Foto do(a) blog

Tudo sobre o ecossistema brasileiro de startups

Brasil: atraso do atraso em inovação

PUBLICIDADE

Foto do author Felipe Matos
Por Felipe Matos
Atualização:

Enquanto o país maltrata seus empreendedores e inovadores, o resto do mundo avança rápido em políticas de apoio cada vez mais tecnológicas e arrojadas. E nós brasileiros, vamos ficando ainda mais para trás

Crédito: ilustração de Felipe Matos sobre imagem de Max Pixel (CC) Foto: Estadão

PUBLICIDADE

Esse é um post desabafo. Escrevo sobre o impacto do primeiro dia de Startup Nations Summit, evento que reúne anualmente líderes e representantes de 70 países na área de empreendedorismo e startups, esse ano realizado aqui em Tálin, capital de Estônia.

 

Enquanto eu escutava a apresentação da Ministra de Empreendedorismo estoniana, mostrando como qualquer cidadão do país (e qualquer pessoa do mundo) pode abrir uma empresa por aqui online em 18 minutos, com carga tributária zero sobre a receita - há um único imposto de 20% sobre a renda - eu trocava mensagens com minha contadora sobre a situação da minha empresa no Brasil.

 

Há 4 meses decidi, por uma série de razões abrir minha própria editora para publicar meu livro. Já tinha uma empresa aberta na área de consultoria e treinamento e como pretendia investir mais na área de educação, resolvi adicionar as atividades de edição e comércio de livros. Começou aí uma saga, ainda não vencida. Um processo que deveria ser simples e levar 4 dias (uma eternidade, para padrões estonianos), se arrastou por 3 meses na Receita Federal, que não dava explicações pela demora ou indeferimento na análise da alteração do contrato social. Com muito custo, insistência e uso de um "despachante", descobri o motivo. Faltavam, literalmente, duas letras no contrato. Meus contadores se esqueceram de incluir a sigla "ME", de microempresa, no final do nome dela. Por mais que tenha sido uma falha simples, nada justifica ficar 3 meses no vácuo, sem ter sequer uma resposta da razão do problema. Resolvido o problema, ainda falta passar pela inscrição estadual e autorização na prefeitura.

 

Nesse período, pensei, escrevi, imprimi e lancei o livro, mas as pessoas não conseguem comprá-lo nas livrarias, porque passados 4 meses, ainda não consigo emitir notas fiscais de venda. Enquanto isso, gasto para estocar milhares de livros que deveram estar no comércio e passo vergonha tendo de negar os pedidos das livrarias, que estão com os pedidos de seus clientes feitos na pré-venda atrasados. Investimentos em marketing foram desperdiçados. Pensei na situação da chef Roberta Sudbrack, obrigada a desperdiçar quilos de comida boa no Rock In Rio por 'burrocracias'. Ou nos vários amigos cientistas, que também se veem obrigados a contrabandear reagentes e insumos na mala quando voltam de viagens internacionais, porque o processo de importação é tão burocrático e demorado, que os produtos perdem a validade parados nos depósitos da alfândega na Receita Federal. O Brasil maltrata seus empreendedores e inovadores, ao mesmo tempo em que boa parte do mundo nos estende tapete vermelho, entendo-nos como promotores de inovação e desenvolvimento. Como um país pode minimamente dar certo dessa maneira?

Publicidade

 

Em um dia na Estônia, já emiti minha "residência eletrônica". Com o documento, que tem um microchip e vem com leitor USB, posso abrir uma empresa na União Europeia e assinar contratos válidos juridicamente, de qualquer lugar do mundo. Em minutos.

 

Enquanto isso, ouço por aqui alguns casos de outros países. A Itália criou um marco legal das startups, simplificando abertura, tributos e acesso a capital para os novos negócios. Tudo online, sem necessidade de cartórios. Na mesma linha a Argentina aprovou duas grandes leis que modificaram todo o processo de criação de micro e pequenos novos negócios. A Índia fez a maior reforma tributária da sua história, trocando um sistema complexo de 17 tipos de taxas e impostos nacionais e estaduais por um encargo único, o GST, 100% digital - além de também digitalizar todo o sistema financeiro do país, criando mais de 300 milhões de contas bancárias online para a população, com acesso online por biometria. Portugal acaba de anunciar seu programa de Startup Visa, que dá vistos de residência para empreendedores que querem imigrar para o país (assim como já existe no Canadá e em vários outros países). Tailândia e Cingapura criaram "sanboxes regulatórios", espaços de experimentação em que startups podem lançar legalmente produtos e serviços que, de tão inovadores, ainda não se encaixam na regulação atual. E a Estônia já sinalizou que pretende ser o primeiro país do mundo a emitir uma moeda oficial 100% digital, baseada em blockchain, a "Estcoin", reduzindo custos e burocracias do Estado e dinamizando ainda mais a economia local.

 

No Brasil, nossos políticos parecem mais preocupados em manter seus privilégios e em não ser presos do que em gerar qualquer avanço concreto para o país. Ao contrário, chegaram a aprovar em comissões no Congresso propostas de leis anti-inovação, como o projeto que inviabiliza as aplicativos de transporte pessoal. É tanta incompetência, inoperância e descaso, que dá desespero, raiva e vergonha comparar.Nosso ambiente de negócios, que já era ruim, ao não avançar, piora comparativamente. A situação fica ainda mais grave num mundo que avança rapidamente, acelerado pela adoção da tecnologia. É o atraso do atraso do atraso.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.