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Como é o acesso à internet de ex-condenados por cometer crimes online

Nos Estados Unidos há regras duras para quem cometeu crimes online mesmo depois de ter cumprido a pena; ex-condenados tentam driblar as barreiras colocadas pela Justiça

Por Heather Murphy
Atualização:
Condenados por liberação supervisionada que têm acesso a computadores ou à internet restrita, às vezes, tentam superar os que monitoram suas atividades Foto: Sonny Figueroa/NYT

Quando o californiano John Walker Lindh foi condenado em 2002 por ajudar o Taleban, não existiam nem Facebook nem YouTube. Se você tivesse um celular – e apenas 60% dos americanos tinham – provavelmente seria aquele modelo de dobrar.

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Antes de Lindh deixar a prisão, seu agente de condicional pediu ao juiz para adaptar os termos da libertação às mudanças pelas quais o mundo passou. O juiz proibiu Lindh de ter “qualquer aparelho ligado à internet sem permissão do agente de condicional” pelos próximos três anos. E mais: quaisquer aparelhos do gênero teriam que ser “monitorados continuamente”. 

Segundo duas informações de inteligência que vazaram, “em maio de 2016, Lindh continuava a pregar a jihad global”. Com base nisso, o pedido para restringir sua navegação online seria compreensível – mas ele levanta questões que vão além do caso de Lindh: Como fazer cumprir a proibição de acesso digital pelos recém-saídos da prisão? Quem vai monitorar? Quais dificuldades em  driblar a detecção? 

Aí vão algumas das respostas dadas por um hacker e um criminoso sexual que tentaram enganar os monitores, e por um agente de condicional que acompanha a atividade digital de pessoas como eles.  

Quem tipicamente sofre restrições digitais após deixar a prisão?

Depende do crime. Pessoas condenadas por crimes sexuais envolvendo a internet geralmente terão acesso restrito. A severidade e o alcance das restrições dependem de elas terem sido condenadas por tribunais estaduais ou federais, ou com base em leis locais, além de outros detalhes do caso e do juiz, disseram especialistas.

Os condenados por hackeamento, laços com o terrorismo, fraude com cartão de crédito ou outros crimes ligados à internet frequentemente também sofrem restrições.

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Como é ser monitorado durante todo o tempo ou ser proibido de usar computador?

Tommy DeVoss, de 35 anos, começou a hackear sites militares, bancários e de empresas de websites ainda muito jovem. Em 2000, ele foi posto sob uma condicional juvenil e avisado para não usar computadores ou outros equipamentos eletrônicos, incluindo videogames, até ter 21 anos.

Mas computadores eram o que mais lhe interessava, por isso continuou a usá-los de qualquer modo. “Não estava fazendo nada ilegal”, disse ele. “Apenas, obviamente, eu tinha um computador.”

Uma manhã, seu agente de condicional apareceu de surpresa. “Desmontei o computador e escondi as peças sob o colchão”, disse DeVoss. Só que se esqueceu de esconder o mouse. Acabou preso. 

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Um homem de 39 anos condenado por divulgar pornografia infantil quando estava na faixa dos 20 passou por uma experiência semelhante. Em seu caso, ele podia usar a internet, mas apenas em aparelhos autorizados, e estava explicitamente proibido de acessar pornografia. Recorreu então a hackers para fugir do software que o monitorava. 

O homem pediu para não ser identificado. O agente de condicional examinou detalhes de sua conta. O homem disse que as autoridades checaram seu disco rígido e viram que ele havia violado a proibição. Voltou para a prisão, e quando foi solto, apelou para soluções alternativas. “Às vezes elas funcionam, mas frequentemente não”, disse ele. 

Como funciona o monitoramento?

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Em casos de terrorismo, um juiz geralmente estabelece as regras e então um agente de condicional e um agente do FBI checam se está havendo violações, disse Mitchel D. Silber, ex-diretor de análise de informações do Departamento de Polícia de Nova York. Silber fundou uma organização sem fins lucrativos que visa a reabilitar extremistas.

A pessoa que faz o monitoramento digital em tempo real é tipicamente um gente de condicional (o caso de Lindh é monitorado pelo escritório de condicional do Tribunal Distrital Federal para o Distrito Leste da Virgínia). 

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A abordagem varia de distrito para distrito, disse Brian J. Kelly, agente federal de condicional e especialista em crimes cibernéticos do Distrito Leste de Nova York. Muitos agentes de condicional usam ferramentas que acompanham os toques da pessoa no teclado e buscam palavras e downloads, entre outras atividades. 

“Recebemos muitos alertas falsos”, disse Kelly. Por exemplo, se alguém monitorado lê um artigo sobre “comida pornográfica”, ou manda um e-mail queixando-se de que seu chefe usa muito a palavra f..., Kelly recebe uma notificação.

Ele constatou que com frequência uma revisão manual é mais eficaz que confiar apenas em alertas. E decidir se alguma coisa implica violação às vezes requer uma entrevista e um teste com detetor de mentiras.

Recentemente, por exemplo, ele notou que um molestador sexual estava gastando um tempo excessivo no site archive.org, que preserva antigas páginas da web. Descobriu então que o molestador tentava fugir da detecção para olhar pornografia. 

“O pior equívoco é achar que o monitoramento é um processo simples”, disse Kelly. “É um trabalho intensivo e exige muito conhecimento sobre o caso que está sendo monitorado.”

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E se uma pessoa precisar realmente usar o computador?

Silber uma vez trabalhou com um ex-membro da Al-Qaeda, hoje recuperado, foi bloqueado de entrar online durante seu período de condicional. Se ele quisesse enviar um e-mail, tinha que fazer isso na presença de seu advogado. 

Não é raro que criminosos sexuais sejam proibidos de acessar qualquer coisa na internet, o que muitos advogados acham que dificulta às pessoas tentarem retomar sua vida. Cristie Gibbens, defensora pública da Lousiânia, lutou contra uma ordem que proibia seu cliente de usar a internet pelo resto da vida e ganhou. “Ele estava impossibilitado de fazer qualquer coisa”, disse a defensora.

Outras vezes, agentes de condicional e juízes podem afrouxar as restrições tendo em vista bom comportamento, ou abrir exceções, disse Silber. 

DeVoss, o hacker, tentou que a proibição de usar computador fosse amenizada para que ele pudesse cursar faculdade. Seu pedido foi negado. Como não podia ter um emprego que envolvesse o uso de equipamentos eletrônicos, teve de trabalhar como auxiliar de cozinha de restaurante. E não podia nem mesmo bater o ponto sozinho, afirmou.  Ele agora trabalha como “caçador de vírus”, ou seja, é pago para detetar vulnerabilidades em redes de computadores de empresas. / TRADUÇÃO DE ROBERTO MUNIZ

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