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Inovação e cultura maker contada por mulheres

Inovação sustentável - um futuro que já começou

De carros à prédios arquitetônicos, a inspiração para desenvolver soluções inovadoras pode estar bem mais perto do que se imagina: consultando a natureza

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Por Carine Roos
Atualização:

Uma das tendências que mais crescem no design é a criação de produtos sustentáveis com base em tecnologia testada e aprovada pela natureza. Não é à toa que ela percorreu 3,5 bilhões de anos de seleção natural. Nesse tempo, criou soluções eficazes e duráveis para a manutenção de sua existência. Quando designers, arquitetos, biólogos, geneticistas e engenheiros perceberam que podiam replicar algumas dessas soluções para criar feitos inovadores e produtos melhores e mais limpos, surgiu a biomimética.

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No sentido mais prático, a biomimética é uma forma de procurar soluções sustentáveis inspirando-se nas estratégias e mecanismos naturais da vida biológica. A primeira aplicação dessa lógica data de 1941, pelo engenheiro suíço George de Mestral. Em um de seus passeios habituais pela montanha, percebeu que algumas sementes de plantas colavam constantemente em sua roupa e nos pelos de seu cachorro. Ao analisar com o microscópio o conteúdo dessa semente, constatou a existência de filamentos entrelaçados que terminavam em pequenos ganchos. Assim surgiu o velcro.

Desde então, várias tecnologias e produtos vêm sendo pensados e criados a partir da observação da natureza, um deles é o carro biônico desenvolvido pela Mercedes-Benz. Os engenheiros e pesquisadores dessa indústria procuraram um exemplo específico na natureza que se aproximasse à ideia de um carro seguro, confortável, aerodinâmico e menos poluente. Inspirado no formato peculiar do corpo do Peixe-Cofre, o "Bionic car" consegue atingir um coeficiente aerodinâmico de 0,19 e consome até 30% menos combustível que um veículo convencional de potência equivalente.

 

O trem bala Shinkansen da Companhia de Trens do Japão Oeste é o trem mais rápido do mundo, viajando a cerca de 321km por hora. O problema? Barulho. A diferença de pressão toda vez que o trem sai de um túnel causa um forte estrondo que atormenta os vizinhos há 400 metros de proximidade. O engenheiro-chefe do trem, Eiji Nakatsu, que também é um ávido observador de aves, perguntou a si mesmo: "Há algo na natureza que viaje rapidamente e sem problemas entre dois meios muito diferentes?" Projetando a frente do trem como o bico de uma espécie de pássaro chamada Guarda-rios, que mergulha do ar à água com muito pouco respingo para capturar peixes, Eiji conseguiu elaborar um design de trem não apenas mais silencioso, mas também com um consumo de electricidade 15% menor até mesmo quando o trem viaja com velocidade 10% maior.

Ainda, o estudo dos mecanismos de funcionamento dos pulmões humanos está inspirando novas tecnologias para a remoção de CO2 de fontes como chaminés industriais, prevenindo que esses gases-estufa sejam despejados em nossa atmosfera aquecendo o planeta. Em testes realizados pela empresa Carbozyme Inc., filtros desenvolvidos por meio de técnicas de engenharia inspiradas no funcionamento dos pulmões humanos removeram mais de 90% do CO2proveniente dos exaustores de chaminés industriais. Já outras técnicas, baseadas na enzima anidrase carbônica presente em animais como moluscos, foram capazes de transformar com sucesso gás carbônico (CO2) em calcário, que pode ser armazenado e reutilizado como um suprimento em construções.

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Revolução arquitetônica

A arquitetura biomimética é uma corrente contemporânea que busca soluções sustentáveis na natureza, entendendo o seu comportamento por meio da observação. Embora esses modelos arquitetônicos pareçam ter apenas recursos estéticos, na verdade melhoram a eficiência de edifícios no que tange aos materiais empregados, no consumo energético e no seu aspecto funcional.

Um exemplo da biomimética aplicada à arquitetura são sistemas de autorresfriamento como o utilizado na construção do Eastgate Building, um complexo de escritórios idealizado por Mick Pearce, no Zimbábue. O prédio imita a estrutura dos cupinzeiros africanos que, mesmo expostos a amplas variações de temperatura externa de 3 a 42 graus Celsius em um único dia, conseguem manter extremamente estável a sua temperatura interna.

Dado que 40% do consumo de energia elétrica mundial está concentrado na operação de edifícios, torná-los energeticamente eficientes é de extrema importância. O projeto de Mick Pearce foi capaz de reduzir em 90% o consumo de energia em comparação com outros edifícios de mesmo porte, o que já significou economias de mais de 3,5 milhões de dólares em custos de operação de equipamentos de ar-condicionado.

Ainda, um outro conceito que vem sendo utilizado nesta área é a arquitetura paramétrica ou "arquitetura viva" que, inspirada em carapaças de insetos e em micro-organismos, permite o ajuste dos componentes estruturais de uma construção conforme a incidência solar e as condições climáticas, melhorando assim sua iluminação natural, conforto térmico e eficiência energética.

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 Foto: Estadão

A designer e arquiteta Neri Oxman está liderando a busca por formas de como as tecnologias de fabricação digital (como impressoras 3D) podem interagir com o mundo biológico. Desde miniaturas até grandes prédios, Neri Oxman imagina e cria estruturas e objetos cujos projetos incluem conceitos originados da natureza e que visam a sua integração sustentável ao meio ambiente.

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Ela lidera junto ao MIT Media Lab, o grupo de pesquisa "Mediated Matter", que por meio da abordagem chamada "Ecologia Material", abrange o campo da biologia, computação, engenharia de materiais e fabricação digital. Seu laboratório é pioneiro em pensar a inovação aplicada ao corpo, produtos e edifícios, incluindo coleções permanentes em museus do mundo inteiro, como o MoMa em Nova Iorque, o Centro de Pompidou em Paris, o Museum of Fine Arts de Boston e o Smithsonian Institution.

Em sua palestra no TED Talk, Neri Oxman menciona que pelo menos desde a Revolução Industrial, o mundo do design tem sido dominado pelos rigores da fabricação e produção em massa. Linhas de montagem ditaram um mundo feito de peças, enquadrando a imaginação de projetistas e arquitetos que foram treinados para pensar nos seus objetos como resultado da união de peças com funções distintas. Tudo isso é bastante diferente de como a natureza opera, a partir de um sistema dinâmico, vivo e totalmente integrado.

Nesse sentido, sua abordagem busca transcender a mera união de peças individuais, melhorando a relação entre ambientes naturais e artificiais, atingindo alto grau de versatilidade e de personalização de design. Além de integrar desempenho ambiental e eficiência de material. Uma relação em que todos ganham, inclusive a natureza.

 

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Mundo mais colaborativo

Especialistas em biologia e ecologia cada vez mais têm aceito o argumento de que na natureza a cooperação é muito mais comum do que a competição. Pesquisadores têm mergulhado profundamente em abordagens de como os organismos facilitam as condições e relações para com os outros. A sobrevivência do mais forte vem sendo interpretada como o melhor ajuste para uma condição particular, não necessariamente por meio da morte do mais fraco.

Como a escritora e bióloga Janine Benyus escreveu em seu livro "Inovação inspirada na natureza", é possível perceber que todas as nossas invenções já existem no ambiente natural sob uma forma mais elegante e a um preço bem menor para o planeta. "Nossas vigas já estão nas hastes do bambu. Nossos sistemas de aquecimento central e ar-condicionado são superados pelos estáveis 30º centígrados do cupinzeiro. Nosso radar mais sofisticado é surdo se comparado aos sistema de captação dos morcegos. Abelhas, tartarugas e pássaros locomovem-se sem mapas, ao passo que baleias e pinguins mergulham no fundo das águas sem equipamento de mergulho."

Fazendo as coisas à maneira da natureza a autora mostra que é possível alterar a forma como produzimos alimentos, fabricamos produtos, aproveitamos energia, armazenamos informações e administramos os nossos negócios.

Se a nossa intenção é inovar em produtos, serviços e processos, é vital desenvolvermos novas relações de colaboração e experimentação para a própria sobrevivência de um projeto. Além de conceber e praticar novos modelos mentais de inovação com o advento da economia compartilhada, é indispensável repensar o modo como nos relacionamos com a natureza e como podemos aprender com ela.

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