'Esqueça a privacidade e venda seus dados', diz ex-CEO da Sun Microsystems

Scott McNealy foi fundador da Sun Microsystems, fabricante de computadores pessoais nos anos 1980, e defende nova forma de encarar os dados gerados no meio digital

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Por Guilherme Guerra
Atualização:
Veterano do Vale do Silício, Scott McNealy é o fundador da Sun Microsystems, fabricante de computadores pessoais nos anos 1980 Foto: Divulgação/Scott McNealy

Como um bordão, o americano Scott McNealy, 67, fundador da Sun Microsystems, fabricante de computadores pessoais no Vale do Silício nos anos 1980, repetiu ao Estadão, durante entrevista por videochamada, a frase que lhe tem rendido manchetes nos últimos anos: “Você não tem privacidade. Supere”.

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O executivo, que hoje circula pelo Vale do Silício como guru e conselheiro após a venda da Sun Microsystems para a Oracle em 2009, critica o tamanho e poder das Big Techs (Apple, Microsoft, Google, Amazon e Facebook). Para ele, elas têm muito domínio sobre as informações dos usuários, retirando destes o poder de decidir o que fazer com as próprias informações pessoais.

“As companhias se tornaram tão grandes que influenciam o dia a dia das pessoas”, critica McNealy. Ele diz que há um “excesso de poder de mercado” no setor da tecnologia, com muito poder para poucas empresas — e é o governo, figura atacada pelo executivo, que se diz um “capitalista fervoroso”, quem deve dissolver esse poder. 

A solução, defende McNealy, está na startup DrumWave, nascida em 2015 no Vale do Silício pela mão de dois brasileiros e um colombiano com o intuito de permitir que usuários retirem suas informações pessoais das grandes plataformas e, por meio de uma carteira digital, consigam vendê-las diretamente para outras companhias. 

“Seria maravilhoso nos cadastrarmos para dar nossos dados por um preço. Isso é poder para o consumidor, e não para o governo ou Facebook”, diz ele, que é consultor da startup, cujas operações estão planejadas para começar ainda neste ano no Brasil, apesar de a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) proibir a venda de informações pessoais. “Acredito que a DrumWave caminha para uma supermudança na balança do poder.”

Abaixo, leia os principais trechos da entrevista.

O sr. fez parte de uma onda importante de empresas de tecnologia nos anos 1980 e 1990, e então vieram Facebook, Google e Amazon. O que há de diferente?

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Houve muitas ondas, como em software e fabricação de PCs. Depois veio a internet, com a Netscape e Sun Microsystems. E depois surgiram Facebook, Twitter, Google, Amazon, Netflix. O interessante é que, a cada nova onda, as companhias ficam maiores. A Sun Microsystems chegou a valer US$ 120 bilhões, e isso hoje é nada comparado ao valor de mercado de Google ou Amazon. O escopo é muito diferente.

As 'big techs' devem ser domadas?

Sou um capitalista fervoroso, o que significa o mínimo de regulação e de intervenção governamental. (Mas) Deveria haver algum governo para intervir e criar uma rede de segurança. As companhias se tornaram tão grandes que influenciam o dia a dia das pessoas. Na minha época, empresas de tecnologia não iam a Washington.

O que deveria ser feito?

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Temos um excesso de poder de mercado. Mas como fazer isso? Quando Bill Gates e Microsoft passaram por um dos maiores acordos antitruste da história, eu não dizia que Gates era um criminoso, mas sim um monopolista. Você não coloca esses caras na cadeia nem pode punir os investidores, que não fizeram nada de errado além de investir no potencial vencedor. Deve haver algum jeito inteligente de permitir que os investidores não se arruinem, mas que elimine o poder de mercado dessas companhias. Eles precisam achar um jeito de apertar o botão de reiniciar.

O sr. acha que os dados devem ser de quem?

Eu e a DrumWave (startup brasileira que permite que usuários coloquem as próprias informações pessoais à venda na rede) pensamos diferente do resto das companhias. Acreditamos que seria maravilhoso nos cadastrarmos para dar nossos dados por um preço. Eu posso decidir com quais empresas eu posso compartilhar meus dados. Isso é poder para o consumidor, e não para o governo ou Facebook. Acredito que a DrumWave caminha para uma supermudança na balança do poder.

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Qual é o valor dos dados atualmente? É comum ouvir que é o novo petróleo.

É muito valioso. O problema é que, ao menos nos Estados Unidos, a publicidade digital é a forma dominante de propaganda. E duas companhias, o Google e o Facebook, correspondem por mais de dois terços da receita de anúncios na internet. Eles ficam mais fortes com a consolidação desses dados. Olhe para a avaliação de mercado dessas companhias. 

Como vender os próprios dados pessoais pode empoderar alguém?

De duas maneiras: coloca dinheiro no seu bolso, o que te transforma em um consumidor mais poderoso, tornando suas informações mais valiosas, já que ajuda as companhias a saber o que vender. E permite que você decida não dar os dados para o Facebook.

Como nossos dados podem estar seguros?

Você não tem privacidade. E, agora, você tem que superar isso. Não sei como você pode existir no Planeta sem que as pessoas tirem dados de você, porque tudo acontece de forma digital hoje. 

Há como consertar isso?

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A DrumWave pode. E o que ela faz é que uma companhia não precisa ter todos os dados de alguém, apenas uma pequena parte disso. Hoje, Google e outros reúnem tudo isso e vendem para a publicidade.

Hoje, o sr. é responsável pela startup Curriki, além do envolvimento com a DrumWave. Quais são as startups do futuro?

Faço muito trabalho de aconselhamento para companhias em que acredito serem interessantes. Curriki faz apresentações em código aberto e de graça para melhorar as experiências de aprendizado remoto. Outra companhia é a iCoin, que criou uma carteira para guardar ativos em criptomoedas e NFT. Outra é a Pure Watercraft, que constrói barcos elétricos. E realmente seria legal tomar um drink sobre um barco sem o barulho dos motores.

O que o Vale do Silício pode ensinar ao mundo?

É preciso ter escolas, um bom clima, um ambiente que force as pessoas a se reunir e um governo que seja solidário no início. E os governos não têm sido assim na Califórnia: eles se tornaram muito pouco amigáveis a empresas. Toda a inovação não acontece mais no Vale do Silício, e sim na China e em todas as partes do mundo.

No ano passado, vimos Jeff Bezos deixando a Amazon. Quando um fundador deve sair da sua companhia? Qual é a hora certa?

Não é uma decisão fácil, mas posso falar da minha experiência. Eu teria amado continuar comandando a Sun, e teria feito um ótimo trabalho. Talvez ainda hoje estivéssemos por aí, mas isso é um pouco arrogante da minha parte. Estávamos crescendo, ganhando fatia de mercado e gerando caixa. Eu poderia ter continuado, mas eu tinha filhos nas idades de 2, 4, 6 e 8 anos. E eu não queria deixar para minha mulher criá-los, eu queria estar presente. Essas pequenas “startups” eram tão importantes quanto a Sun. Eu não trocaria isso por nada, e fico feliz que passei esse tempo com os meninos.

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O sr. teria feito algo de diferente?

Claro. Cometo erros todo dia. Posso te contar quantas vezes eu errei, mas, se quiser saber, posso ser um conselheiro para você. Não vou fazer de graça.

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