Conheça os profissionais que educam crianças a largar o smartphone

Nos EUA, pais estão contratando pessoas para ensinar os filhos para brincar fora do mundo digital

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Por Nellie Bowles
Atualização:
Pais estão contratando treinadores para que crianças larguem os smartphones Foto: Brendan McDermid/Reuters

Nos Estados Unidos,alarmados com estudos feitos sobre o tempo gasto por crianças diante da tela do celular,os pais estão tentando voltar à era anterior aos smartphones. Mas não é fácil lembrar como as coisas eram nessa época. Assim, estão contratando profissionais.

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Uma novaárea da economia, o coaching (treinamento) parapais, nesse assunto, vem se desenvolvendo para atender à demanda. Consultores vão às casas, escolas, igrejas e sinagogas para lembrar como as pessoas educavam os filhos antes.

Rhonda Moskowitz, de Columbus, Ohio, é uma dessas profissionais. Ela tem mestrado em aprendizado K-12 e problemas comportamentais,uma experiência de mais de 30 anos em escolas e prática privada.

“Procuro realmente me reunir com os pais e propor coisas simples: 'Vocês tem um pano velho que pode virar uma capa? Ótimo!'”, diz ela. “Vocês têm uma bola em algum lugar? Jogue bola. Chute uma bola”.

Entre os pais abastados, o temor dos smartphones é generalizado e é fácil saber a razão. O olhar furioso dos filhos quando os pais tentam deixar o Fortnite é alarmante. Muitos pais acham que a hora do jantar não deve ser passada no Instagram.  A mídia vêm dizendo aos pais que seus filhos podem desenvolver “chifres” no crânio por causa dos smartphones. 

Ninguém sabe o que as telas farão da sociedade, de bom ou de mau. Este experimento mundial de dar a uma pessoa uma empolgante peça de tecnologia portátil ainda é novo.

Gloria DeGaetano trabalhava como coach particular, e percebeu que a demanda era maior do que poderia atender. Ela então criou oParent Coaching Institute, uma rede com 500 coaches e um programa de treinamento. Nas pequenas cidades, o valor cobrado por uma hora de aconselhamento é de US$ 80. Nas cidades grandes a sessão de uma hora vai de US$ 125 a US$ 250. Os pais em geral contratam entre oito e 12 sessões.

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“Se você interfere com a Mãe Natureza, ela vai revidar”, disse Gloria.

“Você não pode ser uma máquina. E estamos pensando como máquinas, porque vivemos nesse meio mecanicista. Não podemos criar nossos filhos de um modo excelente em termos de princípios com uma mentalidade mecanicista”, diz.

O vício da tela é o principal problema que os pais esperam que ela consiga sanar. Suas prescrições com frequência são absurdamente básicas.

“Movimento”, diz Gloria DeGaetano. “Fazem corridas o bastante que vai ajudar as crianças a verem sua autonomia? Existem brinquedos como um trepa-trepa ou uma corda de pular?”

Emily Cherkin era professora na escola secundária em Seattle quando alguns pais chegaram a ela em pânico com os smartphones e pedindo conselho. Ela fez pesquisas junto a alunos da escola secundária e professores na área.

“Percebi que havia um mercado aqui, existe uma necessidade.”, disse ela.

Ela parou de dar aulas e abriu duas pequenas empresas. Seu trabalho de intervenção é na Screentime Consultant, e agora ela possui um espaço de coworking anexo a uma sala de jogos para crianças que necessitam de Atividades Alternativas ao uso do celular (jogos com blocos e pintura).

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Em Chicago, Cara Pollard observou que muitos adultos também estavam habituados a se entreter com os celulares e esqueceram que eles na verdade cresceram sem esses aparelhos. Os clientes chegavam a ela confusos quanto ao que fazer à noite com os filhos para substituir os tablets. Ela passou aos clientes um exercício para ativar suas lembranças.

Digo a eles “lembrem das coisas que faziam quando eram crianças”, diz ela. “E é muito difícil, eles ficam incomodados com isto, mas têm de se lembrar”.

E quando voltam, trazem lembranças de quanto pintavam ou olhavam a lua quando eram crianças. “Eles dizem isto como se fosse um milagre”, disse ela.

A promessa de não usar o celular

Um movimento que lembra a “promessa de virgindade” – em moda nos anos 1990 em que as jovens prometiam esperar o casamento para ter sexo – está em efervescência no país.

Nesta versão do século 21, um grupo de pais se reúne e torna públicas promessas de reter os smartphones dos filhos até eles chegarem ao oitavo ano da escola. Em Austin, no Texas, foi criado o grupo Wait Until 8th Pledge. E temos grupos sendo formados como o Concord Promise, em Concord, Massachusetts. Os pais podem se reunir para se socializarem sem celulares na comunidadeTurning Life On.

Os pais que fazem essas promessas trabalham para promover a ideia do uso saudável do telefone e prometem abstinência total até o oitavo ano escolar dos filhos ou até mais tarde.

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A filha de Susannah Baxley está no quinto ano. “Disse a ela que só terá acesso à mídia social quando for para a faculdade”, disse Susannah, que também está organizando um grupo em Norwell, Massachusetts. Até agora, 50 pais se inscreveram.

Os pais precisam dessa pressão das promessas e dos coaches os aconselhando como agir como tal?

 “Não é tão problemático: ficar atento ao uso do seu telefone, observar de que modo ele interfere e não o deixa mais presente em casa”, disse Erica Reischer, psicóloga e coach em San Francisco. “Há uma comercialização de tudo que pode ser comercializado, incluindo este agora”.

Para ela, este novo boom de consultoria e da dependência do celular são parte do mesmo problema. “Faz parte da mentalidade que nos deixa fixados nos nossos telefones, a mentalidade da eficiência da otimização. Queremos respostas prontas: ‘diga-me o que fazer e eu farei’”.

O que parece evidente é difícil de lembrar e difícil de gravar.

“Sim, trata-se de ouvir uma coisa que é tão óbvia e eu não conseguia ver”, disse Julie Wasserstrom, mãe de duas crianças que vive em Bexley, Ohio.

Ela contratou Moskowitz e achou que seus conselhos foram úteis.

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“Ela disse coisas como, ‘está dizendo a seus filhos que nada de celular na mesa – mas o seu telefone está no seu colo?’ disse Julie. “Quando éramos crianças, não tínhamos um celular, de modo que nossos pais não poderiam ter um comportamento exemplar para nós nesse sentido. Eagora temos de aprender o que é apropriado para darmos o exemplo para nossas crianças”.

Arrume um cachorro

Richard Halpern, é um coach e trabalha em Portland, Oregon. Como orientador escolar,ele observou que a questão dos celulares era a preocupação número das pessoas que o procuravam.

E os pais com frequência pareciam frustrados pois desejavam simplesmente desligar o assunto e ficar livres de tudo. Mas Richard diz que sempre recomendava prudência.

“Eu recomendava a terem um enfoque para toda a vida. Este não é um problema e pronto. Trata-se de uma mudança do estilo de vida".

Para Richard, essa mudança com frequência é encontrar um animal e as crianças passarem seu tempo com ele e estudarem o seu comportamento.

“Digo aos pais para arranjarem um cachorro. Ou então mostrarem uma tela para seu gato. Os animais não ligam. Eles estão totalmente presentes. Estão vivendo. Este é um ótimo exemplo”.

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Ele costuma pedir para as crianças ou os adultos imaginarem como seria um gato usando um smartphone.

Pergunto a eles: “e se você olha para seu cachorro e ele está ligado no celular? Não seria nada divertido, o que acha?”/ TRADUÇÃO TEREZINHA MARTINO

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