
Que Mario?
Quem joga, sabe
Nintendo em três tempos
28/07/2016 | 09h00
Por Bruno Capelas
Passado, presente e futuro. Entender a situação da Nintendo e imaginar o que a empresa é, pode ser ou poderia ter sido (em uma combinação do futuro do pretérito, diretamente da aula de gramática) é um exercício interessante para entender o mundo dos games. Vamos começar pelo mais fácil: o presente. Nessa semana, a Nintendo divulgou mais um balanço, com o resultado financeiro dos meses entre abril e junho: além de prejuízo de US$ 49 milhões, o relatório mostra o que foram os últimos anos da companhia japonesa, com baixas vendas do Wii U – lançado em novembro de 2012, o console vendeu atingiu agora a marca de 13 milhões de unidades.
Nos últimos três meses, foram apenas 220 mil consoles no mundo todo. É muito pouco – mas altamente justificável diante do fato de que o trimestre não teve nenhum grande lançamento que fizesse os consumidores darem uma chance a mais para o Wii U. Ou melhor, até teve: Star Fox Zero, uma nova versão do clássico game dos anos 1990 (até hoje, a frase “do a barrel roll”, grande bordão do game, causa efeito), que falhou em conseguir utilizar o melhor do videogame, em uma jogabilidade confusa e sem grandes emoções – foi, ao menos, o que eu senti ao testar o game durante a Gamescom do ano passado.
Particularmente, eu sou grande fã do Wii U: seu controle com formato de tablet tinhas ótimas chances para ser usado como segunda tela, em comparação com a TV. O problema foi que as desenvolvedoras parceiras – Ubisoft, Electronics Arts, Square Enix e Activision, só para citar algumas – não embarcaram na viagem de adaptar seus jogos populares para a infraestrutura da Nintendo, deixando o videogame à própria sorte com suas marcas tradicionais. Em determinado ponto, até mesmo a Nintendo não foi capaz de usar o Wii U como poderia – um game como Mario Kart 8 ou Super Smash Bros Wii U, apesar de ótimos, ignoram quase que completamente a tela separada do “controle-tablet”.
Passado. Em 2015, tive a chance de conversar com Phil Spencer, o chefão de Xbox na Microsoft. Entre novidades do Xbox One, uma das perguntas que fiz a ele foi sobre a Nintendo – que, com as baixas vendas do Wii U, ficou esquecida na guerra entre consoles do Xbox One com o PlayStation 4, da Sony. O que ouvi ficou guardado na memória como uma lição: “Sempre é um erro ignorar a Nintendo. O GameCube também não foi um sucesso de vendas, e todo mundo dizia que eles tinham perdido a mão. Aí eles vieram com o Wii, que vendeu mais de 100 milhões de unidades”.
O sucesso de Pokémon Go, hit para celulares, é uma prova de que a Nintendo não está morta. Mais do que isso: ela tem grandes personagens, e se utilizá-los de forma inteligente, pode tirar muito dinheiro dos bolsos dos fãs sem agredir sua memória afetiva. A própria existência de games como Mario Kart ou Super Smash Bros (um encanador italiano como herói de corridas? Ou como um grande lutador, capaz de enfrentar pokémons, heróis medievais e macacos?) é um pouco um acerto nesse sentido. Espero o momento em que a Nintendo, munida de sua criatividade, fará um game mobile com o encanador Mario, o gorila Donkey Kong ou o simpático Yoshi. É pedir para os fãs (eu incluso!) jogarem dinheiro na tela do smartphone.
Há cerca de duas semanas, a empresa deu mais um passo certeiro ao usar seu passado: o NES Classic Edition. Trata-se de uma versão para o século XXI do Nintendo Entertainment System (conhecido informalmente como NES ou “Nintendinho”, aqui no Brasil), primeiro console da empresa, lançado em 1983 no Japão – mas só em 1985 nos EUA e no Brasil. O NES Classic Edition, previsto para chegar às lojas dos EUA em novembro por US$ 60 (equivalente a pouco mais de R$ 200), é uma experiência retrô total, tendo 30 jogos na memória (incluindo clássicos como Super Mario Bros e os primeiros The Legend of Zelda e Final Fantasy) e um controles réplica do NES – quem quiser jogar com os amigos poderá comprar mais um controle por US$ 10.
É uma saída inteligente para explorar um potencial financeiro enorme: há milhões de jogadores no mundo todo interessados em curtir games antigos, e muitas vezes o fazem através de emuladores – programas de computador capazes de rodar jogos do arco da velha. A prática, no entanto, é vista com dubiedade pela área de direitos autorais, e de qualquer forma não rende nada à Nintendo. Vender um console por menos de US$ 60 é um jeito rápido e fácil de explorar a nostalgia intrínseca aos fãs de games – sem colocá-los na posição comprometedora de quebrar a propriedade intelectual da empresa.
Futuro. Rentabilizar apenas com o passado, porém, não é algo exatamente que faz jus à imagem da Nintendo – ao contrário de outras empresas de games, a japonesa há muito tempo é conhecida por sua vontade de querer inovar (e de não seguir todas as tendências do mercado). O fracasso do Wii U talvez tenha acontecido justamente por isso: era uma tentativa de inovar que não foi seguida pelo mercado – já o sucesso do Wii, com seu controle capaz de ser usado como um bastão, é um completo acerto nesse sentido. (No balanço desta semana, a Nintendo também disse que o Wii deixou de ser um produto ativo da empresa, encerrando seu ciclo de vida com 101 milhões de videogames vendidos e nada menos que 915 milhões de jogos).
Nesse sentido, é com grande ansiedade que os fãs de games esperam o que a Nintendo está querendo trazer à tona com o Nintendo NX, seu próximo console, com lançamento previsto para março de 2017. Até agora, a maioria das novidades de NX divulgadas oficialmente envolvem a empresa em mistério – Tatsumi Kimishima, presidente executivo da Nintendo, já disse que o videogame surpreenderá os jogadores.
Nessa semana, o site Eurogamer publicou uma série de novidades sobre o console, citando fontes próximas à empresa. Para resumir, o NX (que deve mudar de nome até chegar ao mercado) será um console “portátil de mesa”, podendo ser levado para qualquer lugar ou jogado em uma televisão, com jogos armazenados em cartuchos e um controle cujos botões poderão ser destacáveis, permanecendo apenas com a tela no meio.
Pode parecer um tiro no pé, mas ao meu ver, é a Nintendo matando vários coelhos com uma cajadada só. De início, a empresa une suas duas linhas de videogames – consoles de mesa e portáteis – em um único produto, o que pode ajudá-la a ganhar escala em desenvolvimento e produção de hardware e também de jogos. (Vale lembrar que, Super Smash Bros Wii U e 3DS eram praticamente o mesmo jogo, em plataformas diferentes). É uma aposta no mundo dos jogos em dispositivos móveis, mas à sua própria maneira, e com seu próprio desenvolvimento. A volta dos cartuchos é outro ponto interessante: eles são uma mídia muito mais barata do que os CDs, e capazes de armazenar ainda mais dados – ainda que, segundo o Eurogamer, a Nintendo tenha recomendado às desenvolvedoras criar jogos com até 32 GB, o que é pouco para os padrões de hoje. (GTA V, exemplo de game contemporâneo, tem quase 50 GB em sua versão padrão para o PS4 e o Xbox One).
No entanto, existem dois riscos: o primeiro é de que as desenvolvedoras parceiras não comprem a ideia, e achem caro desenvolver para um console desse tipo. O custo de produção de cartuchos, em termos de escala, também pode ser um problema para a distribuição dos jogos. Além disso, há o problema do custo: não será barato fabricar um console com tantas peculiaridades, como botões destacáveis e essa estrutura dupla de mesa e portátil. Às vezes, US$ 50 ou US$ 100 a mais podem fazer a diferença no bolso do jogador – a Microsoft até hoje paga esse preço na guerra dos consoles com o Xbox One, que vendeu metade do que o PS4 conquistou até aqui.
Segundo a Eurogamer, a Nintendo deve revelar novidades para o NX em setembro. Até lá, muitos rumores devem acontecer – enquanto isso, o melhor a fazer parece ser continuar saltando em busca de moedinhas e cogumelos para crescer.
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