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Opinião|A epopeia amazônica

Na questão do “.amazon”, a Corporação da Internet para Atribuição de Nomes e Números (Icann, na sigla em inglês) viu-se entre a frigideira e o fogo

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Atualização:
Impasse na internet entre a comunidade de países da Amazônia e a empresa de Jeff Bezos está longe de se resolver Foto: Herton Escobar/Estadão

Uma das deliciosas obras de Monteiro Lobato é Os Doze Trabalhos de Hércules. Foi nela que, na meninice (milênio passado), tive contato com as mitológicas amazonas, tribos de mulheres guerreiras que viviam na região do Ponto, costa sul do Mar Negro, próximo à atual cidade de Terme, norte da Turquia. Um dos trabalhos do herói era obter um ambicionado cinturão que Hipólita, a rainha das amazonas, possuía. E ele o conseguiu!

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Nosso rio Amazonas ganhou esse nome, lembro das aulas de história, quando o explorador Orellana foi atacado por uns indígenas liderados por mulheres. Passou a ser conhecido como “rio das Amazonas” e, por extensão, a imensa região verde que o rodeia e que atinge oito países. Há uma organização diplomática chamada Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OCTA), que é integrada por Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela.

Quanto à Internet, tudo ia bem nesse tema até que a Corporação da Internet para Atribuição de Nomes e Números (Icann, na sigla em inglês) em 2012, resolveu expandir o número de gTLDs, “sobrenomes” genéricos de nomes de domínio. Assim, além dos que representam países, como o nosso “.br” e os outros de duas letras, os genéricos, como o “.net”, o “.com” e outros, passariam a ter numerosos “irmãos”. Apareceram gTLDs como “.hotel”, “.xyz”, “.berlin”, “.rio”, e também gTLDs de marcas, com uso mais restrito às próprias companhias que os solicitaram, como “.ibm”, “.natura” e, claro, “.amazon”. 

Nas regras havia restrição quanto a pedidos de nomes geográficos e outros casos polêmicos, mas um conflito entre uma empresa e uma região não era provável. Além do potencial conflito do “.amazon”, apareceu outro em nossa área: o “.patagonia”, também solicitado. Mais uma vez a Internet colocava face a face interesses conflitantes, que só se manifestaram na rede. 

Quando países, ciosos de sua soberania sobre nomes geográficos tidos como amplamente conhecidos, viram instituições comerciais os requisitarem para uso como gTLD, foram à luta. Afinal esse é um processo excludente: há um único dono para cada TLD. O “.patagonia” foi resolvido amistosamente em conversas com Argentina e Chile, mas o “.amazon” revelou-se osso duro de roer.

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Inicialmente o Grupo Assessor de Governos na Icann (GAC) chegou a um consenso pedindo o bloqueio da solicitação da empresa Amazon. A gigante do varejo insurgiu-se e requereu um painel neutro de reavaliação. Ora, a disputa entre marcas e nomes de regiões é terreno pantanoso, e houve uma reversão: o painel sugeriu à Icann que concedesse a delegação do nome à Amazon.

Claro que a OTCA não concordou com isso. A Icann viu-se entre a frigideira e o fogo: se atendesse à Amazon, arrumava um enrosco político de vulto com oito países. Se não atendesse, provavelmente ganharia um processo multimilionário da empresa que teve o parecer favorável do painel. Na reunião de Kobe, a 64ª da Icann terminada na sexta, 15 de março, a saída possível foi esquivar-se de dar a palavra final e conceder mais um tempo para saia alguma luz das discussões. Cá entre nós, não será fácil conseguir consenso entre os países sobre qual o acordo possível e, menos ainda, que a atual pretendente, Amazon, aceite mais protelações.

Que tal chamar Hércules para um 13.o trabalho? Seria o de “deslindar o impasse OCTA x Amazon em um tempo finito”. Trabalho hercúleo!

Opinião por Demi Getschko
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