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P2P e cultura digital livre

'Punição exemplar' ou uma pisada no Playmobil?

Agosto de 2007. Foi nas ruas, pelo camelôs, que o Brasil ficou sabendo da existência do filme Tropa de Elite. Com a estreia agendada para alguns meses depois, o filme chegou ao comércio ilegal depois que uma cópia de boa qualidade vazou - e, a partir de então, passou a ser replicada infinitamente.

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Por Tatiana Mello Dias
Atualização:

Camelôs do Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte, Salvador e Brasília começaram a espalhar o filme com um marketing próprio: "compre antes que a polícia proíba". Foi um estouro - mas ilegal e pelas beiradas. Os produtores ficaram de cabelo em pé e anteciparam a estreia. O Ministério da Justiça pediu "punição exemplar" para quem vendeu e comprou cópias piratas. O resto da história você conhece: Tropa de Elite foi um dos maiores sucessos do cinema nacional, faturando R$ 20,4 milhões com 2,4 milhões de espectadores (o Ibope, entretanto, estima que o público pirata tenha chegado a 11 milhões de pessoas). Foi o filme brasileiro mais lucrativo de 2007.

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A continuação veio em 2010. Desta vez, a equipe se antecipou aos piratas. Cada cópia exibida nos cinemas tinha um código de identificação invisível a olho nu. Os HDs foram criptografados. "Vamos montar o filme dentro do caveirão. A ilha de edição será quase um bunker", declarou Marcos Prado, um dos produtores. Os rolos de filme tinham um chip com GPS. E cinco pessoas foram presas tentando gravar o longa dentro de salas de cinema no Rio de Janeiro e em São Paulo.

"A pirataria, além de ser crime, inviabiliza toda a cadeia produtiva do cinema. Quem gosta de arte, fique sabendo: se você fizer download de Tropa de Elite ou de qualquer outro filme pirata, você está prejudicando atores, diretores, exibidores", disse o ex-capitão do Bope, Rodrigo Pimentel, em um vídeo educativo antipirataria. O aviso era para estimular o público a denunciar links piratas no próprio blog do filme. O recado era claro: tanto o compartilhamento de links quanto a venda de cópias ilegais eram parte do mesmo problema: a pirataria.

Nos comentários, um usuário reclamou: em Portugal, onde ele vive, Tropa de Elite (o primeiro) só chegou aos cinemas um ano depois da estreia no Brasil. "Cara, a gente sabe disso e está ralando", responderam os produtores. "Espera só um pouquinho. Ou pede para alguém te mandar o DVD do filme". Outro espectador disse "diga não à pirataria, pois no cinema é mil vezes mais emocionante", e foi respondido com "caramba, você é caveira mesmo". A repressão e o alarmismo fizeram efeito: Tropa de Elite 2 teve a maior arrecadação do cinema brasileiro.

Três anos depois, o diretor do filme mais comentado dos últimos tempos, O Som ao Redor, mostrou que não está interessado em criminalizar quem faz cópias de seu filme. Kléber Mendonça Filho postou no Facebook que está recebendo vários e-mails e alertas de amigos avisando que seu filme está sendo pirateado. Sua reação foi diferente. "Peço que fiquem tranquilos, demos sorte. Levou um ano e quatro meses para o filme finalmente cair na rede. Faz parte", disse. O longa chegou ao iTunes e, junto com a distribuição digital legal, também "virou um arquivo de compartilhamento". Ele se nega a usar o termo pirataria. Para ele, pirataria é um "esquema comercial de venda ilegal de filmes, meio baixo astral". Ele deseja que as pessoas que cometem esse tipo de pirataria "pisem num Playmobil descalças".

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Para quem não tem lucro com o compartilhamento - e quer apenas assistir ao filme ou mostrá-lo para alguém -, ele diz que a tecnologia está disponível e deve ser usada com "sabedoria". Mendonça Filho quer estimular o acesso ao seu filme - seja com o download pago ou pirateando cópias sem autorização.

O Som ao Redor estreou em apenas 13 salas de cinema. Em pleno 2013, é provavelmente através da pirataria que muitas pessoas terão acesso ao longa - como aconteceu com Tropa de Elite, no modelo de distribuição ilegal que foi tão duramente combatido. Em um País em que grandes produções monopolizam as salas de cinema, um sistema de distribuição paralela pode ser até necessário. A repressão do estilo Tropa de Elite não faz sentido para todos.

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