Eles gastaram uma fortuna com NFTs de macacos e gatos. Será que se arrependeram?

Com desvalorização do mercado de criptomoedas, NFTs valem menos da metade de quando estavam no auge, em 2021

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Por Pranshu Verma
Atualização:
O mercado de NFTs prosperou em 2021, com investidores gastando cerca de US$ 40 bilhões em tokens Foto: Florence lo/Reuters

Durante anos, Nate Hart admirou o desenho de um gato: ele era cinza, com olhos inusitadamente grandes, estava retratado em um tablet quebrado e prestes a explodir, mas sem chamas. Então, em setembro de 2021, quando os proprietários da imagem sinalizaram que estavam dispostos a vendê-la, Hart não perdeu tempo e fez uma oferta generosa: US$ 600 mil.

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O preço não o intimidou por causa de um detalhe especial: o desenho, parte da coleção de imagens de gatos chamada CryptoKitties, é um token não fungível (NFT). NFTs são como escrituras de terrenos na internet, permitindo que os donos reivindiquem direitos por arte digital, música e fotografias. Ao certificar o ativo em um livro-razão digital, chamado blockchain, os NFTs transformaram a arte online, convertendo imagens em ativos cobiçados que podem pertencer a alguém e que, supostamente, aumentam de valor.

Na época em que a aquisição de Hart foi realizada, o mercado de NFTs estava aquecido. Celebridades criaram NFTs, a Adidas fez parceria com colecionadores famosos e Hart fazia parte de um grupo numeroso de pessoas pagando milhares – e em alguns casos milhões – para garantir sua arte digital.

As pessoas pagaram quantias impressionantes: US$ 69 milhões por um arquivo JPEG do artista digital Beeple; US$ 10,5 milhões por uma imagem pixelada que se parecia com o personagem Coringa de Batman; e US$ 5,4 milhões por um token do rosto de Edward Snowden feito com documentos do processo contra ele.

Mas com o mercado de criptomoedas despencando em US$ 500 bilhões nas últimas semanas, o hype em relação aos NFTs perdeu força. E embora seja improvável que Hart, investidor de criptomoedas conhecido como NateAlex no Twitter, venda seu NFT, ele sabe que se colocá-lo no mercado hoje, provavelmente o venderia por um valor baixo. Segundo Hart, a imagem de gato que possui não é de uma coleção cobiçada, como a dos macacos coloridos da série conhecida como Bored Ape Yacht Club ou as imagens de pessoas pixeladas conhecidas como CryptoPunks.

“É mais [uma situação de] esperar para ver o que acontece”, disse ele. “Caso se torne um artefato histórico, então será extremamente valioso. Se isso não acontecer, talvez simplesmente desapareça e se torne algo que ninguém conhece ou se importa.”

Hart não é o único. Um grande número de colecionadores pagou pequenas fortunas nos últimos meses por ativos digitais cujo valor agora está no limbo.

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Um NFT do primeiro tuíte do fundador do Twitter, Jack Dorsey, adquirido no ano passado por um investidor de criptomoedas iraniano por US$ 2,9 milhões, foi colocado à venda em leilão em abril, mas os lances só chegaram a US$ 280. Um token de um homem pixelado com óculos escuros e chapéu que foi vendido por aproximadamente US$ 1 milhão sete meses atrás conseguiu apenas US$ 138 mil em 8 de maio. Já um token digital de um macaco com um chapéu vermelho, camiseta sem mangas e sorriso com dentes coloridos – que faz parte da famosa série Bored Ape Yacht Club – comprado por mais de US$ 520 mil em 30 de abril, foi vendido por quase metade desse preço dez dias depois.

Nos últimos três anos, os NFTs foram responsáveis por um entusiasmo considerável porque seus defensores dizem que eles resolvem problemas complicados. As imagens digitais, outrora vistas como sem qualquer valor, pois podiam ser facilmente copiadas, agora podiam pertencer a alguém e ter um valor financeiro atribuído a elas. A arte colecionável, há muito vista como algo exclusivo da alta sociedade, poderia existir em redes descentralizadas e administradas pela comunidade, tornando-as mais interessantes para uma nova geração.

Mas essas grandes expectativas foram frustradas por pessoas mal intencionadas que prejudicam o setor com golpes. Em março, hackers norte-coreanos roubaram mais de US$ 600 milhões da empresa de games baseados em NFTs Axie Infinity, onde os tokens são usados para entrar no jogo e comprar complementos. Em abril, o projeto Bored Ape Yacht Club informou que hackers haviam invadido sua conta no Instagram e roubado o equivalente a US$ 2,8 milhões em NFTs.

Recentemente, contratempos de grande impacto também destruíram as expectativas dos investidores. No final de abril, a empresa por trás da série Bored Ape Yacht Club, a Yuga Labs, leiloou milhões em tokens oferecendo terrenos em um projeto de metaverso que havia iniciado. Sua popularidade fez com que o livro-razão digital em que estavam sendo registradas as negociações quase fosse desativado. O volume de operações também fez com que as taxas da transação subissem para acima do preço real do NFT em alguns casos, apontam as notícias.

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“Penso nos NFTs como pura supervalorização”, disse Peter M. Garber, economista e autor de “Famous First Bubbles: The Fundamentals of Early Manias” (As primeiras bolhas famosas: os fundamentos dos primeiros desvarios, em tradução livre). “É mais uma manipulação de ‘pump and dump’, uma operação no estilo [do filme] O Lobo de Wall Street do que qualquer outra coisa."

O mercado de NFTs prosperou em 2021, com investidores gastando cerca de US$ 40 bilhões em tokens, uma alta em relação aos US$ 106 milhões em 2020, segundo dados da empresa de inteligência em criptomoedas Chainalysis. Neste ano, os NFTs geraram aproximadamente US$ 37 bilhões em vendas até maio, mostram os dados.

Embora isso coloque as vendas em um ritmo para superar as do ano passado, algumas empresas de destaque talvez estejam impulsionando grande parte do crescimento, observaram os especialistas.

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As transações desde o ano passado têm acontecido “aos trancos e barrancos”, de acordo com um relatório da Chainalysis, com dois picos provavelmente guiando a maioria das atividades: o lançamento no final de agosto de tokens digitais do projeto Mutant Ape Yacht Club, uma coleção diferente de imagens de macacos com desfigurações em diversas cores, e um período entre janeiro e início de fevereiro deste ano provavelmente foi impulsionado pelo lançamento de um novo mercado de NFT, o LooksRare.

Desde então, as transações diminuíram bastante, segundo o relatório, caindo de US$ 3,9 bilhões, na semana de 13 de fevereiro, para US$ 964 milhões, na semana de 13 de março, com aumentos recentes provenientes do projeto Bored Ape Yacht Club para vender terrenos no metaverso, que arrecadou US$ 320 milhões em vendas.

Ethan McMahon, economista da Chainalysis, disse que isso indica que o mercado de NFTs está começando a se consolidar, com poucas empresas mantendo uma participação de mercado crescente. Os NFTs gerados por empresas menos conhecidas e sem o atrativo de celebridades estão começando a perder força. Aqueles criados com coleções exclusivas – de empresas de grande porte –, como as séries Bored Ape Yacht Club e CryptoPunks, provavelmente vão manter sua valorização com seu grande apelo, apoio financeiro, parcerias com marcas tradicionais, como a Adidas, e colaborações com celebridades.

“As coisas estão mudando”, disse ele. “[O que] temos visto é a consolidação das coleções mais conhecidas de NFTs de empresas de grande porte.”

Os CryptoPunks ficaram conhecidos pelas imagens pixeladas entre os NFTs Foto: Florence Lo/Reuters

Nos últimos dias, vários especialistas em criptomoedas também chamaram atenção para o fato de a queda acentuada das moedas digitais ter feito o mercado de NFTs de empresas de grande porte – aqueles que são vendidos por milhares ou até milhões – estagnar. Menos milionários de bitcoin, eles disseram, significa menos gastos com compras de luxo, como NFTs de preços elevados.

David Hsiao, CEO da revista sobre criptomoedas Block Journal, disse que vendeu toda a sua coleção de NFTs há mais de duas semanas com um lucro de cerca de US$ 165 mil. Ela contava com a foto premiada de um macaco com um olhar preguiçoso, óculos, camisa de colarinho e colete verde – fazia parte da coleção Bored Ape Yacht Club – que ele comprou por cerca de US$ 210 mil em outubro. Hsiao disse que o mercado de ativos digitais parece desanimador nos próximos dias e queria limitar os danos vendendo agora.

Ele também disse esperar que o mercado de NFTs passe por dificuldades devido à queda do preço das criptomoedas, acompanhada de outras condições como a inflação, a perspectiva de aumento das taxas de juros, a pandemia e a guerra entre Rússia e Ucrânia. Depois de vender seus NFTs, ele converteu seus lucros em USD Coin, uma criptomoeda atrelada ao dólar americano.

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“Se entrarmos em uma recessão de verdade, os NFTs serão os primeiros a perder valor”, disse ele. “As pessoas não vão valorizar a arte, sobretudo em uma nova era da arte digital, quando há muito mais problemas no mundo.”

Alguns setores, como o de videogames e o mercado de arte de alto nível, consideram os NFTs úteis e com probabilidade de reter valor.

Noah Davis, que lidera o departamento de NFTs na Christie's, disse que a casa de leilões venderá os ativos digitais por um longo tempo. Eles planejam realizar eventos a cada seis meses em Nova York, Londres e Hong Kong, onde venderão tokens de obras de arte, e também estão em parceria com o OpenSea, um mercado NFT.

Os NFTs resolvem um problema essencial, disse Davis, pois “dão força a bens efêmeros em uma época na qual as pessoas tendem a favorecer a vida virtual”, mas ele concorda que há pessoas que perderão muito dinheiro ao realizar maus investimentos.

“Este é um mercado particularmente democrático e aberto e, sem dúvidas, é afetado pelo hype e pela síndrome de FOMO”, disse ele, usando a sigla em inglês para “medo de ficar de fora”. “E as pessoas tomam decisões ruins em todos os mercados.”

Deepak Thapliyal, CEO da empresa de criptomoedas Chain, que comprou um NFT raro de um alienígena pixelado em fevereiro por US$ 23,7 milhões, não está com medo. “Não me arrependi da minha decisão de comprar um Alien CryptoPunk raro”, disse ele em comunicado ao Washington Post. “É uma peça rara de arte digital que terá uma vida inteira de valor para quem a contemplar.”

Enquanto isso, Frank Chaparro, o colecionador de NFTs que trabalha para a empresa de notícias sobre criptomoedas The Block, disse que gastou mais de US$ 20 mil com sua coleção de NFTs, que inclui tokens como os Froyo Kittens, imagens de gatos dentro de tigelas.

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Atualmente, eles talvez não tenham muito valor, disse ele. Mas Chaparro afirmou não estar preocupado porque o que lhe motivou a comprar esses NFTs não foi o desejo de ganhar dinheiro, mas o fascínio causado pelas características da imagem e a comunidade que eles criaram.

“Dá uma dorzinha? Claro”, disse Chaparro. “A gente quer que aquilo que temos seja valorizado, mas pense em todas as coisas que você gosta de ter que, na verdade, não têm valor, mas dizem algo sobre você.”/TRADUÇÃO DE ROMINA CÁCIA

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