Foto do(a) blog

Tudo sobre o ecossistema brasileiro de startups

Ser LGBT+ em startups no Brasil ainda é um tabu e precisamos falar sobre isso

PUBLICIDADE

Foto do author Felipe Matos
Por Felipe Matos
Atualização:

Um relato pessoal de superação, medos, avanços e dicas para quem faz e para quem não faz parte da comunidade lidarem melhor com a questão LGBT+ no ambiente de trabalho

Imagem: PxHere  

PUBLICIDADE

Era Setembro de 2018 e eu tinha acabado de começar a trabalhar em uma startup. Foi quando fiquei sabendo que o processo de adoção de uma criança, que eu e meu companheiro aguardávamos havia 3 anos e meio, estava chegando em seu passo definitivo: nosso filho havia chegado! Entre o misto de sentimentos de êxtase e preocupações, um ponto veio à mente: como eu iria contar a notícia para a empresa? Será que iriam levar numa boa? Abrir minha sexualidade pela primeira vez no ambiente de trabalho poderia atrapalhar a forma como a empresa enxergava meu desempenho? E ainda havia as questões formais, como precisar ficar um período fora em licença paternidade, poucos meses após iniciar o trabalho por lá. Além da questão LGBT+, é sabido que certas empresas também tratam com receio a questão da paternidade - e maternidade -, que às vezes é vista como fator que atrapalha o desempenho profissional. 

 

Para minha sorte, não tive nenhum problema. A In Loco, empresa onde eu trabalho, tem uma cultura aberta e inclusiva e tudo correu muito bem. Porém, esta nem sempre é a realidade de muitas empresas - startups ou não. Neste mês de junho, em que se celebra o orgulho LGBT+, com a lembrança dos 50 anos de Stonewall, muito tem sido discutido sobre o tema e diversas empresas vem se posicionando cada vez mais em favor da causa. Startups, em especial, costumam ser vistas como modernas e inclusivas em relação a esta questão, mas será que é isso mesmo?

 

Antes de mais nada, cabe dizer que escrever esse texto para mim é libertador. É a primeira vez que falo abertamente sobre o assunto, após muitos anos saindo aos poucos do armário. E isso porque esse ainda é um tema tabu, que gera sofrimento e constrangimentos para muita gente, especialmente no ambiente de trabalho. É duro sofrer calado sentindo que você não pode estar por inteiro naquele ambiente, escutando piadinhas machistas e homofóbicas nas rodinhas de conversa informais e temendo ser julgado e prejudicado profissionalmente apenas por gostar de quem você gosta. Lembro-me das inúmeras vezes em que algum colega me contava despretensiosamente histórias sobre seus relacionamentos e eu não me sentia à vontade para responder com a mesma naturalidade sobre a minha relação, que permanecia escondida. Pior era quando a pessoa assumia a minha heterossexualidade e perguntava sobre namoradas e esposas e eu respondia com um sorriso amarelo, por momentos me sujeitando a me referir ao meu companheiro como "ela" ou então negando a sua existência. Tudo isso por medo de reações preconceituosas, julgamentos e possíveis impactos na forma com que os colegas iriam me tratar no trabalho. Será que isso impactaria nas minhas promoções? Na forma como eu seria tratado pelos colegas? Geraria dúvidas sobre minha capacidade de liderança na equipe?

 

Hoje eu me liberto desses tabus com leveza e o faço não apenas por mim e por minha família, mas na também esperança de que meu relato ajude outras pessoas que passam por situações semelhantes. Se assumir e jogar luz sobre esse tema é também um ato político, especialmente num momento tão crítico como  atual, em que o avanço de um pensamento conservador e retrógrado ameaça direitos conquistados pela comunidade ao longo dos anos. Dar visibilidade e se colocar são passos importantes para que a questão seja tratada cada vez com mais naturalidade, afinal ser LGBT+ não faz de ninguém inferior nem superior a qualquer pessoa em qualquer aspecto. Todos merecemos dignidade e respeito e igualdade de direitos. E incluem-se aí o direito civil ao casamento, à adoção, a ser chamado pelo nome com o qual se identifica, a ter acesso digno e respeitoso a oportnidades de trabalho e até mesmo o direito fundamental à vida.

Publicidade

 

Sei que como homem gay, branco, de classe média alta e cisgênero, sempre empreendendo e atuando em cargos de liderança, tive que passar por muito menos problemas relacionados à sexualidade no trabalho que muitas outros e por isso sinto-me privilegiado. Ainda assim, dor de ter vivido anos sofrendo calado os constrangimentos de um ambiente de trabalho ainda muito homofóbico me deu a capacidade de exercer mais empatia, buscando me colocar no lugar do outro e percebendo que há muitos outros grupos de minorias que ainda não tem direito ao básico: igualdade. É preciso seguir jogando luz a estas questões, para que sigamos avançando. Afinal, quero deixar para o meu filho um mundo com mais respeito e oportunidades, onde ele possa ter e oferecer respeito a todos e todas independente de suas orientações.

 

Então, para fechar esse texto com uma mensagem propositiva, deixo algumas dicas para você que é LGBT+ e também para você que não é, com a intenção de tentar passar algumas mensagens que podem deixar os ambientes de trabalho mais abertos e inclusivos.

 

Se você é LGBT+

 

  • Eu sei que muitas vezes é difícil se assumir no ambiente de trabalho. Mas acredite: nada vale mais do que estar inteiro e sentir-se pleno consigo mesmo sem precisar se esconder. Se a sua empresa não lida de forma inclusiva e respeitosa com essa questão, talvez não seja mesmo lugar para você. Existem iniciativas de qualificação e apoio a busca de trabalho em locais que respeitem a diversidade, como a Transempregos, Carambola, Grupo Dignidade, dentre outros.

 

  • Procure saber se a empresa onde você pretende trabalhar tem uma postura inclusive em relação à diversidade. Muitas delas têm programas e políticas específicas e também é possível pesquisar por casos de assédio ou homofobia em sites como o Glassdoor, onde funcionários falam anonimamente sobre suas experiências de trabalho em cada empresa. Pode ser uma boa ideia trazer a questão para a discussão, caso ela ainda não seja tratada na empresa.

Publicidade

 

  • Se você é trans, apresenta-se com o pronome e nome com os quais você melhor se identifica e use o banheiro que te deixar mais confortável. Se essa for uma questão, converse com os colegas e com a empresa. Será uma oportunidade para todos aprenderem um pouco mais sobre respeito.

 

PUBLICIDADE

  • Empatia também passa por se colocar no lugar até mesmo daqueles que têm comportamentos homofóbicos e transfóbicos. Procure entender que as pessoas tiveram histórias diferentes, formações diferentes e, embora nunca devamos aceitar o desrespeito, acredito que uma postura construtiva - e não só combativa - ajude a trazer mais resultados para a formação de  ambientes inclusivos. Ao invés de reagir de forma ríspida e impositiva, talvez valha à pena buscar entender um pouco mais das razões para o comportamento do outro, encontrar pontos em comum entre vocês e buscar construir diálogos mais construtivos.
  • Busque apoio. Algumas empresas possuem políticas de promoção e atenção à diversidade e grupos formais e informais de apoio mútuo. Se sua empresa não tem, pode ser o caso de ajudá-la a criar. E em caso de assédio, denuncie. Homofobia é crime, já reconhecido pelo SFT.

 

Se você não é LGBT+

 

  • Primeiro, o básico: homossexualidade é um comportamento normal, com registros desde que o mundo é mundo. Já deixou de ser considerado doença pela OMS há décadas. Estudos mostram, inclusive, sua presente na natureza em diversas de espécies de animais. É um comportamento que diz respeito somente à pessoa e que não influenciam em nada no caráter ou competência para se realizar qualquer tarefa.

 

  • Em rodas de conversa, evite piadas machistas e homofóbicas. A pessoa do seu lado pode ser gay, lésbica, bi ou trans e não se sentir bem.

Publicidade

 

  • Não parta da premissa de que a pessoa com quem você está conversando é heterossexual ao comentar sobre relacionamentos. Ela pode não ser. Ao invés de perguntar a um homem se ele tem namorada ou comentar sobre o suposto marido de uma uma mulher com aliança no dedo, você pode ser genérico ou mesmo perguntar o gênero do suposto parceiro. Não dói e nem ofende.

 

  • Não tire ninguém do armário no trabalho. Cada um tem seu tempo e suas questões e deve se sentir à vontade para se abrir quando e como se sentir mais confortável. Se você descobriu sobre a orientação sexual de alguém e essa pessoa é reservada quanto a isso, respeite o momento dela.

 

  • Não caia no papo furado de termos como "orgulho hétero" ou "ditadura gay". LGBT+s não querem "impor seu estilo de vida" a ninguém, apenas serem respeitados como são, da mesma forma que qualquer outra pessoa. Assim como não existe racismo reverso, também não há "heterofobia". Ninguém é morto apenas por ser heterossexual. Ninguém sofre preconceito apenas por ser heterossexual cisgênero. 

 

  • Você pode até não gostar, não concordar. Mas tem que respeitar. Se você é religioso de orientação cristã, lembre-se que o principal ensinamento de Jesus foi a prática do amor ao próximo.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.