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A internet no banco dos réus

Olha o passarinho!

Por Francisco Brito Cruz e Mariana Giorgetti Valente

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Por Mariana Valente
Atualização:

Hoje em dia parece que estar fora de casa significa poder ser filmado, fotografado, postado na Internet e transformado em meme. São câmeras de segurança, fotos de celulares de pessoas que parecem inocentemente distraídas no ônibus, e até mesmo drones - as pequenas máquinas voadoras controláveis à distância, que vão ficando cada vez mais comuns. Ou você pode estar na rua e passar um carro registrando tudo, o que depois vira recurso de um mapa interativo. No Google Street View as pessoas podem passear virtualmente pelas ruas de outras cidades do mundo ou ver como é um endereço que procuram.

Muita gente é registrada pelo carro do Street View numa situação dessas. Há várias anedotas sobre isso, e até coleções, na Internet, de cenas engraçadas. Há também casos de pessoas que são flagradas em situações que tentavam manter em segredo, como o caso do carro parado na frente da casa onde ocorria o adultério.

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Um homem registrado levando o lixo para fora de sua casa ajuizou, contra o Google, uma ação de indenização por danos morais pela divulgação sem autorização de sua imagem.

Em primeira instância, a empresa ficou condenada ao pagamento de R$ 7.240,00 a título de indenização, mais uma multa de R$ 30.000,00. O juiz de primeira instância, justificando a decisão, chegou a afirmar que havia um problema na exposição da imagem do autor para além do "limite da aldeia", chegando a um "potencial planetário". Disse que "ningue?m espera ficar aos olhos cri?ticos do mundo por simplesmente colocar o lixo a? porta". A decisão foi integralmente confirmada pelo Tribunal de Justiça de São Paulo.

O Google argumentou que oferece uma ferramenta para que os próprios usuários possam borrar suas imagens, mas aparentemente a ferramenta não funcionou. Também tentou convencer o Tribunal de que indenização não seria cabível, já que não teria ocorrido qualquer dano decorrente da exposição da imagem. O assunto é controverso nos nossos tribunais: a exposição da imagem de alguém é ilícita em si, ou somente quando causar prejuízos, morais ou materiais, ao detentor da imagem?

O que o Tribunal pareceu entender foi que a primeira resposta é a mais adequada. Para a corte, a própria utilização da imagem de alguém sem autorização poderia ser considerada problemática. Talvez tenha contado a favor dessa decisão, também, que a imagem houvesse sido feita num momento em que o autor da ação estava em frente à própria casa, de forma que outras informações pessoais sobre si eram reveladas, ou que ele era mais facilmente identificado. A disponibilidade e popularidade da ferramenta devem ter contado também: fosse a imagem feita por um fotógrafo de rua, e colocada em seu portfolio online, o resultado poderia ser outro.

Se já era difícil traçar os limites razoáveis ao direito de imagem na mídia tradicional, a Internet traz novos desafios. Um fator a ser levado em conta na avaliação pode ser o interesse público na divulgação das imagens (como, por exemplo, conteúdo que revele abuso de autoridade de um policial). Um outro, o quanto as imagens em questão expõem o cidadão comum. Com essa decisão, o Judiciário paulista sinaliza que o desenvolvimento de ferramentas novas e que façam o registro de imagem de vias públicas precisa vir acompanhado de formas que evitem a exposição do nosso dia-a-dia.

Uma questão que permanece em aberto é se o rigor seria o mesmo caso a exposição da imagem não fosse direcionada ao grande público, mas a empresas ou órgãos públicos específicos. Cada vez mais chave passa a ser a seguinte pergunta: quem está olhando por detrás das câmeras?

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