Foto do(a) blog

Máquinas e aparelhos

Carta a dois pais de 2015

Reuters

PUBLICIDADE

Por Camilo Rocha
Atualização:
 Foto: Estadão

"Queridos pai e mãe, preciso falar de um assunto bastante delicado. São as minhas fotos que vocês têm subido nas redes sociais. Eu entendo que vocês as postam com muito amor no coração e orgulho, sem falar que os amigos dão muitos comentários e 'likes' nelas, mas eu preciso que vocês deem uma freada nisso.

PUBLICIDADE

Talvez vocês estranhem muito esse pedido aí no ano de 2015, quando fazer isso é a coisa mais normal do mundo. Mas se vocês soubessem o que eu sei, aqui em 2035, não só entenderiam como correriam para apagar qualquer informação pessoal dessa rede que vocês usavam, o Facebook (tá bem caído nos dias em que escrevo, coisa de sexagenário que ri com o meme do Grumpy Cat).

Pois a coisa é tão séria que eu me inscrevi nesse programa piloto de envio de mensagens ao passado só para tentar mandar esse aviso para vocês (ideia revolucionária de uma startup chamada Delorean). Não estou sozinho nessa - milhões de jovens estão desesperados tentando alcançar seus pais no passado para fazer o mesmo.

Na real, os sinais já estão entre vocês. Pelo que pesquisei, o Facebook já estava testando um software de reconhecimento facial em 2015, e já tinha gente preocupada com os riscos à privacidade que isso podia representar.

Levantei aqui que no tempo de vocês os pais postavam em média até 1 mil fotos dos filhos antes de eles chegarem aos cinco anos! Muito legal e divertido, mas a contrapartida é que vocês deram de bandeja para as empresas da web um detalhado banco de dados com minhas características físicas, preferências, lugares que frequentei, cores de roupa que usei, se sou extrovertido, estudioso ou gosto de chocolate.

Publicidade

Nós, filhos das décadas de 2000 e 2010, somos as gerações mais documentadas da história. Ainda na sala de parto, participamos da nossa primeira selfie. O resultado é que todas as empresas, agências de publicidade, grupos de mídia, órgãos governamentais, cibercriminosos e etc. nos conhecem a fundo.

Esses tempos, o plano de saúde não quis bancar meu tratamento de pneumonia por causa de uma foto minha com seis anos em que apareço tomando chuva. E sabe como são os anúncios no meu tempo? Eles te chamam pelo nome quando você olha para eles. No Burger King, o atendente-robô te saúda e sugere opções baseadas no seu histórico. Lembram aquele filme super antigo, Minority Report, em que as propagandas interagiam com o Tom Cruise? Então, é muito, muito pior.

Sem falar na questão ética de tudo isso, que é a exposição da nossa intimidade sem nosso consentimento. Afinal, éramos criancinhas e não tínhamos como autorizar essas postagens.

Nunca me esqueço do dia em que meu entrevistador na universidade resolveu me zoar por causa de uma foto em que apareço sujo de lama com uma máscara do George Pig.

Com tudo isso, o que está pegando na década de 2030 é o movimento "neo-privado". Já são milhões de adeptos em todo o mundo. Empresas vendem pacotes para erradicar seus rastros online. Só se fala em redes de comunicação de criptografia quântica.

Publicidade

E lembra quando no seu tempo a galera curtia uma camiseta do Che Guevara como emblema de resistência ao sistema? Bom, hoje só dá Edward Snowden, aquele cara da CIA que morreu em 2019... xi, acho que falei demais."

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.