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Tudo sobre o ecossistema brasileiro de startups

Marco legal das startups: alguns avanços e muitos desafios

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Por Felipe Matos
Atualização:

 Foto: Agência Brasil

O Marco Legal das Startups acaba de dar um passo importante com sua aprovação na Câmara dos Deputados. Agora, segue para o Senado, de onde poderá retornar para a Câmara se houver modificações, antes de seguir para sanção presidencial e entrar em vigor.

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Por um lado, o avanço do marco representa mais uma vitória e tem grande importância simbólica para o ecossistema de empreendedorismo tecnológico, cada vez relevante para o desenvolvimento econômico do país. Por outro, ainda há muito para se avançar, com pontos importantes que ainda ficam de fora da discussão.

A versão do texto apresentada pelo relator, o deputado Vinicius Poit (Novo),  foi aprovada sem destaques, ou seja, sem incorporar nenhuma das alterações propostas pelos deputados. A boa notícia é que muitos destaques que poderiam limitar o marco ficaram de fora, porém proposições positivas, como a redução do custo de abertura e fechamento de empresas ou a equiparação de incentivos fiscais para investimentos em startups com outras modalidades, também não passaram. Houve também uma surpresa negativa, em relação a forma como stock options foram reguladas, além da retirada de pontos que flexibilizavam relações trabalhistas.

Stock Options: remuneração ou não?

Stock options são opções de compra de ações da empresa a preços vantajosos, oferecidas para atrair e reter funcionários das startups. São comumente oferecidas nos chamados contratos de vesting, de forma a complementar uma oferta de atração de pessoas qualificadas para startups, que poderão receber ações da empresa no futuro. Normalmente, o colaborador exerce essa opção quando a empresa é vendida ou faz um IPO, recebendo o valor de suas ações. Atualmente, há insegurança jurídica sobre a natureza desses valores, ou seja, se eles deveriam ou não ser considerados como parte da remuneração dos colaboradores. Em caso positivo, a empresa deveria recolher todos os encargos trabalhistas e previdenciários sobre os valores, o que poderia tornar esses instrumentos muitíssimo mais caros, chegando a inviabilizar algumas operações. Em alguns casos, casos em disputa são decididos na justiça, que tem dado muitas decisões favoráveis às startups, reconhecendo que a opção de ações tem natureza mercantil - mais parecida com um investimento - e não remuneratória - que seria o pagamento por um trabalho.

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Na primeira versão apresentada pelo relator do Marco Legal, as opções de compra de ações nas empresas estavam sendo consideradas não remuneratórias, o que era uma boa notícia, apesar do texto trazer muitos requisitos para definir o que seria um instrumento de stock options válido, limitando sua aplicação.  Porém, na versão que foi a plenário poucos dias depois, houve uma mudança radical, invertendo o tratamento. O texto passou a definir que stock options como remuneratórias sim, mas determinando que só será considerado para fins de apuração da remuneração o do preço de compra da opção e não o valor da ação. Em outras palavras, se uma startup dá a um colaborador uma opção hoje de compra de uma ação por R$ 100,00 e no momento futuro do exercício, essa ação vale de R$ 1.000,00, pelas novas regras do Marco Legal, a remuneração computada para fins de recolhimento de encargos será de R$ 100,00, a serem recolhidos somente nesse momento futuro em que a opção for exercida. Apesar de definir pelo valor valor mais baixo, na prática, o novo texto torna o uso de stock options pior do que era antes, já que decidiu os pontos de insegurança em favor da Receita Federal e contra as startups.

Outros pontos a melhorar

Compensação de perdas para investidor pessoa jurídica

O marco trouxe a possibilidade de investidores compensarem eventuais perdas - quando a startup investida falha - na apuração do imposto de ganho de capital a pagar após um retorno bem-sucedido. Porém a regar vale apenas para pessoas físicas, deixando pessoas jurídicas, como aceleradoras, de fora.

Dispensa de publicação e livros digitais para S.A.s com mais de 30 acionistas

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As S.A.s com até R$ 70 milhões de faturamento ficarão dispensadas de realizar custosas publicações de balanços e outros atos em veículos de imprensa de grande circulação e também poderão ter registros dos seus livros de ações eletrônicos. Isso é ótimo. Porém,  se de um lado o limite de faturamento vai muito além das definições de startups, por outro, o número de acionistas é pequeno, quando consideramos os casos de startups com muitos investidores, algo comum para empresas que captam investimentos via ofertas públicas em plataformas de equity crowdfunding. O ideal seria não ter limite de acionistas, pelo menos para startups.

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Pontos que ficaram de fora

Equiparação tributária de investimento em startups com outros com isenção sobre ganho da capital

Enquanto o investimento em startups é de alto risco e traz mais benefícios para o giro da economia por ir integralmente para atividade produtiva inovadora e de alto potencial de crescimento, ele não recebe o mesmo tratamento tributário de modalidades de menor risco e retorno social, como investimentos em letras de câmbio, títulos de dívida pública e certas ações listadas em bolsa, sobre os quais incidem taxas regressivas de imposto, que podem chegar a zero. Há muito investidores anjos e startups reivindicam por uma equiparação, que não veio no texto, mesmo com estudos comprovando que ela seria positiva para a arrecadação de impostos, por conta do efeito multiplicador que a injeção do investimento em startups traria para a economia.

Possibilidade de startups S.A.s optarem pelo regime fiscal do Simples

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Por um lado, a simplificação das S.A.s tornou mais barato que startups se estabeleçam nesse formato, muito mais adequado em termos de governança para empresas que têm relações com investidores. Porém, pela legislação atual S.A.s não podem participar do regime tributário do Simples, mesmo se estiverem nas faixas de faturamento de micro e pequenas empresas. Na prática, isso pode impedir que as startups usufruam das facilidades em se tornarem S.A.s nos primeiros ciclos de vida, para não perderem potenciais ganhos tributários.

Ampliação dos prazos para contratos de trabalho temporário por starups

A proposta original ampliava o prazo de contratos de trabalho temporário e por experiência para startups, diminuindo custos de contratação e demissão na fase inicial, de maior risco das startups, o que facilitaria contratações e a geração de empregos, mas todo o capítulo que tratava o tema foi suprimido da versão aprovada.

Merecido reconhecimento

Nas redes sociais, tenho visto alguns tomando para si o mérito de "criação" do Marco Legal. Fato é que trata-se de uma construção coletiva de diversos agentes do ecossistema, públicos e privados. Apenas no grupo de advocacy Dínamo, do qual eu participo e que ajudei a fundar, em conjunto com diversas lideranças do ecossistema, essa temática vem sendo discutida há mais de 5 anos e uma proposta de Marco Legal, que na época chamávamos de "Marco Civil das Startups" começou a ser desenhada em 2017, depois de estudos internacionais que fizemos sobre a temática, com muita inspiração sobre Startup Act da Itália. Ainda assim, não podemos tomar para nós exclusividade desse mérito. O Marco Legal das Startups contou com a participação de mais de uma centena de entidades em encontros presenciais, contribuições em consultas e audiências públicas, além da importante articulação e participação de centenas de servidores públicos do executivo, de diversos ministérios, bem como dos diversos deputados e assessores parlamentares que fizeram a autoria, a relatoria e participaram das comissões de discussão. O Marco Legal é resultado de esofrços de todo o ecossistema.

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Para além do Marco Legal

Pensando no futuro do ecossistema, há ainda muito o que se avançar. Se os investidores anjos sequer conseguiram equiparação fiscal por aqui, na comparação com outros países, eles contam até com créditos fiscais (podendo pagar imposto negativo) e fundos públicos de co-investimento. O país ainda precisa de uma reforma fiscal mais ampla para deixar de ser o mais complexo do mundo para o pagamento de impostos. Do lado do capital humano, também temos muitos desafios, como políticas de incentivo à formação de mão de obra qualificada, atração de talentos internacionais e ampliação da diversidade.  É preciso facilitar a importação de componentes tecnológicos e reagentes para facilitar o desenvolvimento de um ecossistema de hardware e de startups de áreas biotecnológicas, modernizar o sistema de propriedade intelectual e desburocratizar muito mais processos e procedimentos, pois ainda somos o país dos cartórios. Tivemos avanços importantes, ainda pendentes da tramitação no senado e sanção presidencial, mas há um longo caminho adiante.

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