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Jornalista, escritor e palestrante. Escreve às quintas

Opinião|A irresponsabilidade do Spotify no caso Joe Rogan

Empresas devem fazer dinheiro, mas a maneira como encaram o papel na sociedade diz muito

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Atualização:
Spotify se envolveu em polêmica com podcast que divulgou desinformação sobre a vacina Foto: Shannon Stapleton / Reuters

A controvérsia envolvendo o Spotify e desinformação pode parecer com os muitos debates envolvendo fake news e redes sociais. Mas não é a mesma coisa. Porque o que o Spotify está fazendo é muito mais grave. É uma decisão ativa, pelo comando da empresa, de financiar e promover quem desinforma. Não é um algoritmo misterioso que leva as pessoas a informação incorreta. É a empresa Spotify que contratou com exclusividade, por US$ 100 milhões, o podcast The Joe Rogan Experience. E que empurra para que ouçam este programa todos que acessam o sistema, nos EUA. Este é um debate imenso que tem por fundo uma deturpação das ideias de liberalismo e, por consequência, da democracia liberal.

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Como não é um debate simples, cabe destrinchar do que se trata. Joe Rogan faz o estilo homem comum. Não é particularmente informado nem culto, mas é bom de conversa e, por isso, popular. Seus entrevistados, com muita frequência, estão entre os mais radicais conspiracionistas. Ataques a vacinas e promoção de remédios aleatórios para covid fazem parte do jogo. Os três maiores canais de notícias pagos dos EUA têm, num mês de horário nobre, pouco mais da metade da audiência que Rogan captura num único episódio.

Um podcast assim traz novos assinantes. Quem ouvia de graça, agora tem de pagar a mensalidade do Spotify. Então, como saiu caro ter a exclusividade, a plataforma promove ativamente sua estrela. Quem entra no app Spotify, nos EUA, vê logo na primeira tela quando tem episódio novo. Se Rogan deixa o Spotify, talvez perca algum dinheiro — mas seguirá milionário e com audiência gigantesca. Já o Spotify perde um atrativo. O problema não é financeiro. O problema é que desinformação sobre vacinas mata gente. Nas últimas décadas, se criou a ilusão de que, em defesa dos direitos individuais, a ideologia que dá sustento à democracia é uma de egoísmo onde só o dinheiro conta. Mas não é. Liberdade individual é importante para garantir que ninguém será oprimido. E direitos individuais servem para proteger quem é pequeno de quem é grande. Não são salvo-conduto para quem é grande passar por cima do pequeno.

Empresas devem fazer dinheiro. Mas a maneira como encaram sua responsabilidade com a sociedade diz muito. Ao escolher uma estrela que desinforma, o Spotify passa uma mensagem clara.

Dinheiro é importante. A vida de seus clientes não é. Quando você está no negócio da informação, esta escolha indica que os executivos não entenderam o que são democracias.

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