Três dias seguindo Mark Zuckerberg em SP

Era julho de 2009. Por estas bandas tupiniquins, o Orkut era rei absoluto, com 27,3 milhões de usuários. E Mark Zuckerberg resolveu vir ao Brasil. O Facebook tinha apenas 1,3 milhão de internautas por aqui. Mas o número tinha dobrado nos últimos três meses. Foi a deixa para o executivo, ainda com marcas de espinhas no rosto, desembarcar por aqui.

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Por Redação
Atualização:

Tímido, mas com o discurso afiado de que iria ser o maior no Brasil já que havia conseguido ser o maior no mundo, Mark conversou com estudantes, blogueiros e jornalistas, além de comer churrasco e vestir a mesma roupa por três dias. Eu dei uma da stalker e o segui por três dias por onde quer que fosse. Consegui conversar com ele diretamente em duas oportunidades e estive em palestras.

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Ele me contou como seria o "plano de dominação", que deu certo. Dois anos depois, o Facebook já era o maior do Brasil. Atualmente, são nada menos que 73 milhões de usuários por aqui. No mundo todo, mais de 1 bilhão.

Neste dia 14 de maio, Mark Zuckerberg completa 29 anos. E desenterro a minha epopeia de três dias seguindo o criador do Facebook por São Paulo. A matéria saiu na época no Caderno Link, mas o espaço foi bem menor do que o texto que eu havia escrito. A maior parte do conteúdo está inédita. Leia abaixo!

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Foto: Antonio Milena/Estadão

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Terça-feira, 18h. Num buffet no Itaim Bibi, 200 desenvolvedores de software estão em pé, em meio círculo, numa sala apertada do térreo, toda ela decorada com luzes verdes. Enquanto a maioria está de olho num telão que mostra slides de Powerpoint que ilustram uma palestra, um rapaz baixinho, de cabelos loiros encaracolados só fita o movimento. Ao sinal do primeiro flash de câmera disparado em sua direção, ele coloca as mãos na frente, em sinal de que não quer chamar atenção.

De repente, o locutor anuncia: "Com vocês, Mark Zuckerberg". E o loirinho vai para o centro da roda, num palquinho improvisado, enquanto é aplaudido por todo mundo. A roda se fecha, câmeras e celulares são empunhados e começam a disparar flashs. Todos estavam ali para ver o tal jovem bilionário criador da maior rede social do mundo, o Facebook, mesmo que, uma hora e meia antes, brincassem na fila para o evento ao dizer que, na verdade, usavam mesmo era o Orkut.

Mark pega o microfone metodicamente, como sempre faz, com a mão direita, na posição vertical, alinhando-o ao tórax. Com o sorriso eterno que traz em todos os lugares onde vai, o rapaz de olhos muito azuis tenta convencer a jovem plateia de que, como ele, todos poderiam alcançar o sucesso. E que, na verdade, a garotada, como eles, era o segredo de seu próprio sucesso.

"São pessoas como vocês que fazem coisas criativas para o Facebook", afirmou, contando que, pelo mundo, há 1 milhão de desenvolvedores voluntários que produzem desde joguinhos a leitores de blogs para o site. E Mark queria que os 200 presentes se juntassem à turma. "O Facebook permite que universitários, como eu fui, possam desenvolver programas e ganhar dinheiro. São os jovens, e não as empresas, quem fazem as melhores coisas, pois têm mais ousadia. Alguns já ganharam até milhões."

Este evento é mais um de tantos que o executivo faz ao redor do mundo. Toda vez que o Facebook começa a fazer sucesso num país - e é o caso do Brasil agora -, lá vai Mark conversar com usuários e desenvolvedores para "explicar quem somos e o que fazemos". Foi assim no Canadá, na França, no Reino Unido, na Alemanha... E a tática tem dado certo: o Facebook é hoje a maior rede social do mundo. São 250 milhões de usuários ou 30% dos internautas mundiais. Nunca houve uma rede desse porte.

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Foi com essa bagagem que Mark desembarcou em São Paulo no domingo. Chegou com uma agenda apertada e um discurso afiado de que pode, sim, passar o inatingível Orkut na preferência dos internautas. Em três dias, Mark, bizarramente, usou as mesmas roupas: camiseta cinza, calça jeans e tênis (seria um guarda-roupa da Turma da Mônica?). Na maratona, falou com desenvolvedores, blogueiros, estudantes, jornais, revistas, além de anunciantes e parceiros. Na comitiva, quatro assessoras, um engenheiro, seguranças e uma tradutora. Mark nunca estava só.

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Foi grande a repercussão. Jornais como o Estado publicaram entrevistas com Mark. Blogs e sites trouxeram suas conversas, coletivas de imprensa e palestras transmitidas pela web. No Twitter, se buscasse por "Mark Zuckerberg" , só dava tuítes em português. Garotas apontavam o bilionário como um "partidão". Outros elogiavam sua simpatia. E havia quem desconfiasse dos planos ousados no Brasil.

Acompanhei o executivo nesses três dias por onde quer que fosse. Foram duas entrevistas com ele - uma exclusiva e outra com revistas para jovens -, estive no evento para desenvolvedores, assisti à palestra que fez na Fundação Getúlio Vargas e conversei com pessoas que tiveram contato com ele nesta semana.

Meu primeiro encontro foi logo na segunda, primeiro dia oficial de sua visita. No restaurante do hotel Unique, onde ele estava hospedado, ao lado do editor do Link, Alexandre Matias, almocei com ele. Mark havia acabado de chegar ao País e a única impressão que tinha daqui era a comida. Havia jantado numa churrascaria no dia anterior e gostou de picanha. No almoço, quis pizza. Escolheu uma de carne (?!). Aprovou.

Mark chega para a entrevista sorrindo. Ele tem fama da tímido. Mas não pareceu. Brinca, pergunta como se pronuncia "churrascaria" em português, me oferece um pedaço de sua pizza de carne. Na terça, no evento para desenvolvedores, tirou fotos com todos. Ao conceder entrevista a Cazé, da MTV, tirou até um risco acidental de caneta no Kindle do apresentador.

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"Eu pedi para ele autografar o meu Kindle. E eu risquei acidentalmente a tela com a caneta", conta Cazé. "Ele ficou super preocupado. Eu já estava desencanado. Aí o Mark falou: 'Se a gente botar um pouco de água...' Ele molhou o dedo no copo, ficou esfregando a camisa na tela. E molhou o dedo umas três ou quatro vezes até sair."

Em hora de entrevista, entretanto, Mark muda de cara. O mesmo comportamento assume quando está num evento aberto, em que a plateia faz perguntas. Ele não abandona o sorriso, mas fica sério. A qualquer dúvida, troca olhares com Debbie Frost, sua principal assessora. Se precisar, ela intervém, como interviu quando perguntei a Mark se haveria como o Facebook competir em publicidade com o Orkut, que havia lançado há uma semana sua plataforma. "Em quatro anos de sucesso, só agora eles (o Orkut) lançaram isso?" ironizou a executiva, que curiosamente já trabalhou no Orkut.

Mesmo assim, Mark não evita nenhuma pergunta, até as mais bizarras, e as responde mesmo se não entender o inglês muitas vezes atrapalhado dos brasileiros. No evento para desenvolvedores, na terça, o questionaram sobre algo relativo a aplicativos. Ele não entendeu. Perguntou de novo. Não entendeu. Até que escutou a palavra "educação" e desembestou a falar. Na FGV, no mesmo dia, perguntaram se ele faria uma novela. Ele respondeu: "Sou muito tímido."

Só que Mark responde da forma que quer, muitas vezes ignorando a pergunta. Ele sempre arranja uma forma de cair num ponto em que já tenha a resposta ensaiada. Durante a semana, falou as mesmas coisas para diferentes públicos. "Apesar do jeito amigo, o Facebook é uma corporação e corporações costumam acreditar que sabem o que fazem", constata o blogueiro do Zumo Henrique Martin, que participou de um bate-papo com Mark na segunda. "O discurso de Zuckerberg é padrão: 'Precisamos ter mais desenvolvedores, estamos crescendo muito, não pode perder qualidade.'"

Além desses temas, Mark repetiu em todos os locais, por exemplo, que estava no Brasil pelo crescimento que o site teve neste ano. Hoje são 1,3 milhão de usuários. "Em três meses, a quantidade de usuários dobrou. Então, mesmo que obviamente seja muito menor do que a maior rede social daqui (o Orkut), é um momento muito bom para vir", disse ele.

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Mark se vende bastante. Em palestras e bate-papos, em geral fechados e para grupos pequenos - mas que chegaram a ter audiência de 1,3 mil pessoas na transmissão via internet da palestra da FGV, na terça -, Mark atrela muito sua história de sucesso à história de sucesso do Facebook. Não é à toa que toda reportagem que sai com o executivo cultua o fato de ele ter criado o Facebook aos 19 e estar hoje aos 25, com rosto ainda marcado por espinhas, com uma empresa que vale US$ 6,5 bilhões. Mark se vende assim.

Em pelo menos três oportunidades na semana passada, ele contou que ganhou seu primeiro computador quando estava na sexta série. Hoje, mesmo com mil funcionários, ainda programa por hobby. E foi assim que nasceu o Facebook, uma história muito parecida com as de Bill Gates, Steve Jobs e companhia. Mark era aluno de Harvard. No seu dormitório, teve a ideia de criar o Facebook para conectar os seis mil alunos da universidade. E começou a fazer sucesso. Primeiro em Harvard. Depois, em outras universidades. Depois para estudantes do colegial. Por fim, virou um site para qualquer um, atingindo, inclusive, os mais velhos.

Segundo Mark me disse, o sucesso do Facebook não se explica pela sua imagem de jovem, mas as suas ideias de jovem, sim, essas definem o que o Facebook é hoje. Em cima do palco da FGV, ele afirma que as pessoas de sua geração querem hoje é muito parecido com o que ele quer: conectar-se e compartilhar. São esses dois pontos que o executivo bate na tecla. E isso, segundo ele, só se conseguirá num ambiente aberto e seguro.

O ambiente aberto que Mark está construindo assemelha-se muito ao que Bill Gates criou há 20 anos. A diferença é que é na internet. Qualquer um pode fazer um programinha para rodar dentro do Facebook. Esses programinhas mantêm as pessoas mais tempo dentro do site. E, com um ambiente seguro a que propõe, com controles de quem pode ver as suas informações, segundo a sua lógica, permite às pessoas terem mais confiança e compartilharem mais suas vidas.

E aí entra outra lógica de Mark, que mostra que ele não é só um rapaz de 25 anos, mas o presidente de uma empresa. "Quanto mais pessoas compartilharem informações, melhores ficam os anúncios que vendemos." Sim. O executivo tem o discurso pronto de que "não veio ao Brasil só para fazer dinheiro". Mas fala muito no assunto. A forma de ganhar dinheiro do Facebook é usando informações dos usuários para exibir publicidade segmentada para cada perfil. "É o melhor investimento para as empresas."

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Seguindo a linha corporativa, Mark faz questão de afirmar que seu produto é o melhor. E ele chama, muitas vezes, a sua rede social assim, de produto. Normalmente, não costuma dizer nomes de concorrentes. Mas se alguém pergunta diretamente, faz questão de afirmar que o Orkut não investiu tanto no desenvolvimento e tem problemas com spam, que o Google "perdeu a vez", que o Facebook é melhor que o Twitter, pois "o Twitter é para celebridades e o Facebook é para amigos".

Mark espera que a sua tática permita levar o Facebook a um bilhão de usuários. Do Brasil, na última conversa que tive com o executivo, na quarta, ele disse que percebeu uma força muito grande nos blogs e um desenvolvimento grande da internet. E afirmou estar confiante do sucesso do Facebook no Brasil. Para isso, usa uma lógica meio corporativa e meio universitária. "Vimos no começo que muitas faculdades pequenas começaram a usar o Facebook da noite para o dia. Universidades maiores poderiam levar alguns meses. E isso tende a ser similar à escala de um país. Um país tão grande como o Brasil levará um tempo longo para chegar a esse estado (passar o Orkut), mas estamos muito esperançosos."

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