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Clubhouse cria espaço para conversas abertas no Oriente Médio

Em países com limitações de redes sociais, Clubhouse tem sido escape para conversas sobre assuntos censurados

Por Vivian Yee e Farnaz Fassihi
Atualização:
O Clubhouse já foi baixado 1,1 milhão de vezes no Oriente Médio desde que foi disponibilizado em janeiro Foto: Florence Lo/Reuters

Faezeh Hashemi, política iraniana e filha de um ex-presidente, está proibida de falar publicamente no Irã. A televisão estatal não dá espaço a ela. Vigilantes conservadores invadiram suas tentativas de falar em público.

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Ainda assim, no mês passado, lá estava ela, numa reunião de seis horas e meia, para uma audiência de mais de 16 mil iranianos dentro e fora do país, clamando por um estado secular e para se retirar o poder absoluto do líder supremo do Irã.

“A República Islâmica ficou pior do que o regime do xá”, disse Hashemi, 58 anos.

Onde estava ela? No Clubhouse, aplicativo de rede social apenas de áudio que oferece aos usuários de países repressivos de todo o Oriente Médio um novo fórum para conectar, debater, desabafar e ouvir em salas de bate-papo em tempo real.

Os sauditas vêm discutindo a legalização do álcool e do aborto, ambos tabus na Arábia Saudita. Os egípcios se perguntam em voz alta o que seria necessário para desafiar seu governante autocrático. Os iranianos estão questionando autoridades do governo e compartilhando histórias de assédio sexual.

As pessoas do Clubhouse, disse um ex-vice-presidente iraniano, Mohammad Ali Abtahi, estão “praticando a democracia em tempo real”. 

Numa região onde a maioria das eleições é predeterminada, os governantes são inacessíveis, os programas de TV só dão opiniões pró-governo e outros aplicativos de mídia social são proibidos ou monitorados de perto pelos serviços de segurança do governo, o Clubhouse virou uma praça virtual.

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“Se você não consegue ter qualquer tipo de representação política ou qualquer coisa assim, pode baixar o aplicativo e conversar, ou pelo menos ouvir”, disse Eman al-Hussein, analista saudita que se declara viciado em Clubhouse. “É por isso que ficou importante. Vejo alguns nomes que passam o dia todo lá, de manhã até a noite”.

O Clubhouse já foi baixado 1,1 milhão de vezes no Oriente Médio desde que foi disponibilizado em janeiro, responsável por quase 7% dos downloads globais, de acordo com a Sensor Tower, uma empresa de análise de aplicativos móveis.

Quando eram novidades, as plataformas de mídia social como Twitter e Facebook ofereciam quase a mesma promessa que o Clubhouse.

Ativistas e acadêmicos do Oriente Médio expuseram seu potencial para fomentar o diálogo e disseminar reivindicações por mudança.

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Uma década atrás, quando manifestantes de todo o mundo árabe usaram as redes sociais para organizar e pedir mudanças e a derrubada de ditadores, a mídia ocidental batizou seus movimentos de “revoluções do Facebook” e “levantes do Twitter”. No Irã, o Twitter e oacebook ajudaram a mobilizar os manifestantes após a contestada eleição de 2009, e o Telegram e o WhatsApp ajudaram os manifestantes a se conectar em 2019.

Muitos governos do Oriente Médio reagiram aumentando seu controle sobre as mídias sociais. O Irã proibiu o Facebook e o Twitter (embora as proibições sejam amplamente contornadas, inclusive por autoridades iranianas).

O Egito e os Emirados Árabes Unidos prenderam cidadãos comuns por postar as mais brandas críticas ao governo. A Arábia Saudita utilizou exércitos de bots e trolls no Twitter para atiçar o nacionalismo e difamar os oponentes.

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Muitos usuários comuns se desconectaram, se não por medo, pela frustração de ver as plataformas invadidas por trolls do governo ou reduzidas a um palco para que oponentes políticos insultassem e ameaçassem uns aos outros.

Já há indícios de que o Clubhouse pode sucumbir ao mesmo ciclo ou ser totalmente bloqueado, como aconteceu na China.

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Omã já fez isso e usuários no Irã, Jordânia e Emirados Árabes Unidos relataram dificuldade para acessar o aplicativo. O Clubhouse recebeu críticas da mídia estatal do Egito e de apoiadores do governo na Arábia Saudita.

E, apesar de sua vertiginosa atmosfera de liberdade de expressão, existem riscos óbvios. Os usuários do Clubhouse, que geralmente se cadastram com seus nomes reais, são facilmente identificáveis e suas salas de bate-papo são prontamente monitoradas pelas agências de segurança do governo – embora, com muitas conversas simultâneas acontecendo em tempo real, possa ser uma rede mais difícil monitorar do que uma plataforma baseada em texto, como o Facebook.

Os defensores da privacidade também levantaram questões sobre os dados pessoais que o Clubhouse coleta, o que poderia ser ainda mais arriscado se governos autoritários puderem ter acesso a eles.

As conversas sobre homossexualidade e legalização do álcool no Clubhouse saudita foram gravadas e vazadas online, o que gerou críticas generalizadas. Um apresentador de talk show pró-governo no Egito proclamou que havia “descoberto” uma rede de usuários da Irmandade Muçulmana, o grupo de oposição proibido, sinal de que mais vigilância poderia estar a caminho.

Desde que os downloads sauditas do aplicativo chegaram ao ápice em fevereiro, mais usuários começaram a se inscrever sob nomes e fotos falsos, disse al-Hussein, o analista saudita. Isso pode protegê-los, mas também pode prejudicar o que os usuários dizem ser uma das principais atrações do aplicativo: que até agora ele reuniu pessoas reais, dedicadas a um diálogo civilizado, em vez de avatares sem rosto.

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A política do Clubhouse proíbe os usuários de gravar conversas sem o consentimento dos participantes, mas a empresa afirma que grava temporariamente os áudios, para investigar denúncias de violações da política. A plataforma não especificou quem pode ouvir essas gravações ou quando.

Um porta-voz do Clubhouse não quis comentar.

No entanto, algo sobre a natureza espontânea e íntima das conversas – abertas a todos, independentemente da fama ou contagem de seguidores – continua atraindo as pessoas. Longe da propaganda governamental, o Clubhouse está permitindo aos catarianos acesso irrestrito a seus vizinhos sauditas após anos de rixas acirradas entre seus países, e os egípcios agora têm acesso aos defensores da Irmandade Muçulmana.

“As pessoas queriam esse tipo de comunicação havia muito tempo, mas acho que não perceberam até que começaram a usar o Clubhouse”, disse Tharwat Abaza, 28 anos, dentista egípcio que disse ter ouvido salas discutindo assédio sexual, feminismo, saúde mental e a necessidade de educação sexual nos países árabes. “Hoje, é uma das plataformas mais livres e está nos dando espaço para discussões importantes, que devemos fazer sem medo da caça às bruxas”.

No Irã, apesar das previsões de baixo comparecimento para a eleição presidencial de 18 de junho, as salas do Clubhouse com foco nas eleições estão entre as mais populares. Milhares participam das conversas diariamente, num momento em que a campanha presencial está limitada pela pandemia.

Os candidatos à presidência organizaram eventos de campanha. O ministro das Relações Exteriores do Irã, Mohammad Javad Zarif, respondeu a perguntas. Entre outros palestrantes se encontraram o vice-presidente, um ex-comandante-chefe da Guarda Revolucionária do Irã e o ministro das telecomunicações, que negou que o governo esteja tentando bloquear o aplicativo.

“Esse Clubhouse mudou o discurso polarizado do Irã”, disse um usuário, Maziar Samaei, numa recente sala do Clubhouse. “Eu, como pessoa comum que nunca teve acesso a nenhuma autoridade, agora posso vir aqui e ouvi-las”.

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Mas talvez ainda mais notáveis sejam os outros usuários. Expulsos das câmaras de eco geográficas, sociais e políticas que os dividiram desde a revolução do Irã de 1979, iranianos comuns dentro e fora do país, políticos conservadores e reformistas, dissidentes e ativistas da oposição e líderes religiosos estão voltando a se encontrar.

“Os iranianos não se falam há algum tempo”, disse Farid Modarressi, 40 anos, jornalista reformista que apresenta uma popular sala de bate-papo sobre eleições. “No Twitter, estamos xingando uns aos outros. O Clubhouse está nos fazendo ouvir o outro lado”. /Tradução de Renato Prelorentzou

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