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O que a tecnologia quer

Por Renato Cruz
Atualização:

"Os seres humanos são os órgãos reprodutores da tecnologia", escreve Kevin Kelly, ex-editor da Wired, no livro What technology wants (O que a tecnologia quer). Ele chama o conjunto das tecnologias de "technium", e acrescenta que o "technium" representa o sétimo reino da vida.

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A visão geral do livro é otimista. Kelly argumenta que a tecnologia amplia a possibilidade de escolha das pessoas, e dessa forma permite que se desenvolvam talentos que, de outra forma, não teriam oportunidade de se desenvolver.

Sobre os efeitos ruins da tecnologia, ele diz que o "technium" é filho da humanidade, e que por isso devemos tentar guiá-lo para um bom caminho como fazemos como nossos filhos. Mas, como acontece com nossos filhos, o "technium" tem vontade própria. Quer, por exemplo, tornar-se cada vez mais complexo. Quer tornar-se senciente. Para Kelly, alguns inventos e descobertas científicas são inevitáveis, pois são uma decorrência natural do conhecimento já existente, moldados pelas leis da física.

Para embasar o argumento, ele mostra que 23 inventores criaram a lâmpada incandescente antes de Thomas Edison. Cada uma tinha suas particularidades, como formato diferente. Mas a ideia geral de lâmpada incandescente, na visão de Kelly, era inevitável, ante o conhecimento acumulado no final do século 19. "O telefone celular era inevitável; o iPhone não", escreve o autor.

Liguagem

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Kelly identifica a linguagem como a gênese de todas as tecnologias. Foi sua invenção que acelerou o processo de criação de tecnologias, que deixaram de depender da convivência direta entre as pessoas e da hereditariedade. Existem animais que usam a tecnologia, como os pássaros que fazem ninhos e os castores que constroem diques, mas eles não têm a linguagem humana para fazer com que o desenvolvimento tecnológico seja um processo que se autoalimente.

O argumento de Kelly mostra como é falsa a oposição entre as chamadas culturas humanística e tecnológica. A linguagem que é a base da cultura humana também é a base do desenvolvimento tecnológico.

O livro cobre um campo vastíssimo de conhecimento, apesar de algumas vezes não ser suficientemente profundo. Os inúmeros exemplos nem sempre são suficientes para tornar o argumento convincente. No entanto, mesmo discordando dele em certos pontos, não há como deixar de se admirar com tantas sacadas geniais.

Kelly insiste em comparar o desenvolvimento tecnológico com a evolução biológica, que, para ele, tem muito menos aleatoriedade do que os biólogos costumam admitir. Esse tipo de argumento fez com que recebesse críticas, por exemplo, de Jerry Coyne, professor de ecologia e evolução da Universidade de Chicago.

Informação

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Kelly organiza a evolução da vida e o desenvolvimento tecnológico num movimento único, que tem como eixo a organização da informação:

CONTiNUA APÓS PUBLICIDADE

Molécula única replicante --> População interativa de moléculas replicantes Moléculas replicantes -- >Moléculas replicantes organizadas em um cromossomo Cromossomo de enzimas de RNA --> Proteínas de DNA Células sem núcleos --> Células com núcleos Reprodução assexuada  (clonagem) --> Recombinação sexual Organismos unicelulares --> Organismos multicelulares Indivíduos solitários --> Colônias e superorganismos Sociedades de primatas --> Sociedades baseadas na linguagem Tradição oral --> Escrita e notação matemática Manuscritos --> Impressão Conhecimento em livros --> Método científico Produção artesanal --> Produção em massa Cultura industrial --> Comunicação global ubíqua

O autor não tem medo de ser considerado polêmico, nem mesmo de beirar o ridículo. Um dos capítulos é chamado "O Unabomber estava certo", em que analisa ideias de Ted Kaczynski, que matou três pessoas e feriu 23 ao enviar bombas pelo correio, e concorda com elas.

"A tecnologia moderna é um sistema unificado em que todas as partes são dependentes umas das outras. Você não pode se livrar das partes 'ruins' da tecnologia e manter somente as partes 'boas'", escreveu o Unabomber. Kelly concorda com ele. E você discordaria?

Sagrado

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No final do livro, Kelly procura colocar Deus na equação, mesmo sob o risco de parecer um hippie velho. Ele escreve que, se o homem foi feito à imagem de Deus, também tem sua criação, que é o "technium":

"Para a maioria das pessoas, a natureza é um acidente bastante feliz de longo prazo ou um reflexo muito detalhado de seu criador. Para esses últimos, cada espécie pode ser considerada um encontro de quatro bilhões de anos com Deus. Apesar disso, podemos enxergar mais de Deus num telefone celular que numa rã arborícola. O telefone amplia o aprendizado de quatro bilhões de anos da rã e acrescenta as investigações abertas de seis bilhões de mentes humanas.  Algum dia poderemos acreditar que a tecnologia mais agradável que pudermos fazer não é o testamento da genialidade humana, mas um testemunho do sagrado."

Por mais que se discorde, não há como deixar de admirar a coragem de quem escreve coisas assim.

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