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A ética da transparência

Para Derrick de Kerckhove, big data acaba com a privacidade e obriga pessoas à transparência

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Por Renato Cruz
Atualização:
 Foto: Estadão

Marshall McLuhan previu, em meados do século passado, muitas das coisas que acontecem hoje. O teórico da comunicação canadense morreu em 1980, quase uma década antes da web. Apesar disso, já falava no fim da privacidade.

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"Todas as paredes vão cair", dizia McLuhan a Derrick de Kerckhove, seu assistente durante a década de 1970. Posteriormente, de 1983 a 2008, Kerckhove dirigiu o Programa McLuhan em Cultura e Tecnologia, na Universidade de Toronto.

Ainda não existia o mundo digital em que vivemos hoje, e McLuhan acreditava que a eletricidade acabaria com a privacidade. "Eu discordava dele e dizia que ainda éramos capazes de manter silêncio sobre as coisas", afirmou Kerckhove, em entrevista por telefone. "McLuhan dizia que não, que era como um tsunami: você pode nadar, mas não vai servir para nada."

Segundo o professor belga Derrick de Kerckhove, o próprio Mark Zuckerberg, criador do Facebook, disse recentemente que a privacidade acabou, e pareceu surpreso com isso. "Eu não me surpreendi", completou.

Uma das expressões da moda do setor de tecnologia é big data. Muito discutido, mas ainda pouco usado, o conceito significa combinar bancos de dados diversos, estruturados (como os cadastros de clientes em uma empresa) e não estruturados (como as publicações nas redes sociais), para tirar deles novos significados, saber sobre pessoas e empresas mais do que mostra um conjunto isolado de informações.

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As redes digitais de telecomunicações e a big data acabaram por terminar o trabalho iniciado pela eletricidade, como havia identificado McLuhan. Nesse cenário, como os indivíduos podem proteger sua privacidade de governos e grandes empresas? "Não podem", respondeu o Kerckhove, que participa, no dia 26 deste mês, do evento IT Forum/Black Hat Brasil, em São Paulo.

O professor propõe o que ele chama de ética da transparência. No lugar de tentar proteger sua privacidade com criptografia e senhas, que acabam quebradas mais cedo ou mais tarde, as pessoas deveriam passar a exigir dos governos e das empresas a mesma transparência a que suas vidas estão expostas.

"A ética da transparência é muito rigorosa", explicou. "As pessoas precisam mudar massivamente. Se nos tornamos transparentes, o que acontece com nossas responsabilidades fundamentais? Precisamos sentir orgulho de pagar os impostos, e não orgulho de não pagá-los. Nosso governo será limpo, porque precisará mostrar para todo mundo as suas ações. Se queremos evitar a tirania, temos de votar em governos que aceitem transparência simétrica e igualitária."

Kerckhove não vê o fim da privacidade como ameaça. "É a solução para um problema que irá piorar antes de melhorar." Ou seja, é melhor você se acostumar com o fato de que está sendo observado.

Vigilância

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O caso Edward Snowden, na visão de Kerckhove, é um exemplo importante de onde estamos e para onde vamos. "Ele colocou a pedra fundamental de um novo olhar sobre a conectividade, sobre a facilidade de acesso a ferramentas interessantes", disse o professor. Depois das denúncias sobre a espionagem do governo americano, as pessoas passaram a ter uma visão mais realista sobre as comunicações digitais.

Educação

Um ambiente de transparência total exige mudanças na educação. "Nossas crianças não têm mais de proteger sua privacidade, porque isso é inútil. Elas precisam aprender a criar sua persona digital, a forma como aparecem online através da verificação feita pela big data", disse. "Precisam engolir todo o orgulho, e ao mesmo tempo aprender a defender sua persona digital."

No Estado de hoje ("A ética da transparência", p. B10).

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