Armas, drogas e... reggaeton: os cartéis mexicanos entram no TikTok

A realidade sombria dos assassinatos recordes no México está longe de ser vista nos vídeos do TikTok que se tornam virais ao mostrar a cultura dos cartéis de drogas

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Por Oscar Lopez
Atualização:
Campos de papoulas que são regadas ao som de canções que glorificam a cultura do cartel de drogas mexicano Foto: Brett Gundlock/The New York Times

Filhotes de tigre e armas semiautomáticas. Pilhas de dinheiro e carros blindados. Campos de papoulas que são regadas ao som de canções que glorificam a cultura do cartel de drogas mexicano. Este é o mundo dos cartéis no TikTok, um gênero de vídeos que retratam grupos de narcotraficantes e suas atividades que está conquistando centenas de milhares de visualizações na popular plataforma de rede social.

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Mas por trás dos integrantes do narcotráfico e das gangues dançantes está uma realidade sinistra: com o México preparado para quebrar recordes de assassinatos mais uma vez este ano, especialistas em crime organizado dizem que os vídeos de cartéis no TikTok são apenas a mais recente campanha de propaganda projetada para mascarar o banho de sangue e usar a promessa de riqueza infinita para atrair jovens recrutas dispensáveis.

“É o narcomarketing”, disse Alejandra León Olvera, antropóloga da Universidade de Murcia, na Espanha, que estuda a presença de grupos mexicanos do crime organizado nas redes sociais. Os cartéis “usam esse tipo de plataforma para publicidade, mas é claro que é publicidade hedonística”.

Algoritmos impulsionam vídeos de cartéis nos EUA

Circulando nas redes sociais mexicanas há anos, o conteúdo de cartéis começou a aparecer em abundância nos feeds de TikTok nos EUA neste mês, depois que um vídeo de uma perseguição a um barco em alta velocidade se tornou viral na plataforma de compartilhamento de vídeo. Os adolescentes americanos assistiram ao vídeo de perseguição de barco na parte de recomendações (For You), que sugere vídeos interessantes aos usuários. Milhões curtiram e compartilharam o clipe. Os cliques recebidos impulsionaram o vídeo no algoritmo da página For You, o que resultou em mais pessoas visualizando o conteúdo.

E, uma vez que eles tinham assistido ao vídeo da perseguição de barco, o algoritmo começou a oferecer outro no mesmo estilo e, depois, uma enxurrada de clipes que pareciam vir de grupos de narcotraficantes no México. “Assim que comecei a curtir aquele vídeo de barco, surgiram vídeos de animais de estimação exóticos, vídeos de carros”, disse Ricardo Angeles, 18 anos, um TikToker da Califórnia interessado na cultura de cartéis. “É fascinante”, disse ele, “quase como assistir a um filme”.

Outros começaram a notar o aumento de vídeos de cartéis também e a postar reações à enxurrada de armas e carros de luxo que preenchiam seus feeds. “Os cartéis acabaram de lançar sua estratégia de marketing no TikTok?” perguntou um usuário confuso em um vídeo visto cerca de 490 mil vezes. “O novo coronavírus está afetando as vendas de vocês?”, brincou ele. 

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Questionado quanto a sua política em relação aos vídeos, um porta-voz do TikTok disse que a empresa estava "comprometida em trabalhar com as autoridades policiais para combater a atividade do crime organizado" e que removia "conteúdo e contas que promoviam atividades ilegais". Exemplos de vídeos de cartéis enviados ao TikTok para que a empresa se pronunciasse a respeito deles foram removidos em seguida da plataforma.

Embora o conteúdo de cartéis possa ser novo para a maioria dos adolescentes tiktokers, de acordo com Ioan Grillo, autor de El Narco: Inside Mexico's Criminal Insurgency (Narcotráfico: Por dentro da insurgência criminosa do México, em tradução livre), as representações online da cultura do narcotráfico datam de mais de uma década, quando o México começou a intensificar sua sangrenta guerra contra os cartéis.

Antes violentos, vídeos hoje são sedutores

No início, os vídeos eram toscos e violentos – imagens de decapitações e torturas postadas no YouTube, destinadas a amedrontar gangues rivais e mostrar às forças do governo a crueldade contra as quais lutavam. Mas à medida que as plataformas sociais evoluíram e os cartéis se tornaram mais habilidosos no mundo digital, o conteúdo se tornou mais sofisticado.

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Em julho, um vídeo que circulou amplamente nas redes sociais mostrava integrantes do brutal Cartel da Nova Geração de Jalisco em uniformes, segurando armas de alto calibre e aplaudindo seu líder ao lado de dezenas de carros blindados com as iniciais do cartel em espanhol, CJNG.

A demonstração de força surgia online ao mesmo tempo que o presidente Andrés Manuel López Obrador visitava os estados que compõem o reduto dos cartéis. “Isso é uma espécie de chute, um soco no estômago para a estratégia de segurança do governo”, disse Grillo.

López Obrador, que fez campanha com a promessa de enfrentar o crime com “abraços ao invés de balas”, até agora não conseguiu fazer uma diferença significativa na violência crescente no país, com um recorde de 34 mil assassinatos registrados só no ano passado.

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Mas enquanto alguns vídeos ainda são feitos para causar terror, outros são criados para mostrar aos homens jovens na zona rural do México os potenciais benefícios de ingressar no comércio de drogas: dinheiro infinito, carros caros, mulheres bonitas e animais de estimação exóticos. “É tudo sobre o sonho. É tudo uma questão de agitação”, disse Ed Calderon, um consultor de segurança e ex-policial mexicano. “É isso que eles vendem.”

De acordo com Falko Ernst, analista sênior no México do International Crisis Group, um think tank global, alguns dos vídeos do TikTok podem ser produzidos pelos próprios integrantes dos cartéis, especialmente jovens pistoleiros ou “sicários” ansiosos para exibir os saques da guerra.

Ainda assim, disse ele, a maioria é provavelmente filmada por jovens operadores de nível inferior nas gangues, e depois amplamente compartilhada na internet por seus amigos ou por aqueles que desejam esse estilo de vida.

Mas sejam eles feitos e compartilhados por cartéis ou simplesmente produzidos por aspirantes a gângsteres, o objetivo final é o mesmo: atrair um exército de jovens dispostos a dar suas vidas por uma chance de glória. As gangues, disse Ernst, dependem desse “mar de jovens”.

E enquanto os vídeos de armas enfeitadas com joias e carros extravagantes circulam no Instagram e no Facebook há anos, o TikTok trouxe uma nova dimensão ao gênero. “A mensagem precisa ser rápida, envolvente e viral”, disse León, o antropólogo. “A violência se torna divertida ou até mesmo é transformada em música.” / TRADUÇÃO DE ROMINA CÁCIA

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