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Máquinas e aparelhos

Você é feito de memes

Você se acha original quando posta ou opina? Talvez nem tanto

Por Camilo Rocha
Atualização:

REPRODUÇÃO

 Foto: Estadão

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O figurino da senhora no supermercado era tradicional, exceto por uma peça destoante: uma grande camiseta dos Ramones. Fiquei pensando qual seria seu álbum preferido: o Rocket to Russia ou o primeiro mesmo, Ramones, de 1976? Talvez nenhum dos dois. A camiseta pode ter sido escolhida porque a logomarca da banda é bonita e, como é fácil comprovar em qualquer calçada brasileira, está na moda.

Quando o biólogo Richard Dawkins apresentou o termo "meme" pela primeira vez, no livro O Gene Egoísta, a moda foi um de seus exemplos. Os outros eram músicas, ideias, slogans, técnicas de cerâmica ou de construir arcos. Demonstrar agradecimento com a palavra "obrigado" é um meme. Assim como usar chapéu de palha ou escrever KKKK. Memes são informações culturais que passam de pessoa para pessoa.

Dawkins conceituou o meme através de analogias com a teoria genética. Segundo ele, os memes sofrem mutações e competem em nossa cabeça para permanecer vivos. Os menos aptos (geralmente os que perdem sentido para nós) se apagam com o tempo. É por isso que não se diz mais "vosmecê" ou se crê que o sol gira em torno da Terra. A cultura humana não para de sofrer alterações. "[O autor do século 14] Geoffrey Chaucer não conseguiria conversar com um inglês de hoje em dia", escreveu Dawkins.

O meme de internet é uma subcategoria que sofre uma interferência humana maior e mais consciente. Seu formato mais conhecido é uma peça de humor típica das redes sociais: uma imagem (muitas vezes de um filme ou TV conhecido) com uma frase irônica aplicada em cima.

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No conceito original, o meme é a matéria-prima do nosso pensamento e expressão, unidade básica de informação. Você se acha original quando posta ou opina? Talvez nem tanto. Na teoria de Dawkins, eu e você estamos mais para veículos de ideias de procedências diversas. Estamos de passagem pelo mundo, mas os memes que nos definem, assim como nossos genes e átomos, seguem adiante.

A era digital permitiu que memes cruzem o mundo instantaneamente, aos milhares, o tempo todo. Você tuíta em Jacareí, alguém no Japão lê, dá risada e compartilha.

É na brevidade do meme que um número grande de pessoas se informa também, através de frases, títulos, citações isoladas ou slogans. Quando a leitura de uma notícia se resume a um título ou um resultado no Google, é informação ou mera assimilação de um meme?

O texto grande espanta muita gente. Uma pesquisa da Fecomercio diz que 70% dos brasileiros não leram livros em 2014, 5% a mais que no anterior.

É o cenário ideal para desinformar. Em 2002, o filósofo canadense Dan Dennett deu uma palestra chamada "Memes perigosos" em uma conferência TED. Ainda vivendo antes da web 2.0 (que trouxe as redes sociais e a proliferação do vídeo), Dennett já advertia sobre as ideias "tóxicas" que se espalham pelo mundo com a ajuda da tecnologia. Emprestando um termo do cientista Amory Lovins, o filósofo chamou de "infectious repetitis" a disseminação cultural que cega e emburrece. "Somos responsáveis não só pelos efeitos não intencionados de nossas ideias, mas pelo seus abusos também", disse Dennett. Para pensar na próxima vez em que aparecer o botão "compartilhar".

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