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Como a tecnologia está mudando a cultura

"Algumas conquistas são emblemáticas"

Criolo fala sobre sua relação com rap, música, vida e também do lançamento online de seu novo disco, "Nó na orelha"

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Por Tatiana Mello Dias
Atualização:
 Foto: Estadão

Um dia depois do lançamento oficial do disco Nó na orelha na web, o Link sentou com o músico Criolo na cozinha da casa de seu produtor, Daniel Ganjaman.

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O lançamento foi um sucesso - foram 25 mil downloads em apenas três dias, e um burburinho digno de celebridade nas redes sociais. A história está no Link de hoje.

Ele está feliz com o sucesso, mas mantém os pés no chão - na realidade e no passado, ao lembrar dos 23 anos de rap que tem na história. Calma e pausadamente, Criolo falou ao Link sobre seu novo trabalho, sua relação com a música e o rap e mostrou sua maneira de encarar a vida.

Você esperava esse barulho todo? Não. A gente faz as coisas com carinho, com bastante seriedade, do jeito que achamos que temos que fazer, a parte da música. Essas outras coisas que estão rolando foram surpresas. Ninguém imaginava... A gente fica contente, né? Muito, muito contente na verdade. Não foi qualquer coisa o que aconteceu ontem. E assim disponibilizar as músicas, tudo é um grande emblema. Algumas ações deixam claro o pouco da cabeça de quem está envolvido com isso. Disponibilizamos de modo gratuito as canções porque achamos que seria gostoso dividir isso com as pessoas. Cada música vem com muita emoção, tem uma história, um porquê dela ter nascido, desse sopro ter acontecido na cabeça da gente. E a gente quer muito dividir isso, é só isso. As pessoas têm que conhecer, aquilo tem que circular antes, não? É, a internet ajuda nesse sentido. É para ontem. Tem um monte de coisa chata e negativa, mas tem muitas coisas boas rolando, então é bom quando acontece algo assim.

Como foi o processo de lançamento? No dia 20 de dezembro colocamos no ar as músicas do single. Esse projeto todo, a gravação das coisas, nós tivemos o apoio da Matilha Cultural, que viabilizou tudo. Sem eles... eu sempre costumo frisar porque é o mínimo que eu posso fazer. Foi um amigo que sabia que eu estava meio pendurando as chuteiras, ele conhecia as minhas canções, e falou 'poxa, vamos fazer um registro desse seu momento'. Foi isso, o carinho de um amigo, que me incentivou a fazer isso. Não houve um plano... É, porque o amor não precisa de marketing. Amor é amor, em várias instâncias. Em qualquer linguagem que seja, vai chegar de várias formas. Talvez o meu não chegue para você porque você tem o seu jeito. Esse respeitar o amor dos outros é a grande mágica. Então foi isso, através de um amor de um amigo, do carinho, de respeitar o que eu construo, de acreditar na minha história e na seriedade com que eu faço minhas coisas, que começou tudo isso. Através desse amigo, que convidou o Marcelo Cabral, que convidou o Daniel Ganjaman...

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 Foto: Estadão

Você já conhecia o Ganjaman? Conhecia o trabalho dele, mas ele não. Foi uma corrente do bem, e tá dando nisso.

Por que você queria pendurar as chuteiras? Porque já são 23 anos, né... e eu sempre me avalio, até que ponto eu tô contribuindo? Só isso. Você acha que este disco é uma evolução da sua carreira, ou marca uma mudança de rumos? Eu estou seguindo o meu coração. Aí cada um faz a sua leitura. Porque se eu falo que estou numa evolução eu estou diminuindo tudo aquilo que eu construí. Aí soa como arrogância para mim, e para todos os meus que vivem o universo do hip hop no Brasil.

Como foi o processo de composição? Eu cheguei com 50, 60 canções. Já tinha elas há tempos. Componho sambas e canções há oito, dez anos, mas era algo que poucas pessoas sabiam. Foi um encontro de almas e depois profissional. Cantei, e a partir daí a gente tentou buscar um caminho e uma identidade para esse álbum.

Você está atingindo um público novo, né? A verdade é que eu é que sou novo para eles. Qual é a importância das redes sociais e da web na divulgação? Acho que é importante você se comunicar porque há pessoas que se comunicam por esse meio. Tem gente que se comunica pelos flyers. É uma grande felicidade caminhar pela 24 de maio e pegar os flyers. São outras relações que vão se estabelecendo. Você já tem a sua memória afetiva. Aí você cria um outro tipo de relação. Não necessariamente uma coisa é melhor do que outra. Por que vocês resolveram disponibilizar o disco inteiro para download? O máximo que a gente puder facilitar, é obrigação. Porque as músicas são minhas. Se eu quero que as pessoas escutem, isso é problema meu, não das pessoas. Já estou incomodando as pessoas em dizer 'olha, tem isso também'. Então é muita arrogância falar 'olha, tem isso, vai lá, se vira?'. Poxa, eu sou melhor que quem? Se a necessidade é minha de dividir o que passa no meu coração? Então o máximo que eu puder facilitar, eu vou fazer.

 Foto: Estadão

Como você consome música? Não tenho muito tempo. Porque somos cidadãos brasileiros e fazemos zilhões de outras coisas. E temos que garantir nossas três refeições ao dia. Eu gosto muito de rap, amo rap, e o rap tem uma história maravilhosa na minha vida. Gosto do YouTube para ver aqueles clipes antigos. Já era raro passar na época, que dirá hoje... é legal esse resgate.

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Como está a sua rotina agora? Está dando muitas entrevistas? Não muitas. A minha rotina mudou... porque eu tenho os meus ensaios, as minhas coisinhas. Só está aparecendo um pouquinho agora, mas a rotina é a mesma. Você está animado? Feliz? Eu fico feliz. Em primeiro momento, fico feliz. No segundo momento, penso 'que bom, houve um diálogo'. Ponto. Porque as tantas coisas que escrevo não são citações felizes. Então a gente tem que saber separar. Você fica feliz por enxergar que a música está indo, e está indo no coração das pessoas. Senão não repercutiria.

Eu acho que o grande lance é que dentro disso aí que está acontecendo, a gente se esbarrando. As pessoas acham que estamos insensíveis, acho que isso prova que as pessoas não estão insensíveis. Como você frisou, as pessoas que não são do universo do rap estão curtindo. É porque elas estão compreendendo a construção do texto. E quando você estabelece o diálogo, não importa se é maxixe, xaxado, rap... Suas letras são pesadas, de certa maneira. A mensagem é mais ou menos a mesma do rap... É, é isso. Nós estamos vivos, e quem se liga muito em internet também tem a sua sensibilidade. Tem os estigmas, o cara vive o mundo virtual, como se a gente soubesse falar de cada cidadão e o que se passa no coração dele. Ninguém quer saber porque a gente é jogado para uma solidão profunda, embora existam muitas cores e todos os tipos de produtos para a gente consumir e dizer que está feliz. Então acho que são essas coisas... foi só isso que aconteceu. E por isso que os sites estão caindo (risos). É a Babilônia que está caindo (risos).

Capa do disco "Nó na orelha" Foto: Estadão

Como foi isso? Acho que caiu três vezes. Por que vocês vão lançar em CD e vinil? Porque tem gente que gosta de ter o CD, ver o encarte, e tem gente que gosta do vinil. Você é daqueles que fala que o CD morreu? Eu não fico pensando nisso porque seria muita arrogância da minha parte em achar que a minha ação de colocar um CD na rua eu vou fazer com que ele ressucite. Eu simplesmente estou fazendo porque é o mínimo ter um CD. E o vinil é um grande luxo no país em que vivemos. E ele vem do petróleo, né? É uma honra, eu que venho da cultura e cresci no meio do rap, a honra que é você pegar o seu vinil, cara... é o seu vinil! Meu Deus, que coisa... a gente nem dormia. Cara, tá chegando. Cara, não acredito. Depois de velho, cara. É só por isso. Quem sou eu?

Qual será o modelo de distribuição? De mão em mão e em alguns lugares.

(a empresária Biba Berjeaut explica: o vinil será distribuído na Livraria Cultura, e em algumas lojas do centro. O CD custará R$ 15 e o vinil, R$ 50).

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Ele foi o seu primeiro vinil? É... e é uma emoção do tamanho do planeta. O grande lance é a preocupação com todos os detalhes. Só que a gente vive num país em que saúde é comércio. Se falamos de grana pra cultura e arte... a gente vai fazendo conforme dá, né. Eu só agradeço essa oportunidade que eu tive, depois de tantos anos poder produzir um disco. É a oportunidade da minha vida. Se não fosse isso, eu teria as mesmas canções, seria a mesma pessoa, apenas mais um de um batalhão de pessoas com várias canções. Tudo vai da oportunidade, como você lida com ela, como você enxerga ela, e o que você vai fazer. Eu ainda estou aprendendo.

E seus próximos planos? Se depender de mim eu fico o dia inteiro no estúdio. Eu durmo no estúdio. Porque demorou tanto para chegar aqui... eu teria que ter no mínimo 800 horas para matar toda essa vontade. Aí é que é o lance. O rio é o mesmo, mas a água não. Vamos ver se daqui a um ano essas músicas, eu vou olhar para elas, e elas vão olhar para mim...

Quem são as suas maiores influências musicais? Um grupo de NY chamado Wu Tang Clan. É difícil...

Você cresceu ouvindo o que? Samba rock, sam-canção, moda de viola, seresta. Isso aí.

E o rap? 11, 12 anos. Não lembro quem, mas eu sei o que eu sentia. A pulsação daquela estética. Eu posso te falar que foi muito bom.

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E no Brasil? De quem você gosta? Todo mundo. E não é politicagem. Posso falar que adoro Facção Central. Racionais MCs. Os óbvios. Mas eu vou te dar um exemplo: ano passado fizemos aniversário de quatro anos da Rinha dos MCs. E as atrações foram nada menos que Edi Rock, KL Jay. Esse ano é o Ivo Mamona, um cara conhecido no YouTube por suas canções, por ter uma ingenuidade e carinho. São extremos. Tudo aquilo que eu sinto que tem verdade eu curto. Tem música que eu escuto, tem música que não. Mas eu respeito. Como o disco tem sido recebido pela comunidade do rap? Não sei, saiu ontem. E todo mundo se conhece, não precisa ficar falando. Quem convive comigo sabe como eu sou. Eu sempre fui assim. É novidade para quem não convive comigo, ou seja, o mundo. Os grandes nomes, os grandes compostiores, não tem como. Estou na cena há 23 anos.

Você parece bem pé no chão. Eu vou fazer 36 anos de idade agora, dia 5 de setembro. Você não vai ter como escapar. Eu nasci no seio de uma família que me passou todos os ensinamentos, honestidade, ética, mas dentro de uma situação social de muita luta. Se eu não tivesse esse meu amigo, que eu não falo o nome, se não tivesse estendido a mão, eu seria a mesma pessoa, com as mesmas canções. Por que na minha cabeça eu vou achar que sou o melhor? Poderia falar cinco caras que se tivessem a mesma oporunidade teriam feito o disco da década.

Esse disco tem sido bem elogiado pelo público e crítica. Como você se sente? Claro que vou ficar feliz. Mas algumas conquistas são emblemáticas para toda uma mutidão de pessoas que fazem rap com dignidade. Seria o emblema para mostrar quantas vezes não passaram por grandes talentos. Seria maravilhoso de rolasse isso.

O que falta para mais pessoa ganharem espaço? Terem oportunidade.

O que é essa oportunidade? (enfático) Dinheiro. O Daniel Ganjaman, numa mesa gigantesca, o Marcelo Cabral, cara que passou 10 anos estudando, de 8 a 12 horas por dia estudando o instrumento dele... como você vai pagar um profissional desses? É dinheiro. Oportunidade é dinheiro. Dinheiro e você querer muito, mas muito. Você tem que querer mudar a sua vida e a vida das pessoas que você ama. Porque você pode ter um caminhão de dinheiro e só fazer coisas negativas. A gente nunca sabe. O que falta é o nosso país ter um pouco mais de carinho. Poderia falar vergonha na cara, mas acho que falta sensibilidade e amor mesmo. (Biba acrescenta: "a Secretaria de Cultura de São Paulo diferencia o hip hop de música. É um edital diferente, com menos verba. De certa forma muitas vezes a pessoa que é do rap se diferencia também do resto. Se fecham")

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Mas tem um lance que é o seguinte. A porta é uma só. E tem maçaneta dos dois lados. Todo mundo fala que os MCs isso, MCs aquilo, que são fechados, não querem dialogar. Mas quantas vezes no começo da década de 90 eu escutava meus amigos falando 'fui lá falar com o guitarrista, e riram da minha cara. Pela minha roupa, por onde eu moro, pelo jeito que eu verso...'. Então quem se fechou para quem? Fica a questão. Agora é fácil falar, porque todo mundo quer se abrir. Qualquer comercial tem cara rimando. É fácil pegar o bonde e querer sentar na janelinha. Mas as novas gerações estão vindo e vêm novas histórias.

A tendência é se abrir... Ou não. A gente não sabe, gente. A gente não sabe nem se vai amanhecer. Eu não vou deixar de fazer as paradas de rap. Uma coisa vem para... e sou isso aí. Eu só estou fazendo o que sempre fiz minha vida toda: seguindo meu coração. Só isso. E muitas vezes significa saber que você ainda vai chupar muita rapadura. Meu coração ainda é feito de músculo. Quando eu consigo cantar, eu vejo que tudo tem um porque, e sou tomado de uma emoção danada. Eu durmo, amanheço, como. Estou 24 horas plugado nisso. Há quantos anos que eu não paro para ter uma vida. É uma busca incessante.

É muito difícil viver de música? É muito difícil viver no mundo em que vivemos. Mas, mesmo no meio disso, tem muitas pessoas maravilhosas que fazem com que sua existência não fique tão pesada. Não reclamo disso, porque foi uma escolha, e nem foi escolha, quando percebi, já estava nisso. Pense você, minha irmã, a pessoa fala 'é muito difícil você viver de música?'. É muito difícil você ter três filhos e viver com um salário mínimo, e não ter saneamento básico. E as pessoas te olham como se você fosse um bicho. É difícil. Eu acho que está muito errado. É uma vergonha o que fazem com os artistas em geral no Brasil.

O que, por exemplo? A disparidade de espaço. O poder das grandes molas mestras que regem esses universos. Se tivéssemos acesso a todos os tipos de informação, descobriríamos que quem muda no mundo é no máximo dez pessoas.

Criolo, você quer falar mais alguma coisa? O microfone é seu. Digo que os MCs do meu País têm um coração tão grande, e uma preocupação tão grande com sua comunidade e sua cidade, são especiais. Tenha carinho e respeito por quem faz rap no Brasil, porque eles sabem o que estão fazendo e fazem com o coração. E a eles devo a minha vida.

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(fotos: Evelson/AE)

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