Até a próxima, Barlow

John Perry Barlow nunca teve dúvidas de que a internet seria grande

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John Perry Barlow, que morreu ontem aos 70 anos, era um sujeito encantador. E poucas pessoas tiveram tanto impacto na maneira como a primeira geração online ainda pensa a internet quanto ele. Seu impacto foi múltiplo. Se o Brasil é um participante ativo e pioneiro das redes sociais foi porque ele distribuiu, no primeiro dia do Orkut, umas dezenas de convites para amigos brasileiros. Pegou fogo. Se o debate da neutralidade da rede garantiu que a internet flua igual para grandes empresas ou negócios de fundo de quintal, também nisto esteve seu dedo.

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Era americano até a medula. Criado em um rancho de gado do Wyoming que pertence à família há mais de um século. Cowboy de verdade, pois, criado à cavalo tocando boi, andava com ponteiras de metal na gola das camisas, botas de couro, e “fivelão”. A barba, sempre malfeita. Dirigiu, nos anos 1970, a campanha de Dick Cheney, o belicista vice-presidente de George W. Bush, a deputado federal. E, ainda assim, se considerava Cheney um amigo íntimo, também considerava Timothy Leary outro.

Mesmo velho, LSD era ainda a droga de Barlow, um hippie que jamais deixou de sê-lo. Teve tantas profissões, mas a Wikipedia o descreve, antes de tudo, como poeta. Que descrição feliz. Escreveu letras memoráveis para os Grateful Dead, a banda de rock lisérgico nascida no coração do Vale do Silício nos anos 1960 e cujo líder, Jerry Garcia, ainda é cultuado em pôsteres multicoloridos na Haight Street, de São Francisco, talvez o quilômetro quadrado mais à esquerda de todos os Estados Unidos.

O impacto de Barlow na internet nasce daí: da experiência americana, um tipo muito particular de liberalismo que nasceu por aquelas bandas na virada do século 18 para o 19. Não se trata do liberalismo das grandes empresas ou dos poderosos. É o contrário. Parte da crença na comunidade e de que, para ser livre, ela não pode ser oprimida por qualquer por qualquer poder financeiro. Seja público, seja privado.

Mas antes é preciso entender como alguém com seu perfil foi parar na internet. O Vale não fica ali, logo ao sul de São Francisco, por acidente da história. Os mesmos jovens engenheiros que tomavam ácido ao som dos Dead à noite, criavam a rede de dia. Na contracultura ou online, buscavam da mesma forma algum tipo de expansão da mente, da capacidade de comunicação, das possibilidades humanas. Hippies como Barlow se sentiram atraídos pelo digital da mesma forma que geeks como Steve Jobs se tornaram hippies. John já vivia online pelo menos uma década antes de 1994, quando a internet se popularizou.

Assim, de presto, ele enxergou naquele momento um paralelo com o nascimento dos Estados Unidos. John Perry Barlow nunca teve dúvidas de que a internet seria grande. Que estava ali a reinvenção do mundo. E um bicho político como ele, com um pé na arte psicodélica e, outro, no rancho de gado do Wyoming, negócio duro e prático, precisava se envolver.

A internet, para John, tinha dois destinos possíveis. Seria tomada de assalto pelas grandes empresas e controlada por governos. Ou seria ocupada por uma comunidade de cidadãos, que nela trafegariam, trocariam ideias e resistiriam a qualquer estrutura de poder que pudesse lhes tolher a liberdade. Não era um ideal diferente daquele proposto por Thomas Jefferson. Em fevereiro de 1996, John Perry Barlow escreveu a Declaração de Independência do Ciberespaço.

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Talvez a internet que Barlow temia esteja se concretizando. Mas, daquela luta inicial, sobrou a Electronic Frontier Foundation (EFF), a maior organização não-governamental (ONG) pela liberdade online do mundo. Ganha mais batalhas que perde. E como John fará falta.

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