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BAÚ: Como os blogueiros sobrevivem em países que censuram a web?

Manter um blog num país que censura a internet é viver no limite do limite. Uma escorregada e o destino pode ser a prisão - ou até execução. Há cinco anos, fiz uma capa do Link em que saí à caça de blogueiros e membros de redes sociais que morassem em países que mantém linha dura sobre a rede. Os Repórteres Sem Fronteiras publicam uma lista anual dos países que mais censuram a web. Mas a ideia era juntar histórias humanas a esses dados.

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Por Redação
Atualização:

Tarefa difícil. Fui à caça de dezenas de blogs, perfis no Orkut, MySpace - as redes da época. Poucos me responderam. Estavam desconfiados. Pensavam que poderia ser o governo local que queria testá-los. Dos poucos que me responderam, a maioria não passou do primeiro contato. Foi muito difícil conseguir algumas entrevistas. E olha que eu avisei que não seria necessário publicar nome e as conversas seriam por MSN, Gtalk, Skype, etc.

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Depois de semanas de insistências, consegui que alguns baixassem um tanto a guarda. Mas nada de mandar fotos. Nem de costas. Conversei com o consultor chinês Yan (nome fictício), de 33 anos, por exemplo. Ele mantinha um blog crítico ao governo, que foi do nada fechado. E montou outro, só para falar bem do governo, para mostrar "como um blogueiro pode ser silenciado". Falei também com Abd (nome fictício), de 26 anos, da Tunísia, que não falava mal do governo, mas temia mesmo assim: "Tenho medo de quebrar as regras sem perceber."

A reportagem que reproduzo abaixo junta opiniões de internautas comuns de China, Irã, Arábia Saudita, Tunísia e Cuba sobre como é sobreviver na rede com a internet vigiada (a foto abaixo mostra tudo: policiais fazem guarda num cybercafé chinês). O texto foi publicado originalmente no Link em 24/10/2005. A ideia de desenterrá-lo partiu de uma medida extrema da Arábia Saudita na semana passada: internautas agora só poderão ter blogs com a autorização do governo. Coincidentemente, neste fim de semana, o Estadão foi censurado novamente. Felizmente, esta censura já caiu.

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O país é a China.A cidade, Xangai.Por lá, na nação que mais censura a internet, segundo a organização Repórteres Sem Fronteiras (RSF), mora e trabalha o investidor Yan (nome fictício), de 33 anos.Nas horas vagas, o hobby dele é escrever em seu blog. "Por causa das regras rígidas que o Estado impõe sobre a liberdade, foi o meio que encontrei para expressar as minhas opiniões", diz.

Pelo menos era assim até pouco tempo atrás.Há cerca de três meses, o diário virtual do investidor, no qual ele se arriscava a falar sobre política, foi tirado do ar pelo governo sem nenhum aviso prévio. "Agora, fiz outro blog. Mas, nele, só escrevo coisas agradáveis.Assim, consigo mostrar aos meus leitores como um blogueiro pode ser silenciado."

Como na China, onde sites que trazem informações sobre democracia, liberdade e direitos humanos têm os seus acessos bloqueados, outros 50 países exercem algum tipo de controle da web. É o que diz um estudo que a RSF divulgará em breve, ao qual o Link teve acesso aos dados preliminares.

Segundo o levantamento, com o objetivo de controlar a web, nações como Irã, Arábia Saudita, Cuba e Tunísia, entre outras, vasculham e-mails, limitam a conexão à elite, deletam posts em blogs ou prendem quem for pego escrevendo textos que desagradem ao governo local.

"A censura à web nesses países está aumentando", diz Julien Pain, editor de internet da RSF. "Hoje, a tecnologia está mais barata e acessível aos regimes.O número de usuários de internet cresceu e se tornou uma força política.Então, na visão de governos autoritários, a web tem que ser controlada."

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Na China, os cerca de 100 milhões de internautas, quando acessam a internet, muitas vezes se deparam com a mensagem "this site cannot be displayed" (esse site não pode ser exibido, em português). "Em certos casos, essa mensagem aparece não porque o site está fora do ar, mas porque o endereço foi bloqueado pelo governo", explica o jornalista Richard (nome fictício), 24 anos, que mora em Pequim.

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Segundo Pain, da RSF, na China são bloqueadas páginas que tratam de direitos humanos, democracia e que têm conteúdo pornográfico ou críticas ao governo. "O governo também intercepta e-mails e investiga fóruns e blogs", diz ele. "Em um blog, por exemplo, só é possível abordar assuntos que foram publicados previamente pela imprensa oficial, que é controlada pelo Estado."

Segundo ele, quando um assunto proibido é escrito na web, o sistema de controle montado pela China deleta esse texto automaticamente.Em casos extremos, entretanto, o internauta pode acabar na cadeia. Atualmente, segundo a RSF, 75 pessoas estão presas por esse motivo.

Outra medida tomada pela China foi instalar sistemas de segurança, como softwares de monitoramento e câmeras de vigilância, em cybercafés. "Os estabelecimentos que se recusaram a obedecer a regra foram fechados pelo governo", diz o blogueiro chinês Yan.Foram fechados cerca de 10 mil cybercafés nos últimos dois anos.

A assessoria de imprensa da Embaixada da China no Brasil confirma que alguns sites são bloqueados pelo governo. "Isso é para manter os valores da sociedade e afastar os cidadãos das notícias falsas." Entretanto, diz que não existe censura em blogs e fóruns. "Os chineses têm diversas formas de expressar suas opiniões.E a internet é uma delas."

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ALÉM DA CHINA O Irã é outro país que adotou medidas restritivas para a web. "Aqui, temos dificuldade em acessar páginas com pornografia e sites sobre política. Muitos blogs também são bloqueados", conta o consultor Mr.Behi (nome fictício), 27 anos, que mora em Teerã (capital).

Segundo o consultor, por lá, manifestar uma opinião contrária ao regime do país pela internet pode levar uma pessoa à cadeia.Mesmo assim, ele possui um blog, onde diz que costuma ser muito crítico ao governo. "Tenho medo de ser preso.Já passei dos limites algumas vezes", conta ele.

O país, atualmente, vive uma febre de blogs.Dos 4,3 milhões de internautas da nação, 700 mil blogam. Em face a esse crescimento, segundo a RSF, o governo também incrementou a vigilância na rede.Só neste ano, 20 blogueiros foram parar na prisão.

Mas a prisão não é o único destino dos condenados.Na Tunísia, segundo o Comitê de Proteção aos Blogueiros, a punição pode ser a pena de morte. Desde fevereiro deste ano, o blogueiro Mojtaba Saminejad está preso por desacatar em seu diário virtual as leis da nação. Sua sentença é a morte.

No país, blogueiros como Abd (nome fictício), 26 anos, que mora em Túnis, estão apreensivos. "Não escrevo sobre coisas ilegais.Mas tenho medo de quebrar as regras sem perceber e acabar tendo problemas", diz.

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Segundo a RSF, na Tunísia, os e-mails dos cidadãos também são vasculhados. A organização diz, inclusive, que o governo desencoraja a população a usar webmails, como o Yahoo! e o Gmail.Isso porque é mais fácil vasculhar mensagens em programas como o Outlook Express.

Já a Arábia Saudita vive uma forma diferente de censura.A população tem participação na escolha dos sites que devem ser bloqueados.Para tanto, os sauditas deduram via web as páginas que julgam impróprias.Segundo a RSF, cerca de 400 mil páginas não podem ser acessadas no país.

"As pessoas são muito conservadoras por aqui.Elas não querem ver sites com material pornográfico e que são contra o islamismo.Por isso, elas denunciam essas páginas", diz a universitária Farah Aziz, 20 anos.

Outra forma de censura, segundo a RFS, é feita por Cuba.No país, apenas 120 mil pessoas pessoas possuem acesso à rede. "A internet está limitada apenas a autoridades e a turistas", diz Pain.

Segundo o brasileiro Flávio (nome fictício), que mora em Cuba, em universidades, por exemplo, só é permitido o acesso a sites cubanos ou aqueles selecionados pelo governo. E diz que o e-mail no país também é limitado. "Quando se consegue uma conta, você não tem o direito de enviar mensagens para o exterior.Para tanto, é preciso provar a necessidade de acesso internacional."

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Segundo Juan Roberto Forte, conselheiro da Embaixada de Cuba no Brasil, Cuba não exerce censura sobre a sua população. "O problema da web no país é o embargo norte-americano.Precisávamos de uma conexão de fibra óptica com os EUA para podermos nos conectar à web.Mas os EUA não querem.A solução foi usar uma conexão via satélite, o que encarece o acesso.Por isso, a internet está restrita às instituições oficiais."

A reportagem entrou em contato com as Embaixadas da Tunísia, do Irã e da Arábia Saudita no Brasil.A da Tunísia não quis comentar o assunto.E as do Irã e da Arábia Saudita não retornaram as ligações até o fechamento desta edição.

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