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Deu nos Autos

A internet no banco dos réus

Sorria, você é o garoto-propaganda!

10/06/2015 | 13h22

  •      

 Por Mariana Giorgetti Valente

Por Dennys Antonialli, Francisco Brito Cruz e Mariana Giorgetti Valente

Como você se sentiria se acessasse alguma das suas redes sociais e desse de cara com uma foto sua estampando a campanha publicitária de algum produto ou serviço, usada sem a sua autorização? É como se pegassem aquela sua foto sorrindo e decidissem usá-la em um comercial de pasta de dentes. Na Internet, salvar e utilizar fotos alheias ficou fácil. Mas qual o limite para isso?

Essa discussão chegou ao Tribunal de Justiça de São Paulo no final de maio. Uma concessionária de automóveis utilizou a foto de um cidadão sem a sua autorização para fazer um post em sua fanpage. O objetivo? Promover um modelo de carro.

O problema é que a pessoa não gostou nada disso. Identificando-se como cicloativista, o cidadão que teve sua cara estampada para vender automóveis resolveu processar a concessionária dizendo que ela não tinha o direito de utilizar sua imagem sem a sua autorização.

A primeira instância condenou a loja de carros a pagar 8 mil reais para indenizar o cicloativista. Após recurso, a segunda instância subiu a quantia para 15 mil. Para o Tribunal ficou clara “a ausência de autorização do autor para veiculação de sua imagem, inexistindo dúvida de que sua utilização foi feita de forma indevida pela ré, o que implica violação ao direito de imagem, a ensejar a reparação dos prejuízos extrapatrimoniais causados”. A corte não foi sensível ao argumento da concessionária de que “a exposição [de suas fotos no post promocional] não submeteu o autor [o cidadão] a situação vexatória ou ofensiva”.

Se você nasceu antes dos anos 90, deve se lembrar bem que os registros que fazíamos de momentos das nossas vidas eram, por natureza, muito mais privados. Tirávamos fotos com câmeras de filme, e levávamos os rolos para revelar. Às vezes ficávamos constrangidos na hora de buscar as fotos na “revelação”, pensando que quem havia feito o serviço tinha visto demais, sabendo para onde você tinha ido, suas peripécias – o que ele estaria pensando de você? Passado esse momento, as fotos impressas iam parar em álbuns e caixas nas nossas casas. A chance de serem usadas para outras finalidades eram praticamente inexistentes.

É claro que sempre existiu a possibilidade de um fotógrafo (trabalhando para um jornal, por exemplo) fazer uma imagem sua na rua – e aí ela estampar a capa de um jornal. Mas a probabilidade dessa foto ser utilizada para outros fins era pequena. Hoje, tiramos uma foto nossa ou de alguém do celular, e em segundos ela está no Facebook, no Instagram, no WhatsApp. Fazemos imagens nossas associadas a coisas que gostamos ou causas que apoiamos. Em muitos casos, nós mesmos nos incumbimos de dar publicidade a elas nas redes. Qualquer um que busque imagens para ilustrar uma matéria, um post de blog, uma propaganda encontra facilmente milhares de recursos à disposição.

A questão então é jurídica, mas não só: o que muda com a tamanha disponibilidade desses materiais? Muda o direito que temos de dispor das nossas imagens? Faz diferença se a imagem é de um momento privado, ou feita em um espaço público? É diferente se o uso pensado é compartilhar no WhatsApp ou se tem alguma intenção comercial? E se tiramos uma foto para usar de um jeito, ela cai na rede e alguém usa de outro?

Para a maioria dessas perguntas, o direito brasileiro dá respostas poucos claras. Não há limites precisos entre a liberdade de informação e o direito de imagem, por exemplo. Uma foto minha em uma manifestação pode estampar a capa de um jornal sem meu consentimento, em qualquer circunstância?

Algumas outras o nosso Código Civil respondeu. De acordo com o seu artigo 20, salvo se autorizada, a utilização da imagem de uma pessoa poderá ser proibida, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingir a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinar a fins comerciais. Na primeira parte (ofensa à honra e respeitabilidade), o artigo é polêmico: fazer uma crítica a uma pessoa pública, então, ou contar algo constrangedor de sua vida poderia ser proibido? O STF está hoje julgando uma ação justamente sobre o cabimento disso. A segunda parte, sobre os fins comerciais, já é bem menos controversa. A regra tem sido: quer usar a imagem de alguém para fins comerciais? Você precisa de uma autorização – que possivelmente será obtida mediante pagamento.

Ou seja, o fato de ser muito fácil encontrar ótimas imagens na Internet não significa que elas possam ser usadas para dar cara à propaganda de um produto ou serviço. Não é porque eu posso salvar a imagem em meu computador e porque ninguém me impedirá de antemão de postá-la com a finalidade que eu quiser que isso é permitido.

Não fosse assim, a flexibilização do uso da imagem das pessoas poderia abrir caminho para situações de abuso bastante desagradáveis, como foi o caso do cicloativista que, comprometido com a causa pela qual milita, teve o rosto utilizado para comercializar justamente o contrário. Poderia ser o caso de um vegetariano sendo usado para vender carne. Um defensor dos animais sendo usado para vender casacos de pele. Se você tem alguma opinião forte sobre algum assunto ou acha que não nasceu para ser garoto ou garota propaganda, essa decisão também foi por você.

    Tags:

  • código civil
  • Direito à imagem
  • direito e internet
  • internet
  • Judiciário
  • processo
  • redes sociais
  • vida privada

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Sobre o Blog

Dennys Antonialli, Francisco Brito Cruz e Mariana Giorgetti Valente. São pesquisadores do InternetLab (internetlab.org.br), centro interdisciplinar de pesquisa em direito e tecnologia, em São Paulo.

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