Por Bruno Capelas
Morcego, ratazana, baratinha e companhia: a série de TV Castelo Rá-Tim-Bum, exibida pela TV Cultura, está completando 20 anos em 2014 e é motivo de uma exposição no Museu da Imagem e do Som de São Paulo, que deve rodar o País nos próximos meses.
Disso, provavelmente você sabe - na capital paulista, a mostra tem atraído milhares de pessoas todos os dias. O que você provavelmente não sabia é que o programa do aprendiz de feiticeiro Nino e das crianças Zeca, Pedro e Biba já foi motivo de um jogo de videogame produzido no Brasil nos anos 1990.
Castelo Rá-Tim-Bum - O Jogo foi feito pela Tec Toy, que na época era a representante oficial da SEGA no Brasil, e foi lançado para o Master System em 1997, três anos após o início do programa de TV. "Nós apresentamos a ideia para a Cultura, e ela foi aprovada logo de cara", lembra Stefano Arnhold, presidente da Tec Toy na época.
A história do jogo é bastante simples: Zequinha tomou uma poção que o fez voltar a ser bebê, e o jogador, no papel de Biba ou Pedro, deve ir atrás dos ingredientes para fazer outra poção, capaz de fazer o menino que perguntava "Por quê?" voltar a ser uma criança. Para isso, o jogador deve visitar ambientes clássicos do Castelo Rá-Tim-Bum, como a cozinha cheia de gavetas e o laboratório dos irmãos gêmeos Tíbio e Perônio, em uma aventura curta, que pode ser superada facilmente em um par de horas.
Para os olhos de hoje, e até mesmo se comparado aos jogos produzidos na época, o aspecto visual e a jogabilidade de Castelo Rá-Tim-Bum é até meio tosco, mas é capaz de reforçar a identificação com o programa (tem até o Porteiro, dizendo "klift, kloft, still, a porta se abriu") e mostra o caráter pioneiro da Tec Toy no País.
"Era tudo bastante artesanal", lembra Maurício Guerta, um dos programadores responsáveis pelo jogo, que foi produzido do zero pela empresa nacional.
Se você quiser testar o jogo, vale a pena e é simples. Primeiro, você precisa baixar um emulador, um programa capaz de ler arquivos dos jogos -- uma espécie de videogame virtual que consegue ler 'as fitas' dos jogos. Para o Master System, recomendo o Fusion 364, que você pode baixar aqui. Depois, é só baixar a ROM (ou seja, "a fita") do Castelo Rá-Tim-Bum, direto do site Emuparadise, que reúne ROMs de diversos consoles.
Made in BrasilO jogo do Castelo foi um dos últimos a serem feitos pela Tec Toy, em uma trajetória de inovação que começou ainda no final dos anos 1980, com a fabricação da Pistola Zillion, dedicada para o jogo de mesmo nome -- uma espécie de paintball eletrônico -- para o Master System, que seria posteriormente lançado no País em 1989, e é produzido até hoje na Zona Franca de Manaus.
Em 1990, a empresa lançaria por aqui o Mega Drive, e no ano seguinte, a versão portátil do Master System, o Game Gear. Além de fabricar os consoles no País, a Tec Toy era responsável por lançar os jogos por aqui, muitas vezes sendo responsável por sua tradução para o português em um mercado ainda fechado para importações. Foi traduzindo um desses jogos - o RPG Phantasy Star, em 1991 - que a empresa percebeu que poderia criar seus próprios jogos. O trabalho, entretanto, não era simples.
"A Tec Toy tinha a parceria com a SEGA, mas eles não liberavam o código de programação dos jogos. Você tinha que pegar o cartucho original, transformá-lo em uma linguagem, identificar o que era código e o que era gráfico, e a partir daí traduzir os textos, quase bit por bit", explica Guerta.
O resultado final de Phantasy Star, um jogo que tinha muito texto, foi tão bem sucedido que a empresa resolveu investir mais, modificando jogos desconhecidos para deixá-los com um sabor brasileiro. É o caso de Mônica no Castelo do Dragão (clique para baixar a ROM), baseado em Wonder Boy II.
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Adaptação 'livre'"Nós alterávamos os elementos móveis do jogo, como personagens e vilões, os chamados sprites", explica Arnhold. No caso do jogo da criação de Maurício de Sousa, a personagem dentuça apareceu no videogame como substituição a um garotinho loiro, e aparecia com seu coelho Sansão combatendo em um cenário medieval contra ogros e fantasmas, que pouco tem a ver com suas histórias.
A parceria entre Mônica e a Tec Toy, entretanto, surgiu por coincidência: o estúdio de Maurício de Sousa e a fabricante de games tinham escritórios vizinhos em São Paulo, e foi adiante com outros jogos, como Turma da Mônica em O Resgate, uma versão de... Wonder Boy III.
"A gente só traduzia o texto, a tela inicial e os personagens. Depois conseguimos nos especializar e trocar parte do cenário, fazendo conversões complexas", lembra o programador Guerta, que diz ter sido um dos responsáveis pelo projeto de criar jogos a partir do nada dentro da empresa.
"Sempre tive vontade de criar, mas a empresa queria respostas rápidas. A tradução e conversão dos jogos dava um lucro maior, mas nós conseguimos", diz Guerta. O primeiro jogo totalmente original da empresa foi o Férias Frustradas de Pica-Pau, lançado originalmente em 1995.
"Demorou mais de dois anos para ser feito e não deu muito certo, o que frustrou a gente um pouco."
A empresa, entretanto, não desanimou, e criou outros jogos originais: além do já citado Castelo, outro ícone nacional que teve versão para videogame foi o Sítio do Picapau Amarelo (clique para baixar a ROM), com jogabilidade parecida à do game do programa da TV Cultura. O programa Show do Milhão, apresentado por Silvio Santos, e o seriado Chapolin Colorado (clique para baixar a ROM) também ganharam seus games.
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LegadoA maré boa da Tec Toy durou até 1997, quando a crise dos tigres asiáticos causou um enorme impacto no mercado brasileiro: grandes varejistas, como Mappin e Mesbla, foram à falência, reduzindo a distribuição e os lucros da empresa, que entrou em concordata preventiva no final daquele ano.
O processo de concordata foi finalizado em 2000, quando até a própria SEGA quebrou, após o fracasso comercial do DreamCast face a concorrentes como o Playstation e o Nintendo 64. "A gente até começou a fazer o desenvolvimento para o DreamCast, mas ele perdeu espaço pro Playstation e aí a SEGA entrou em concordata", relembra o programador.
Hoje, a SEGA sobrevive fazendo jogos para outras empresas e vendendo imagens de suas franquias - como Sonic e Virtua Fighter - enquanto a Tectoy (com apenas um T maiúsculo, e tudo junto, após mudança de marca) , após o processo de concordata, resolveu mudar de foco e se tornar uma empresa de entretenimento, vendendo DVDs e aparelhos de videokê, além de continuar a fabricar o MegaDrive e o Master System com jogos embarcados na memória.
A empresa também foi responsável pelo lançamento do único console brasileiro da história, o Zeebo, em 2009, mas que naufragou, com menos de 30 mil unidades vendidas. "A imprensa recebeu mal o jogo, e o Zeebo não tinha muitos títulos, nem gente interessada para desenvolver e era muito caro. O Playstation 2 era mais barato e tinha jogos piratas", diz Mauricio Guerta, que participou do desenvolvimento do console.
Para Stefano Arnhold, presidente da Tec Toy na época e hoje conselheiro da empresa, entretanto, a aventura da companhia representou uma "época de ouro", na qual o País também viu lançamentos da Nintendo chegarem aqui pelas mãos da Gradiente. "Com a produção local, o Brasil tinha acesso a novos consoles, jogos e acessórios de forma simultânea a EUA e Europa", diz Arnhold, que crê que a cultura de videogames seria diferente no Brasil sem a participação das duas empresas.