“Encontrei um parente ‘perdido’ fazendo reportagem para o Estadão”

Repórter do jornal encontrou muito mais do que informações genéticas durante reportagem sobre testes de DNA

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Por Bruna Arimathea
Atualização:
Raphael começou a busca por seus pais biológicos pelo teste de DNA Foto: Gabriela Biló/Estadão

Quando eu fiz um teste de DNA, em julho do ano passado, para escrever sobre o assunto, a última coisa que eu imaginei foi me tornar uma personagem dela. Descobri o que se espera de testes do tipo: minha ancestralidade — de onde vinha a mãe de todas as outras mães da minha família e para onde ela foi até dar origem a esta história. E também encontrei minhas “preferências” alimentares e os remédios que posso tomar ou não.

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A princípio, passei pelo processo padrão da coleta do DNA: o kit chega pelo correio, com um bastão coletor (aquele que parece um cotonete), um tubo recipiente para guardar o material e o envelope de retorno. Depois de dois meses, os resultados estavam disponíveis na plataforma e comecei a mergulhar na curiosidade de cada dado. 

Alguns desses resultados me confirmaram coisas que eu já sabia, o que foi ótimo. Tinham coisas que ninguém acreditava, como não comer certas verduras porque eram ‘ruins’ — o teste identifica uma mutação no gene TAS2R38, que indica uma percepção aguda do gosto amargo. Outros revelaram que, apesar do meu pouco treinado “porte atlético”, tenho ótimos índices de resistência para praticar exercício.

Enquanto para mim o teste trouxe dezenas de fatos curiosos, para outra pessoa os meus dados foram uma peça de um quebra-cabeças complexo — é aí que essa história ganha um contorno totalmente inesperado. 

Na véspera de Natal de 2020, recebi um e-mail do Raphael Dantas, 36. Ele tinha uma história que para mim era inesperada, mas que é muito comum no Brasil.

Ao nascer, em 1984, ele foi abandonado na maternidade e acolhido por uma família de Goiânia, que procedeu com a adoção sem muitos registros — antes de 1988, quando a Constituição foi modificada, bastava se apresentar ao cartório com os documentos dos pais e registrar a criança — é o que é chamado de “adoção à brasileira”. 

Para descobrir sua história, Raphael tentou diversos meios: falar com a maternidade onde nasceu, procurar por documentos de seus pais biológicos e o teste de DNA. No hospital, seus registros de nascimento já haviam sido queimados, porque passaram do prazo de retenção. Documentos dos pais biológicos não foram encontrados. No teste de DNA ele me encontrou — aparentemente somos parentes em 4.º grau. Eu sou a única pessoa com ligação biológica que ele conhece.

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Vale dizer: ele só me encontrou porque a plataforma permite que eu deixe minhas informações disponíveis em uma aba específica para busca de parentes que também fizeram o exame. Ela é muito objetiva: nome, grau de parentesco e e-mail. Eu optei por compartilhar meus dados para essa busca — nem todo mundo precisa aceitar entrar nesse banco de informações. 

Voltando à história: Raphael me pedia por informações sobre meus pais, avós, bisavós ou quaisquer dados que o pudessem ajudar na busca. Com o exame, ele descobriu que a maioria de seus antepassados eram do Ceará e que sua ligação comigo provavelmente vinha da minha família materna. Pois bem, minha família materna inteira vem de Ceará e Pernambuco. 

Comecei, então, uma investigação pessoal para tentar ajudar meu primo. Perguntei para tios, avós, fiz um interrogatório com minha mãe, mas não conseguimos chegar em nada muito concreto — a família é grande e sem muitos contatos. 

Depois de tentar plataformas internacionais com bancos de dados e mensagens para outros possíveis parentes, Raphael diz que não pretende mais gastar tanta energia com isso—embora ainda tenha vontade de saber exatamente de onde veio. Hoje, ele tem esposa e um filho de 17 anos — seu único vínculo sanguíneo — e entende que sua família é mesmo quem o criou. Concordei com o meu primo sobre a mudança de rumo durante uma chamada por vídeo. Ele me disse que estava feliz e que acreditava em coisas místicas. Ali eu virei sua família também.

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