Elas se chamam Alexa e tiveram o nome 'roubado' pela Amazon

Mulheres relatam os problemas causados em suas vidas depois que gigante do varejo decidiu batizar sua assistente digital

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Por Alexa Juliana Ard
Atualização:
Caixas de entrega da Amazon Foto: Amazon

Quando Erim Corado teve sua primeira filha, ela decidiu homenagear o namorado Alexis Morales Jr., morto depois de levar um tiro poucos meses antes da filha do casal nascer em 1993.

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Então, Erim escolheu chamá-la de Alexa Jade Morales, na esperança de dar à filha um pouco do pai que ela nunca conheceria. Alexa Morales tinha orgulho de seu nome. Mas depois que a Amazon lançou sua assistente de voz, também chamada de Alexa, em novembro de 2014, as pessoas começaram a falar com Alexa Morales de maneira diferente. Ela disse que eles faziam piadas usando seu nome, dizendo a ela comandos ou fazendo perguntas em um tom robótico.

“Quando ouço meu nome agora, não me sinto bem, fico tensa”, disse Alexa Morales, 28 anos, técnica de farmácia e estudante em Bridgeport, Connecticut.

Aproximadamente 130 mil pessoas chamam-se Alexa nos Estados Unidos. O nome se tornou popular depois que o cantor Billy Joel e a modelo Christie Brinkley o escolheram para a filha deles em 1985. Em 2015, mais de 6 mil bebês nos EUA receberam o nome de Alexa, de acordo com uma análise dos dados da Administração do Seguro Social pelo Washington Post.

Depois que a Amazon escolheu o nome para acionar sua assistente de voz, a popularidade dele despencou. Em 2020, apenas cerca de 1.300 bebês receberam o nome de Alexa. Quando perguntei a uma das três assistentes de voz da Amazon que Erim Corado tem em casa, configuradas para serem ativadas com outros nomes, sobre a razão da popularidade do nome ter diminuído, ela sugeriu que foi “talvez um resultado da associação dele com os dispositivos Amazon Echo”.

Entrevistei mais de 25 mulheres e meninas chamadas "Alexa" e vários pais de Alexas para ver como a rápida conquista de espaço da assistente de voz nos locais de trabalho e nos lares mudou seus sentimentos em relação ao nome e à identidade dessas pessoas. As Alexas que entrevistei tinham de 5 a 55 anos e vivem nos EUA, México, Canadá e em países da Europa.

Algumas eram indiferentes à associação ou se divertiam com ela. Mas a maioria estava cansada das interrupções do bot e das piadas com seu nome. Em aulas virtuais, reuniões de negócios e em testes de elenco, Alexas disseram que foram instruídas a evitar dizerem o próprio nome ou terem passado a ser chamadas arbitrariamente por novos nomes.

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Uma Alexa disse que as provocações e piadas foram aumentando até se tornarem assédio sexual.

Para mim, este é um tema extremamente pessoal. Minha mãe me deu o nome de Alexa depois de se apaixonar por ele muito antes de eu nascer, em 1994. Também passei por experiências desagradáveis depois que a Amazon transformou o nome na palavra de ativação de seu dispositivo, inclusive recebendo comandos como se eu fosse o bot. Há quase dois anos, comecei a me apresentar fora do ambiente de trabalho e de eventos familiares pelo meu segundo nome, Juliana, porque isso me conecta com minhas raízes mexicanas-americanas. Meu avô morreu em 2018. O nome de sua irmã era Julia, então, de certa forma, sinto-me mais próxima dele.

Por isso entendo Alexa Morales.

“Eles têm tanto dinheiro e tantas pessoas trabalhando para eles, e nenhuma delas pensou ‘Peraí, Alexa é um nome dado a pessoas’”, disse Alexa Morales. Em 2018, Alexa Morales começou a pedir para ser chamada de Lex. Ela também parou de fazer compras na Amazon, em parte por causa do nome do dispositivo e pelo que ouviu a respeito das condições de trabalho dentro dos armazéns da empresa.

“Não consigo mais olhar para as coisas da Amazon sem querer chutar o pacote”, disse ela.

A escolha do nome 

A escolha da Amazon pelo nome Alexa “foi inspirada na Biblioteca de Alexandria e reflete a profundidade de conhecimento da Alexa”, disse Lauren Raemhild, relações públicas da Amazon, em um comunicado, referindo-se à instituição do final da era faraônica no Egito. “Ao escolher uma palavra de ativação, levamos em consideração tanto as características técnicas segundo a perspectiva do reconhecimento de voz, como o feedback do cliente.”

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Quando questionada sobre as mulheres que afirmaram ter sido instruídas a não dizerem o próprio nome e que se sentiram desumanizadas pela palavra de ativação do dispositivo, Lauren não respondeu diretamente à pergunta.

Phillip Hunter, chefe de experiência do usuário da Amazon Alexa Skills de setembro de 2016 a março de 2018, disse que agora reconhece as consequências involuntárias da escolha.

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“Esperava-se meio que humanizar o dispositivo, mas isso acabou machucando outras pessoas”, disse Hunter em uma entrevista. “Se o seu produto está causando dificuldades às pessoas, você deve primeiro perceber isso e repensar [a escolha].”

Ele acha que a palavra de ativação deveria evitar um nome usado por humanos e ser alterada para “algo mais utilitário”. Outras empresas de tecnologia lançaram suas assistentes de inteligência artificial como mulheres. A Siri, da Apple, foi a primeira, em 2011. Em seguida, surgiu a Cortana, da Microsoft. A assistente do Google foi inicialmente configurada com uma voz de mulher.

Alexa Hagerty, especialista em ética em inteligência artificial e professora da Universidade de Cambridge, disse que as vozes femininas são vistas como cooperativas, educadas e subservientes, e as masculinas como autoritárias.

“Estamos reforçando e naturalizando estereótipos de gênero muito preocupantes e maneiras muito problemáticas de falar com uma assistente de voz feminina”, disse Alexa Hagerty, que também é cofundadora da empresa Dovetail Labs, que aplica a ciência social no desenvolvimento de sistemas de inteligência artificial com mais responsabilidade social.

Sem mudança

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Embora a Amazon ofereça outras opções de palavras de ativação, nem todos os dispositivos inteligentes da empresa, entre eles o acessório para carros Echo Auto e os fones Echo Buds, permitem a alteração. Centenas de produtos de outras empresas que usam a tecnologia da Alexa incorporada em seus dispositivos não permitem a troca da palavra de ativação.

Alexa W., que falou sob a condição de anonimato porque teme a divulgação de informações pessoais na internet se seu sobrenome for revelado, mantém uma conta no Twitter sobre o impacto do nome da assistente virtual ser Alexa. Ela disse que quando percebeu que a palavra de ativação no alto-falante da marca Sonos de sua irmã não poderia ser alterada, redigiu uma lista com pelo menos 700 outros itens que contam com uma “Alexa embutida”.

A Amazon confirmou que centenas de produtos permitem apenas o uso da palavra de ativação Alexa. “Já estamos em busca de maneiras de aumentar as opções de palavras de ativação nos dispositivos que têm uma Alexa embutida neles”, escreveu a Amazon em um comunicado.

O Portal, dispositivo de comunicação do Facebook, e os veículos da Toyota estão entre os produtos que possuem a Alexa da Amazon integrada neles. Quando questionado se as outras opções de palavras de ativação seriam necessárias, o Portal encaminhou a pergunta do Post para a Amazon. Um porta-voz da Toyota respondeu em um e-mail: “Como o recurso Alexa no carro é um serviço de terceiros, somos obrigados a seguir o que está no contrato.”

A palavra de ativação pode ser alterada nos alto-falantes Amazon Echo e nos dispositivos Echo Show em suas configurações ou instruindo verbalmente o dispositivo a mudar sua palavra de ativação para Amazon, computador, Echo ou Ziggy. Por exemplo, um usuário poderia dizer: “Alexa, mude seu nome para computador”. Nos tablets Amazon Fire, ele só pode ser alterado para Amazon.

Assédio sexual 

Enquanto navegava na Amazon em 2020, Alexa S. viu um adesivo para carro vendido no site por terceiros com o comando de cunho sexual: “Alexa, faça um b --- em mim”. A Amazon se recusou a comentar sobre os produtos em seu site com frases pejorativas em relação a Alexa.

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“Isso é algo que fiquei sabendo, mas as pessoas falam essas coisas e, depois, querem fazer piadas”, disse Alexa S., universitária,19 anos, de Toronto, que falou sob a condição de que seu sobrenome não fosse divulgado por questões de privacidade. “O fato de eles venderem adesivos que dizem essas coisas é realmente revoltante.”

Alexa S. tinha 16 anos em 2018 quando escutou cinco pedidos com conotações sexuais de adolescentes em um acampamento de verão. “Eles diziam: ‘Alexa, envie nudes para mim’, ‘Alexa, faça uma p --- em mim’, ‘Alexa, faça um b --- em mim'", disse ela em uma entrevista.

Uma mensagem em um grupo no WhatsApp convidava a brincar de um “jogo divertido” que o autor da mensagem dizia se chamar: “Ei, Alexa, faça [sic] favores sexuais.”

Alexa S. denunciou anonimamente os comentários para um líder do acampamento, que conversou com os meninos. Eles pediram desculpas, mas o que falaram ainda fere a autoestima de Alexa S., disse ela.

Alexa S. também se juntou ao grupo “Alexa is a human” no Facebook em 2020.

“O bullying não acontece do nada”, disse Alexa S. “Geralmente tem origem em outras coisas. É o que você vê, escuta, experimenta, percebe e seus colegas não veem problema.”

Perda de identidade 

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Aos 16 anos, fazendo testes para programas de TV e curtas-metragens, Alexa Brooks costumava ficar nervosa. Mas os diretores de elenco aumentaram a pressão ao pedirem que ela não falasse seu primeiro nome para evitar acionar o alto-falante da Amazon na sala. Eles disseram que se refeririam a ela pelo sobrenome.

“Parece que você é mais um problema do que uma possível solução para eles”, disse Alexa Brooks. Ela disse que sentia que não podia ser ela mesma. Ela queria ser conhecida por sua atuação, não como “A garota com o nome da [assistente da] Amazon”.

Ela não é a única. Entrevistei três casais de pais de Alexas que mudaram legalmente o nome de suas filhas. Pelo menos 10 outras Alexas, crianças e adultas, começaram a usar apelidos ou o segundo nome delas. A mãe de Alexa Brooks, Melissa Kester, sugeriu um novo nome para a filha, Harlow, inspirada em uma frase da canção “Bette Davis Eyes” de Kim Carnes.

Ela conseguiu uma mudança de nome legal no ano passado, um processo que custa algumas centenas de dólares nos Estados Unidos. Mas disse que gostava muito do nome Alexa e teria continuado com ele se não houvesse a associação com a assistente da Amazon. “Acho que há algo muito misógino e desumanizador em toda essa situação”, disse ela.

Em sua antiga cidade, Healdsburg, ela ainda é conhecida como Alexa, que passou a ser seu segundo nome nos documentos. Mas Alexa Brooks, agora com 20 anos, disse que houve momentos em que teve dúvidas a respeito de sua decisão, até que a contatei para contar sua experiência. “Na verdade, isso comprovou que não sou louca e que outras pessoas estão passando exatamente pela mesma coisa”, disse Alexa Brooks. /TRADUÇÃO DE ROMINA CÁCIA

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