/03/2016 | 17h01

  •      

 Por Francisco Brito Cruz

Por Dennys Antonialli, Francisco Brito Cruz e Mariana Giorgetti Valente

Do “forninho da Giovana” ao “já acabou, Jéssica?”, o Brasil é um grande celeiro de virais. Em geral, são vídeos de situações espontâneas, que se tornam engraçadas fora de seu contexto original. Esse foi o caso do vídeo gravado em comemoração ao Bar Mitzvah de Nissim Ourfali. Nele, uma espécie de videoclipe é montado com imagens do garoto dublando uma paródia da música “What Makes You Beautiful”, da banda One Direction.

O vídeo foi exibido durante a cerimônia e, posteriormente, postado publicamente no Youtube para poder ser acessado por outros familiares e amigos. Em pouco tempo, alcançou mais de um milhão de visualizações. A família perdeu o controle da situação e ficou descontente com a exposição de Nissim, que, viralizado, virou alvo de piadas.

Para impedir que o vídeo continuasse a ser veiculado no Youtube, a família Ourfali decidiu recorrer ao Judiciário. Em 2012, quando a Justiça foi acionada, o juiz Arthus Wady, da 1ª Vara Cível de São Paulo, concedeu liminar determinando a retirada de alguns vídeos da plataforma. Dois anos depois, entretanto, o mesmo juiz decidiu que não poderia impor ao Google (dono do YouTube) uma obrigação genérica de eliminar todos os vídeos que fizessem menção ao garoto. Isso porque, de acordo com o juiz, “[c]aso a ação fosse julgada procedente, inúmeros outros vídeos e mídias seriam removidas sem ter nenhum vínculo real ao autor, somente por possuir menção ao seu nome”.

A família de Nissim recorreu. Em julgamento ocorrido poucas semanas atrás, os desembargadores da 9ª Câmara de Direito Privado reformaram a decisão e determinaram que o Google deve retirar do ar os vídeos que fazem menção ao garoto, mesmo sem a indicação dos respectivos links (chamados tecnicamente de uniform resource locators, ou URLs).

Se, de um lado, parece razoável que a família de Nissim não tenha que indicar a localização de cada vídeo que deseja ver deletado da Internet (quantos outros surgirão?), de outro, a obrigação genérica de retirada coloca a plataforma em uma posição difícil: como identificar, dentre seus milhares de vídeos, aqueles que dizem respeito ao garoto? Mais que isso: como decidir quais deles devem ser deletados e quais não devem? Nesse sentido, a obrigatoriedade de indicação de URLs pode ser vista como um mecanismo de proteção da liberdade de expressão e o direito da coletividade à informação: é uma forma de garantir que cada conteúdo a ser deletado passe pelo escrutínio do juiz.

Desde 2013, o Superior Tribunal de Justiça enfrenta a questão. Em decisão paradigmática, a ministra Nancy Andrighi, relatora do caso, determinou que não haveria como “delegar a máquinas” a função de decidir quais conteúdos deletar. No mesmo ano, entretanto, o ministro Luis Felipe Salomão decidiu em sentido oposto. Seu argumento foi o de que se o Google teria criado “um monstro indomável”, devendo responder pelo mau uso da sua plataforma. No ano passado, entretanto, a discussão parece ter sido pacificada com nova decisão do STJ, que reafirmou a necessidade de indicação de URLs em casos que discutam a remoção de um conteúdo na Internet.

Com a aprovação do Marco Civil da Internet, a questão parece ter ficado ainda melhor resolvida. De acordo com o parágrafo primeiro ao seu artigo 19, a ordem de retirada do conteúdo deve “conter, sob pena de nulidade, identificação clara e específica do conteúdo apontado como infringente, que permita a localização inequívoca do material”.

Vale lembrar que o caso Nissim aconteceu antes da aprovação do Marco Civil da Internet, ou seja, antes de existir uma regra definitiva exigindo a tal “identificação clara e específica”. Mesmo com o dispositivo, entretanto, a questão segue gerando discussão. No ano passado, o processo que pedia a retirada da Internet das fotos do acidente que vitimou o cantor Cristiano Araújo endereçou questões muito semelhantes – e também com sinais trocados entre 1ª e 2ª instância.

A disputa sobre a indicação ou não de URLs também pode ser vista como um capítulo de uma briga que vem se desenrolando em vários outros casos envolvendo empresas de Internet, e que passa pela (des)confiança que magistrados desenvolvem em relação a argumentos técnicos apresentados pelas plataformas. Não raro, justificativas dessa natureza são desconsideradas ou tidas como “desculpas”. No caso de Nissim, tecnicamente possível ou não, o que está em jogo é a decisão sobre o que sai e o que fica na Internet. E isso é sempre muito sério.

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Sobre o Blog

Dennys Antonialli, Francisco Brito Cruz e Mariana Giorgetti Valente. São pesquisadores do InternetLab (internetlab.org.br), centro interdisciplinar de pesquisa em direito e tecnologia, em São Paulo.

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