
Ligia Aguilhar
Inovação e Tecnologia
As startups estão mesmo criando um mundo melhor?
05/05/2016 | 11h59
Por Ligia Aguilhar

Um livro recentemente lançado nos EUA está desafiando a ideia clássica de que as startups estão mudando o mundo para melhor. Trata-se de “Disrupted: My Misadventure in the Start-Up Bubble” (Disrupted: minha desventura na bolha das startups, em tradução literal) de Dan Lyons, um dos roteiristas da série da HBO Silicon Valley (ele recentemente deixou o grupo de escrever para a série).
Depois de anos trabalhando como repórter de tecnologia nos EUA, na revista Newsweek, Lyons foi demitido abruptamente e decidiu, aos 51 anos de idade, aceitar uma oportunidade para trabalhar em uma startup ascendente em Boston, a Hubspot, que oferece para pequenas empresas uma plataforma para automatizar e-mails e criar posts em blogs.
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Lyons queria viver as maravilhas de um emprego em startup que por anos ele reportou para publicações norte-americanas: trabalhar em um local informal, com horas flexíveis, mesa de pingue-pongue disponível para lazer a qualquer hora do dia e a tal oportunidade de mudar o mundo.
Depois de um ano trabalhando na Hubspot, Lyons pediu demissão após presenciar o que realmente significa trabalhar para uma startup. Algo que, segundo ele, mais parece com a experiência de se unir a um “culto”. O livro satírico conta com bom humor e uma dose de sarcasmo a experiência de Lyons na Hubspot e gerou burburinho no mercado de tecnologia.
Choque de gerações
O choque de Lyons começou no treinamento da empresa. Enquanto a Hubspot dizia estar transformando o mercado e o mundo, ele via uma rotina normal dentro da empresa, exceto, por um detalhe: ao contrário dele, a maioria dos funcionários era extremamente jovem, recém-saídos da faculdade, e trabalhavam muito acima da média, dedicando a vida quase que inteiramente ao negócio. “Eu via um lugar onde pessoas “velhas” – aqueles acima de 40 anos e certamente acima de 50 anos – eram indesejáveis. Eu vi gerentes mal treinados, supervisão casual e uma organização que estava fora do controle”, diz ele, em trecho da obra.
Para agradar aos jovens, a empresa investia em uma série de “acessórios” como uma geladeira de cerveja, massagens, mesa de pebolim e uma parede de doces. Dan concluiu com o tempo que, na verdade, essas empresas fazem isso para criar um discurso aspiracional e explorar mão de obra barata.
“E no topo das coisas divertidas, basta criar a mitologia de que aquele trabalho tem um propósito, um sentido. Supostamente os ‘millennials’ (geração nascida entre 1980 e 2000) não se importam tanto com dinheiro, mas são sobretudo motivados por uma missão. Por isso damos a eles uma missão. E dizemos a eles como são especiais e sortudos por estarem ali”, diz Dan, em um trecho do livro. “Damos-lhes cervejas, uma camisola com o nome da empresa e nunca, mas nunca os fazemos esquecer que eles têm superpoderes. E que vão mudar o mundo.”
Lyons também teve um choque com o estilo de gestão de startups. Por crescerem em um ritmo rápido e serem administradas por jovens que geralmente têm pouca experiência profissional, é comum que essas companhias tenham uma estrutura mais descentralizada (ou bagunçada, para os mais convencionais) e que as decisões e direções mudem a todo momento.
Na visão dele, porém, startups estão mais preocupadas em parecer sexy e fora da caixa do que em ter um modelo de negócios sustentável. O modelo de negócio da Hubspot, por exemplo, não teria nada de inovador na opinião de Lyons. Ele acredita que a empresa vive de ensinar outros pequenos negócios a vender “spam”, apesar da empresa vender no seu discurso o contrário. Isso acontece, segundo o livro, porque o caminho das startups é crescer, mesmo que não exista sustentabilidade e rentabilidade, porque os investidores lucram em cima da imagem dos jovens que teoricamente estão mudando o mundo.
Lyons adverte que as pessoas não devem se deixar enganar pela mesa de pingue pongue e a parede de doces no escritório da startup. Na opinião dele, startups como a Hubspot exploram jovens talentos com metas absurdamente agressivas e oferecendo benefícios como lavanderia, comida à vontade e recreação para que eles se vendam para o trabalho e abram mão da própria vida.
Isso pode ser visto em pequenas coisas, segundo Lyons. Um exemplo é que na HubSpot os funcionários usavam um linguajar diferente, que perpetuava algumas ideias da empresa como a de que o impossível deveria ser alcançado – a empresa dizia que, para eles, 1+1 poderia ser igual a 3. “Essa ‘nova’ maneira de trabalhar é, na verdade, o jogo mais velho do mundo: exploração do trabalho pelo capital”, diz ele em trecho do livro.
Em uma de suas críticas, ele diz que funcionários eram demitidos e sumiam da empresa da noite para o dia. Quando a demissão era anunciada, a empresa dizia que o funcionário tinha se “formado”.
Lyons saiu da empresa após a abertura de capital (IPO, na sigla dos EUA), quando suas ações lhe renderam algo em torno de US$ 60 mil.
A resposta
O lançamento do livro causou pânico na empresa. O diretor de marketing da Hubspot, Mike Volpe, foi demitido após tentar obter uma cópia de Disrupted meses antes do lançamento. A HubSpot fez uma bem-sucedida abertura de capital nos EUA em 2014 e atualmente é avaliada em US$ 1,5 bilhões, apesar de nunca ter gerado lucro.
Em um texto publicado no LinkedIn, os cofundadores da HubSpot Brian Halligan and Dharmesh Shah defenderam a empresa das acusações de Lyons. Eles disseram entender que a cultura da empresa não vai agradar a todos, mas que a opinião de Lyons é apenas a opinião de uma pessoa. “A maioria dos nossos funcionários ama a HubSpot. Nós recentemente fomos eleitos a quarta melhor empresa para se trabalhar nos EUA pelo site Glassdoor.”
Ele também rebate a acusação da empresa não gerar lucro dizendo que lucro e receita são coisas diferentes , mas que a empresa tem crescido suas receitas em mais de 50% ao ano.
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