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Elon Musk transforma-se em herói entre entusiastas de tecnologia na China

CEO da Tesla chama a atenção em um momento de desilusão com a indústria da tecnologia e seus principais magnatas

Por Raymond Zhong
Atualização:
Musk é conhecido por suas ideias e negócios mirabolantes Foto: AFP

A China está tendo seu momento techlash (forte reação negativa contra as principais empresas de tecnologia). Mas há uma figura da tecnologia que conseguiu manter o público chinês sob seu domínio, cuja mistura de garoto travesso e ousado capitão da indústria parece feita sob medida para esta época de sonhos frustrados e desilusão: Elon Musk.

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Os gigantes da internet do país, antes celebrados como motores da vitalidade econômica, agora são desprezados por explorar os dados dos usuários, tratar mal os trabalhadores e reprimir a inovação. Jack Ma, cofundador do titã do comércio eletrônico Alibaba, não é mais admirado, com suas empresas sob o escrutínio do governo pelas maneiras como garantiram seu controle sobre a segunda maior economia do mundo.

“Elon Musk pode lutar contra o sistema e se tornar o homem mais rico do planeta - e evitar ser derrotado no processo”, disse Jane Zhang, fundadora e CEO da ShellPay, uma empresa de blockchain em Xangai. “Ele é a esperança de todos.”

Seja por esperança, inveja ou curiosidade mórbida - como espectadores esperando ver um de seus foguetes cair em uma explosão de fogo - a China não se cansa de Musk. Os carros elétricos da Tesla são sucesso de vendas no país, e as crescentes ambições espaciais do governo geraram uma comunidade de fãs que acompanham todos os lançamentos da SpaceX.

As mídias sociais estão repletas de vídeos e artigos questionando se o bilionário sul-africano é um pioneiro ou uma fraude e analisando tudo, desde como ele foi criado até o que escolheu comer em Pequim. Os fundadores de startups juram seguir sua crença no “pensamento dos primeiros princípios”, que busca soluções examinando os problemas em seu nível mais fundamental. Uma pilha de livros de autores chineses promete revelar os segredos do “Homem de Ferro do Vale do Silício”, apelido que parece ter pegado na China, o que não aconteceu com "rei de Marte" ou "homem-foguete".

Em um longo fio sobre Musk no site de perguntas e respostas Zhihu, um usuário chamado Moonshake escreveu que a maioria das pessoas começa cheia de esperança, mas gradualmente aceita a “mediocridade” que é seu destino.

“Apenas um super-homem como Musk pode passar da mediocridade sem fim e seguir em direção ao infinito, para ver a magnificência do universo”, escreveu Moonshake.

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Outro usuário no mesmo fio disse que deu o nome de Elon a seu filho para expressar sua admiração. Ele não respondeu a mensagem enviada solicitando mais informações.

A fábrica gigante da Tesla perto de Xangai iniciou a produção em 2019 e ajudou a aumentar a capacidade de produção da empresa. Quando o preço das ações da Tesla atingiu um novo recorde em janeiro, tornando Musk o homem mais rico do planeta, os fãs chineses reivindicaram o crédito. (A reação de Musk à notícia - "Bem, de volta ao trabalho ..." - foi curtida 22.000 vezes na rede social chinesa Weibo.)

Mais tarde naquele mês, quando Musk apoiou a alta nas ações da GameStop, muitos na China ficaram fascinados, atraídos pelo drama devido à mesma desconfiança em relação às grandes instituições financeiras.

“O Occupy Wall Street nunca poderia ser copiado na China”, disse Suji Yan, empresário e investidor em Xangai. Para fazer isso, "você teria que ir às ruas", disse ele. Comprar ações como forma de protesto é mais seguro.

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'Techlash'

O desânimo que muitos trabalhadores chineses da tecnologia sentem em relação à sua indústria é agravado pelo sentimento de que ela não está mais inventando ou inovando de verdade. Enquanto Musk está construindo carros futuristas e colonizando o cosmos, eles veem as melhores mentes de sua geração projetando jogos para celulares, descobrindo como colocar mais anúncios nas redes sociais e especulando no mercado imobiliário.

“A China não tem mais os loucos do Vale do Silício”, disse Yan. Os chefes de tecnologia "se tornaram todos bonecos de papelão", afirmou, e os investidores não levarão em conta ideias que parecem remotamente "malucas".

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Os seguidores de Musk formam um grupo apaixonado em todos os lugares. Mas na China sua popularidade é ajudada pela adoção da Tesla pelo governo autoritário - e vice-versa - quando os Estados Unidos e a China nunca confiaram menos nas empresas de alta tecnologia um do outro.

Musk elogiou a inteligência das autoridades chinesas que conheceu enquanto se preparava para abrir a fábrica de Xangai. A empresa foi a primeira montadora estrangeira na China que teve permissão para operar sua fábrica sem um parceiro local.

As pessoas na China ficaram maravilhadas com a maneira como Musk lidou com as autoridades intransigentes do país. Eles têm sido mais críticos em relação à maneira como às vezes ele trata seus próprios trabalhadores. Musk atacou no ano passado as autoridades de saúde da Califórnia que exigiram que uma fábrica da Tesla ali permanecesse fechada por causa das preocupações com o novo coronavírus. A empresa também foi investigada por acidentes de trabalho e discriminação racial.

Musk e Tesla não responderam a e-mails solicitando entrevistas.

'Involução'

A frustração com os gigantes da tecnologia é parte de um mal-estar mais vasto na China. Para muitos jovens, décadas de crescimento econômico vertiginoso parecem ter resultado apenas em uma competição mais acirrada por oportunidades, menos estabilidade e menos voz ativa sobre o rumo de suas vidas.

Na internet chinesa, o termo que captou o clima foi “involução”, anteriormente usado por antropólogos para descrever sociedades agrárias que cresciam em tamanho ou complexidade sem se tornarem mais avançadas ou produtivas.

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O sentimento entre os jovens chineses de que estão lutando mais por uma chance menor de ganho material os leva a esperar "reorganizar a vida de uma maneira diferente", disse Biao Xiang, que estuda mudança social na China e é diretor do  Instituto de Antropologia Social Max Planck da Alemanha.

Além de criticar a cultura de trabalho de alta pressão do setor de tecnologia e os abusos trabalhistas da economia compartilhada, os jovens chineses são mais céticos em relação à vasta influência que plataformas de internet como o Alibaba exercem sobre o comércio e as finanças. Ainda assim, Xiang acredita que as pessoas na China não se voltaram contra as empresas que oferecem avanços tecnológicos de natureza mais tangível, razão pela qual o otimismo industrial de Musk ainda é atraente.

“Eles não são realmente contra a tecnologia”, disse Xiang. “Eles são mais contra esse tipo de manipulação das relações sociais no estilo das plataformas.”

A China não carece de magnatas da tecnologia com opiniões fortes. O que acontece é que suas carreiras nunca parecem ir muito longe sem ter problemas.

Há Justin Sun, o gênio da criptomoeda que pagou US$ 4,6 milhões para jantar com Warren Buffett, mas depois se desculpou pela "autopromoção excessiva". Ou Jia Yueting, que se propôs a superar a Apple em smartphones e ficou enterrado em dívidas. Até Ma, do Alibaba, parece ter ajudado a catalisar a repressão do governo contra ele ao falar um pouco abertamente demais em um evento sobre sua irritação com os reguladores.

Ainda assim, o estilo despreocupado de Musk provavelmente atrairia pouca atenção na China, caso ele não fosse visto como alguém que tenta resolver grandes problemas para a civilização, como a energia sustentável. Em um país onde a maioria das pessoas viu a nova tecnologia trazer grandes melhorias para suas vidas, há menos cinismo sobre o futuro distante do que no ocidente. / TRADUÇÃO DE ROMINA CÁCIA

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