Olhar propagandas antigas de cigarro é sempre uma experiência interessante. Ver que o hábito de fumar era associado a charme, elegância e poder sem a mínima menção aos efeitos colaterais soa insano nos dias de hoje.
Algo parecido pode vir acontecer no futuro quando olharmos para a indústria de tecnologia e a forma intensa como hoje utilizamos smartphones e as redes sociais sem a mínima consideração sobre como esses produtos afetam a nossa privacidade e saúde.
Ganha força nos EUA o debate sobre a necessidade de conscientizar a sociedade sobre os efeitos negativos do uso dessas tecnologias. Investidores e ONGs estão pressionando as empresas a serem mais transparentes sobre o impacto que seus produtos podem ter nos usuários, como o vício.
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Uma das iniciativas mais significativas até agora é o Centro de Tecnologia Humana, um grupo criado por ex-funcionários de empresas como o Google e o Facebook para pressionar corporações do setor de tecnologia a serem mais transparentes. O centro também quer educar o público sobre os efeitos negativos do uso prolongado de tecnologia no dia-a-dia.
"Nós já estivemos lá dentro. Nós sabemos o que as empresas medem. Nós sabemos como elas falam e como a engenharia funciona", disse ao jornal The New York Times o líder do Centro de Tecnologia Humana Tristan Harris, que trabalhou no Google justamente como o responsável por pensar como a tecnologia poderia guiar o comportamento de bilhões de pessoas eticamente. "Os maiores supercomputadores do mundo estão dentro de duas empresas - o Google e o Facebook - e para onde estamos apontando eles? Para o cérebro das pessoas, para crianças", diz.
O Centro para Tecnologia Humana planeja uma campanha publicitária em escolas chamada "A verdade sobre a tecnologia". Além disso, deve veicular a campanha em canais de TV para alertar pais, filhos e professores sobre problemas associados ao uso intenso de tecnologia, como a depressão.
O grupo também planeja fazer lobby para aprovar leis que limitem os poderes dessas empresas.
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Smartphones melhores
Em janeiro, dois investidores escreveram uma carta aberta pedindo para a Apple estudar os efeitos colaterais do uso de seus produtos e criar soluções para tornar mais fácil para os pais colocar limites ao uso de iPhones e iPads por crianças.
O colunista de tecnologia do NYT Farhad Manjoo foi além e sugeriu: se a Apple foi capaz de criar um aplicativo para ajudar seus usuários a monitorarem a saúde, por que não criar um app para ajudá-los a monitorar o tempo gasto no smartphone e em aplicativos? Manjoo lembra que a Apple já promove seu relógio inteligente destacando as vantagens de não precisar estar com o celular o tempo todo. Incentivar os usuários a gastar mais tempo com sua vida real se encaixaria bem com o tipo de marketing que já é promovido pela empresa.
Já o Facebook tem sido questionado por causa de uma versão infantil do seu aplicativo de mensagens Messenger. Profissionais de saúde mental e pediatras enviaram uma carta pedindo para a empresa descontinuar o produto.
Entre os problemas listados estão o risco de depressão e a falta de maturidade das crianças para lidar com as redes sociais.
O Facebook anunciou no lançamento do produto que o Messenger Kids foi criado para ajudar os pais, porque as crianças já utilizam as redes sociais e smartphones para falar com a família, assistir vídeos e jogar.
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Um jeito melhor de criar tecnologia
Todos esses movimentos têm como objetivo criar produtos que protejam o usuário de abusos.
Demorou pra o público aprender que no mundo digital nossos dados pessoais são o produto. A discussão veio à tona quando Edward Snowden revelou a vigilância em massa de dados, mas só ganhou força no ano passado, depois que o fenômeno das fake news pegou todo mundo de surpresa e Donald Trump foi eleito presidente dos EUA.
Há tempos o Vale do Silício vem sendo criticado pelas suas criações e soluções que são sempre propagandeadas com uma forma de criar um mundo melhor, mas que são desenhadas para obter máximo engajamento dos usuários e captar dados pessoais que serão comercializados para encher os bolsos dos investidores.
É óbvio que inovações como o smartphone e os avanços da tecnologia trouxeram grandes benefícios para a sociedade. E também é óbvio que investidores e empresas têm como objetivo lucrar com seus investimentos e inovações. O que não é óbvio é que, para fazer a roda da economia girar, desde a infância o usuário tenha que fazer parte de um sistema pouco transparente e que não oferece controles sobre os algoritmos criados para viciar nossos cérebros.
O momento não poderia ser melhor para a demanda de produtos com um design focado no ser humano, em qualidade de vida, em saúde; para a demanda de produtos e empresas que adotem transparência e nos deem controle sobre nossos dados. Os tempos nos quais o Vale do Silício ganhava um passe livre para fazer o que bem entende acabaram. Os consumidores não podem deixar essa oportunidade passar.
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