Aprendendo a programar aos 60, 70 e até aos 80 anos de idade

Não há idade para começar a 'falar' a linguagem de programação usada pelos computadores, aplicativos e sites

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Por Vivian Marino
Atualização:
Laurie Alaoui, 59, já fez cursos em HTML, CSS e JavaScript. Foto: Max Whittaker/NYT

Para algumas pessoas de idade, conseguir baixar um aplicativo ou navegar em determinados sites pode parecer motivo para uma discreta comemoração.  Mas não para Shirley M. McKerrow, empresária aposentada e política na cidade de Darwin, Austrália.

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A sra. McKerrow, 84 anos, adora a ideia de aprender a desenvolver esses aplicativos e sites. No ano passado, sob a orientação de um neto que entende tudo de tecnologia, ela começou a fazer cursos gratuitos de programação on-line na Codecademy, uma plataforma interativa que ensina linguagens de programação. 

Ela mal conseguia esconder o entusiasmo: “Estou pensando em usar minhas novas habilidades para criar cartões de aniversário personalizados, cheios de música e dança. Na verdade, posso criar cartões de vários tipos para a família e os amigos. Talvez até mesmo cartões personalizados para empresas, ou para os membros do Parlamento enviarem aos seus eleitores”.

“Tenho todo tipo de ideia”, ela continuou, “mas preciso progredir um pouco mais nas minhas habilidades antes de me empolgar”. Mesmo que os millennials sejam a grande maioria dos que querem aprender coisas como web design, programação e marketing digital – a idade média dos alunos nos boot camps, cursos de programação para iniciantes, não passa dos 30 anos –, algumas pessoas com idade suficiente para serem seus pais e avós também estão aprendendo essas habilidades.

Algumas delas, a exemplo da sra. McKerrow, fazem cursos gratuitos ou assistem a vídeos on-line. (Dos 45 milhões de usuários da Codecademy em todo o mundo, cerca de 1 milhão têm mais de 55 anos). Outras se inscrevem em cursos pela internet ou frequentam aulas em faculdades comunitárias, universidades ou boot camps.

“Dizer que há ‘muitos’ talvez seja exagero”, disse Jake Schwartz, fundador e diretor-executivo da General Assembly, que oferece treinamento em tecnologia e design on-line para pessoas e empresas em 20 localidades em todo o mundo. “Mas as pessoas de idade trazem uma contribuição bem-vinda para a dinâmica das aulas”.

Muitos programadores mais idosos querem desenvolver novas habilidades para manter o emprego ou começar uma segunda carreira. Alguns estão em busca de oportunidades de voluntariado ou apenas um hobby na aposentadoria. Quase todos os que passaram pelos rigores de tentar entender os algoritmos, a sintaxe e outros fundamentos técnicos da programação também ganharam confiança e um senso de realização, preservando e melhorando a acuidade mental.

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Liz Beigle-Bryant, 60 anos, moradora de Seattle, atribui às aulas on-line sobre código HTML e CSS – os tijolos que constroem a web – sua chance de ter um “trabalho dos sonhos” como coordenadora de controle de documentos na agência de transporte público Sound Transit. Ela acredita que essas ferramentas serão muito úteis em sua nova posição.

“Quando você tem mais idade, um dos maiores obstáculos das entrevistas de emprego é que as pessoas acham que você é inflexível, que não consegue aprender coisas novas”, disse a sra. Beigle-Bryant, que em 2011 foi demitida de um cargo de assistente administrativo na Microsoft. As aulas de programação que ela fez anos atrás na Codecademy lhe “deram uma vantagem”, disse ela. “Criei uma confiança que não tinha antes”.

Os organizadores de muitos dos quase 100 boot camps de programação do país dizem que a grande maioria dos alunos matriculados em programas de treinamento imersivo – que geralmente duram de 12 a 15 semanas e custam cerca de US $ 12.000 a US $ 15.000 – encontra emprego após a conclusão. (O programa mais popular? De acordo com o Course Report, site que monitora a indústria, “todas as fichas” estão no JavaScript, que ensina todas as etapas do desenvolvimento de softwares.)

As pessoas mais velhas também fazem parte dessas histórias de sucesso, embora hesitem mais para começar.

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Segunda carreira. “Acho que muitas pessoas se sentem desencorajadas por pensarem que são muito velhas”, disse Letta M. Raven, especialista em suporte técnico de uma empresa de software e palestrante frequente nas conferências sobre mulheres na indústria da tecnologia. Ela já viu essa relutância em alguns colegas conferencistas e até mesmo nela própria.

“Eu era considerada velha demais para esta indústria”, disse Raven, que tem 42 anos e passou por muitos empregos, incluindo chef e artista, antes de se firmar na atual carreira. Fazia tempo que ela se interessava por desenvolvimento de software, mas foi só dois anos atrás que ela se matriculou no boot camp PDX Code Guild e fez cursos em linguagens de programação, como Python, Ruby e JavaScript.

A sra. Beigle-Bryant também se lembra de ser direcionada para longe de qualquer coisa técnica e para perto das belas-artes, quando era mais nova. Programação “era uma coisa que eu queria desde os tempos de escola”, disse ela, “mas sempre me desestimularam a fazer aulas de informática”. Ela só conseguiu fazer um curso, de programação básica, em 1973.

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Programadores “não precisam ter conhecimento em matemática para serem bem-sucedidos”, disse Zach Sims, fundador e diretor-executivo da Codecademy, que oferece cursos gratuitos e avançados de programação, “não é o tipo da coisa que exige pós-graduação em Ciência”. “Tenacidade e persistência”, continuou ele, “são duas características muito importantes”.

A capacidade – ou pelo menos o desejo – de resolver problemas também é. “Você consegue destrinchar um problema e estruturar a solução de maneira lógica?”, perguntou Avi Flombaum, fundador e diretor do boot camp Flatiron School, em Nova York. Ele enxerga uma correlação entre programação e escrita criativa, curso que frequentou na faculdade: “Para escrever também é preciso seguir algumas regras. A escrita tem uma estrutura, e a gramática é uma técnica”. 

Flombaum descreve a programação como uma atividade “bem transparente”. “Ou você sabe ou você não sabe”, disse ele. “E, quando uma pessoa sabe programar, não acho que a idade seja um problema”. Mas ele acrescentou: “Aprender tudo a partir do zero pode ser difícil, tenha você 23 ou 50 anos. Ambas as faixas etárias têm de lidar com suas inseguranças”.

Steve Deddens, 71 anos, piloto comercial aposentado em Austin, Texas, pilotou caças durante a Guerra do Vietnã, mas admite que estava um pouco inseguro para embarcar em uma segunda carreira na área de programação. Ele temia não acompanhar os colegas de classe mais jovens na General Assembly, onde fez um curso imersivo há dois anos. “As pessoas da minha idade ainda têm conta na AOL”, disse ele.

Mas o sr. Deddens, que agora é engenheiro de software em uma empresa que fornece serviços de tecnologia da informação para a Microsoft, descobriu que a transição não era tão difícil assim. 

“Sempre fui bom em resolver problemas”, disse ele. “Gosto de destrinchar as coisas. Sou um engenheiro nato”. Embora os rendimentos da segunda carreira sem dúvida sejam bons, “o melhor é a alegria de fazer algo com a cabeça e se manter jovem”.

A sra. McKerrow concorda: “Acho que aprender habilidades informáticas é ótimo para as pessoas mais velhas. Não tem exigências físicas nem nada muito pesado, e o exercício mental é de extrema importância para evitar a atrofia, o Alzheimer e a demência”.

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Como começar. Um bom jeito de começar – ou, pelo menos, de ver se a programação combina com você – é participar de um meetup, eventos organizados em que as pessoas se inscrevem online e se encontram offline para discutir interesses comuns. A Codecademy, por exemplo, realiza reuniões periódicas em 300 cidades de todo o mundo.

“Me comprometi a ir todo mês”, disse Laurie Alaoui, 59, de Lincoln, Califórnia, cidade próxima a Sacramento.

Nesses encontros, ela se familiarizou com os jargões da área e pôde conhecer programadores de todos os níveis. “Na terceira vez, entendi uns 5% do que foi dito”, disse ela. “Mas ia anotando as palavras que eu não tinha ideia do que queriam dizer, voltava para casa e as pesquisava. E, então, no mês seguinte, ia de novo”. 

“Depois de um tempo, consegui entrar na conversa e entender o que eles estavam falando”, disse a sra. Alaoui, que perdeu parte dos movimentos em um acidente de carro na adolescência e estava procurando algo com menos esforço físico.

Além de participar dos encontros, ela fez cursos em HTML, CSS e JavaScript na Khan Academy, os quais, segundo ela, “são mais voltados para as crianças – eles soletram tudo”. Depois, ela se inscreveu em um dos programas imersivos da General Assembly e agora está desenvolvendo o Gets You Inc., um site que ajuda a conectar pessoas com autismo. “Foi por isso que eu quis entrar no ramo da programação”, disse ela. “Vi que você realmente pode mudar o mundo”.

Paul Gruhn, engenheiro de sistemas da Universidade de Yale e professor da Universidade Quinnipiac e do Manchester Community College, disse que alguns estudantes mais velhos têm dificuldade de acompanhar os colegas mais novos.

“Desenvolvimento de web não é para todo mundo”, disse ele, “mas é útil ter uma compreensão mais ampla da tecnologia”.

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Ter um objetivo específico também pode ajudar. Um dos alunos de Gruhn, Robert Maynard, 71, de East Windsor, Connecticut, queria fazer um blog para ajudar a promover sua campanha para o conselho da cidade. Ele decidiu entrar na política depois de se aposentar, em 2009, como analista de sistemas de uma companhia de seguros.

O sr. Maynard assistiu a três aulas no Manchester Community College (em HTML, PHP e SQL) e foi eleito em 2015. “Foi bom estar com os jovens – foi revigorante”, disse ele.

Embora o blog de sua campanha nunca tenha saído do papel, ele começou a desenvolver outros sites, reconhecidamente “sem muitos penduricalhos”, incluindo um para o Conselho Republicano de East Windsor e outro para seu filho, no Colorado. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU 

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