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Inovação e Tecnologia

O jeitinho americano de fazer ciência e tecnologia na universidade

Ou o que o Brasil pode aprender com os erros e acertos do maior polo de tecnologia do mundo

Por Ligia Aguilhar
Atualização:

Carnegie Mellon University / Facebook

 

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Dia desses conversava com uma amiga sobre as diferenças da pós-graduação no Brasil e nos Estados Unidos. Ela, que já está no doutorado, ficou surpresa com o volume de aulas e o viés mais prático dos mestrados por aqui. O lado acadêmico da pesquisa parece ser mais intenso para os alunos no PhD, enquanto o mestrado mistura pesquisa com prática voltada ao mercado.

Confesso que esse lado mais mão na massa sempre me atraiu. Por outro lado, após anos de trabalho como jornalista profissional, senti a necessidade de me aproximar da teoria e da academia. Quase como se um lado ajudasse a nutrir o outro. E aí surge um velho drama que sempre me acompanhou: a academia e o mercado precisam realmente caminhar em separado?

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Nesses anos cobrindo empreendedorismo e tecnologia e falando sobre a importância das universidades brasileiras adotarem um currículo mais empreendedor, vira e mexe surgia aqui ou ali uma queixa de que, para alguns professores, aproximar a academia do mercado seria um erro. Quem defende essa teoria diz que o próprio mercado seria capaz de preparar as pessoas e adequá-las às suas necessidades, enquanto a academia seria um espaço para reflexão e inovação livre de pressões capitalistas.

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Quem defende o outro lado sempre cita os EUA como exemplo a ser seguido. Mas será que é bem assim e que tudo que funciona por aqui poderia ser aplicado no Brasil? Uma matéria publicada pelo The New York Times mostra um pouco de como essa conexão entre o mercado e a universidade funciona aqui nos EUA - para o bem e para o mal.

A reportagem comenta uma recente fuga de cientistas da Carnegie Mellon, uma das universidades mais respeitadas na área de tecnologia nos EUA e dona de um avançado centro de robótica. O motivo da saída de cerca de 40 funcionários de um laboratório da instituição é a instalação de um centro de robótica do Uber (o polêmico aplicativo que conecta motoristas e passageiros) na cidade de Pittsburgh, na Pensilvânia, que também abriga o campus da universidade. Oferecendo bons salários e investimento para acelerar as pesquisas, a empresa tornou-se irresistível para os cientistas.

A fuga de cérebros trouxe à tona um conflito: a produção científica de ponta no país vai conseguir sobreviver ao aumento do assédio das startups do Vale do Silício aos cientistas?

Se por um lado muitos pesquisadores foram embora da Carnegie Mellon e levaram seu conhecimento junto com eles, por outro, o interesse do Uber por robótica tornou a empresa uma grande doadora de dinheiro para a universidade. A companhia doou US$ 5,5 milhões para a Carnegie Mellon recentemente, valor que fomentará a continuidade das pesquisas e financiará bolsas de estudos na área de robótica para alguns alunos.

O assédio também ajuda a tornar a universidade mais atraente para os melhores alunos e pesquisadores, que encontram nelas não só a chance de desenvolver pesquisas de ponta, mas também de fazer uma ponte com o mercado.

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O problema é que uma vez que os melhores pesquisadores vão para dentro de empresas, não podem publicar suas descobertas em revistas científicas por causa da confidencialidade exigida pelas companhias, comprometendo o avanço da ciência e tecnologia e limitando suas inovações aos interesses privados.

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Acadêmicos entrevistados na reportagem reconhecem que há ganhos posteriores, quando os pesquisadores fazem o caminho inverso e deixam o mercado para voltar à academia. Os que voltam para a universidade trazem consigo uma vivência de mercado, um conhecimento atualizado e uma rede de contatos que beneficia os alunos e os preparam melhor para o futuro -- o problema, é que nem sempre isso acontece no intervalo de tempo necessário para compensar as perdas.

Outro ponto é que não há sentido em se fazer ciência apenas olhando para o mercado, já que algumas pesquisas não são do interesse de empresa alguma por gerarem, por exemplo, produtos pouco lucrativos. Um caso citado por um cientista entrevistado pelo The New York Times é o desenvolvimento de braços robóticos que operem com a mesma destreza que os braços e mãos dos seres humanos. Essa é uma invenção útil para ajudar idosos e doentes a se alimentarem e pegarem objetos que caírem no chão, por exemplo, e que tem sido objeto de estudo dentro da universidade Carnegie Mellon. Uma tecnologia que precisa existir, mesmo se o produto não gerar um negócio com alta lucratividade. E onde mais esse tipo de trabalho seria desenvolvido se não dentro da academia? A conclusão deles é que esse tipo de ciência garante que alguns bons pesquisadores não vão se deixar seduzir pelo assédio do mercado.

Minha tendência é acreditar que existe um meio-termo capaz de beneficiar ambos os lados e que um distanciamento entre as duas pontas traz mais malefícios do que benefícios. Em um tempo no qual existe uma crise real na produção científica brasileira, como tem reportado o meu colega Herton Escobar, e a inovação é um fator crítico para sobrevivência da maioria dos negócios (embora o tema esteja sendo tratado no Brasil como uma espécie de "nova responsabilidade social", ou seja, um conceito ao qual todos os negócios querem se associar, mas quase ninguém investe a sério para ter um resultado de alto impacto na prática), há muito o que a iniciativa privada poderia fazer no País para estimular o desenvolvimento de pesquisas e talentos em potencial na áreas de ciências e tecnologia.

Aqui nos EUA, por exemplo, há uma cultura de doações de instituições focadas em fomentar bolsas de estudo e de pesquisa que faz a diferença. Poucas empresas no Brasil olham para isso. E temos inspiração dentro de casa -- é só olhar para o trabalho que polos tecnológicos como o C.E.S.A.R., no Recife, desenvolvem em parceria com a iniciativa privada.

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Por outro lado, é bom deixar o complexo de inferioridade de lado: o modelo americano não é perfeito e enfrenta desafios como os citados neste texto. No fim, me parece que uma das mais impactantes diferenças entre um mercado maduro como os EUA e o Brasil, além do orçamento, é a execução. Nos EUA primeiro se arranja o problema e depois trabalha-se duro na solução.

Inovação nasce da tentativa e erro. De testar possibilidades e observar de onde vem o melhor resultado. E é essa aversão ao risco e o medo de tentar algo novo que gera paralisia dentro dos muros de muitas universidades brasileiras.

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