Ensinar receitas simples e rápidas pela internet vira negócio para youtubers

Vídeos sobre comida se tornaram solução para brasileiros que precisam economizar durante o período de crise; evolução no formato dos vídeos, que ficou mais dinâmico, também atrai pessoas em busca de opções de entretenimento nas redes sociais

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Por Matheus Mans
Atualização:
Danielle Noce, youtuber com mais de 1,5 milhão de seguidores Foto: Gabriela Biló/Estadão

A aposentada Jane Loures ficou incomodada com as dezenas de livros de receitas escondidos nas gavetas. Elas eram fruto de décadas de trocas de informações com amigas e vizinhas. Jane queria fazer com que aquelas receitas ganhassem vida nas mãos de outros cozinheiros. A solução foi criar um canal de receitas no YouTube, onde ela ensina receitas triviais às pessoas, como bife acebolado e gelatina mosaico. Um ano após a criação do canal, Jane já tem 800 mil seguidores e consolidou-se como um dos principais nomes da nova onda de cozinheiros digitais.

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Os vídeos de receitas ganharam a internet em 2011, quando os canais Ana Maria Brogui e Dani Noce começaram a se aventurar no YouTube. No último ano, porém, o segmento decolou. De acordo com o YouTube, vídeos de culinária já atraem mais de 36 milhões de usuários únicos por mês – o segmento supera o de beleza, que possui 33 milhões de usuários únicos. Entre 2015 e 2016, o total de visualizações dos vídeos de culinária subiu 19%, chegando a 42 milhões mensais.

“Os canais de culinária são cada vez mais importantes para a plataforma e tem alto potencial de crescimento”, afirma a diretora de parcerias do YouTube, Fernanda Cerávolo. “A culinária superou o simples ato de cozinhar e virou uma nova forma de comunicação.” 

Caio Novaes é um dos pioneiros do segmento de vídeos culinários no YouTube e hoje tem mais de 2,5 milhões de seguidores em seu canal Foto: Matheus Mans/Estadão

Apesar da crise. Para produtores de conteúdo e especialistas, o crescimento em importância da culinária na web nos últimos anos foi influenciado por, pelo menos, dois motivos principais. O primeiro, e mais imediato, é a necessidade dos brasileiros em cozinhar mais em suas próprias casas devido à crise econômica no País. No total, segundo o YouTube, 58% dos espectadores de canais de culinária são de classe B: são pessoas com acesso à internet, mas que agora têm menos dinheiro para comer fora com frequência.

“A diminuição do poder de compra do brasileiro levou muita gente a procurar alternativas mais baratas”, afirma Caio Novaes, criador do canal Ana Maria Brogui, que nasceu em 2006 como uma paródia da apresentadora de TV Ana Maria Braga. “Isso levou muita gente a consumir o conteúdo gastronômico na internet para procurar novas opções de pratos para o dia a dia.” Hoje, Novaes tem 2,5 milhões de seguidores.

Essa busca por informações sobre como fazer pratos do dia a dia fez canais como o de Jane ganharem relevância dentro do YouTube e também permitiram o surgimento de novos formatos de vídeo compartilhados em redes sociais, como o Facebook. Com a popularização dos smartphones, donas de casa também passaram a buscar inspiração na web para cozinhar. Muitas delas tentam relembrar receitas da infância ou mesmo tentam inovar em pratos triviais, como macarrão. 

“Meu canal é de receitas baratas, do dia a dia”, afirma Jane, em entrevista ao Estado. “Quem me assiste não é gente rica, é a dona de casa que quer saber o que fazer pro almoço, quer aproveitar o que tem na geladeira. São ideias para ajudar quem não têm condições.” 

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Passatempo. Outro motivo para tamanho sucesso dos vídeos está no formato: em vez de seguir os passos de Palmirinha e Ana Maria Braga, com vídeos longos e detalhados, osyoutubers adotaram uma linguagem mais simples e vídeos mais curtos. As pessoas conseguem aprender a fazer um prato em poucos minutos.

Para a gerente digital do canal GNT, Fabiana Gabriel, isso transformou os programas de culinária em uma opção de entretenimento mais agradável. “Os conteúdos digitais são atraentes, provocam sensações, memórias de infância, induzem a gula”, diz Fabiana. “São vídeos bonitos de ver e altamente compartilháveis.”

Para Dani Noce, youtuber com mais de 1,5 milhão de seguidores, transformar a gastronomia em entretenimento estimula as pessoas a cozinhar. “Mais pessoas se inspiram a colocar a mão na massa”, afirma ela, que se especializou em doces requintados. “O doce sempre faz parte de momentos de celebração. É quase como fazer um presente para os outros.” Segundo ela, cerca de 60 mil pessoas já postaram fotos em redes sociais com pratos feitos a partir de receitas de seu canal.

Sucesso. Para alguns dos youtubers mais populares do mundo da gastronomia, a explosão no consumo de vídeos trouxe consequências que extrapolam o mundo virtual. Dani já lançou três livros de receitas. O mais recente, Por uma vida mais doce (Editora Melhoramentos), vendeu mais de 10 mil cópias em apenas uma semana após o lançamento, em novembro do ano passado. “A presença na web é o que me dá prestígio”, afirma a youtuber.

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O chefe de cozinha Leonardo Young, que venceu a terceira edição do programa de TV de batalhas culinárias MasterChef, tenta seguir caminho similar. Ele acaba de lançar seu livro de receitas e, segundo conta, as redes sociais tem sido o grande propulsor de seu livro – ele criou seu canal no YouTube há dois meses e tem 50 mil seguidores. Segundo ele, mais de 8 mil unidades do livro já estão consignadas nas livrarias. “Acredito que é fruto da divulgação que fiz nas minhas redes”, afirma Young. Ele quer usar a popularidade para atingir objetivos mais ambiciosos. “Penso em projetos futuros, como ter um restaurante próprio.”

Fazer sucesso no mundo offline, com seu próprio livro de receitas caseiras, também está nos planos da youtuber Jane. “Criei um canal no YouTube, pois não consegui fazer um livro com as minhas receitas”, conta a aposentada, que não revela a idade. “Eu espero que, com o sucesso do meu canal, eu consiga realizar meu sonho.”

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