Entenda por que o WhatsApp foi parar no Supremo Tribunal Federal

Bloqueios judiciais ao aplicativo de mensagens são tema de duas ações tramitando no Supremo Tribunal Federal, que pediu audiência pública sobre o assunto

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Por Bruno Capelas
Atualização:
O aplicativo de mensagens WhatsApp será tema de audiência pública no STF nesta sexta-feira, 2. Foto: Reuters

Nesta semana, um tema diferente será discutido no Supremo Tribunal Federal: os bloqueios judiciais ao aplicativo de mensagens WhatsApp. Entre a próxima sexta-feira, 2, e a segunda-feira, 5, 23 especialistas, entidades e empresas vão se pronunciar em uma audiência pública em Brasília, que servirá para dar subsídios aos ministros Edson Fachin e Rosa Weber.  Eles são os relatores de duas ações que correm atualmente no STF sobre as suspensões seguidas que o aplicativo de mensagens já teve no País -- foram três, entre dezembro de 2015 e julho de 2016. Entre outros, a audiência pública terá até a presença de Brian Acton, cofundador do WhatsApp, que vem a Brasília para defender sua empresa e a tecnologia de criptografia utilizada por ela. A seguir, o Link explica os principais pontos do assunto. Afinal, por que o WhatsApp foi parar no STF?   Entre dezembro de 2015 e julho de 2016, o WhatsApp foi três vezes suspenso no Brasil por ordens judiciais -- nos três casos, porque o aplicativo descumpriu ordens anteriores para entregar a juízes de primeira instância informações ou conteúdo de comunicações feitas por meio do aplicativo, importantes para investigações criminais. Mesmo ficando fora do ar por apenas algumas horas, a suspensão do aplicativo afetou diretamente o cotidiano dos brasileiros -- nas três oportunidades, o WhatsApp voltou ao ar por decisões de instâncias superiores. Na última delas, quem decidiu o retorno do aplicativo foi o ministro Ricardo Levandowski, do Supremo Tribunal Federal. Dois partidos políticos -- o Partido Popular Socialista (PPS) e o Partido da República (PR) -- entraram com ações no Supremo Tribunal Federal, pedindo que a corte se pronuncie sobre o assunto. “Começou a se perceber que os bloqueios eram estratégia recorrente por parte do Judiciário. Os dois partidos políticos instaram a corte a se pronunciar se essa é uma estratégia que pode ser usada”, explica Dennys Antonialli, diretor do Internet Lab, centro de pesquisa em direito e tecnologia.

 Que ações são essas?   A ação iniciada pelo PPS é uma arguição de princípio fundamental (ADPF), e foi movida para questionar, inicialmente, o bloqueio do WhatsApp pedido pelo juiz Marcel Maia Montalvão, de Lagarto (SE), em maio de 2016. Nesse tipo de ação, diz Antonialli, a discussão fica em torno de se uma ordem judicial, de alguma maneira, fere princípios fundamentais da Constituição -  no caso específico, se o bloqueio do WhatsApp fere o direito de comunicação dos brasileiros. “O Supremo Tribunal Federal é o guardião da interpretação da Constituição Brasileira”, explica Carlos Affonso de Souza, diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro (ITS-Rio). Essa ação tem relatoria do ministro Edson Fachin. Já a ação iniciada pelo Partido da República questiona dois incisos específicos do Marco Civil da Internet, lei que é chamada pelos especialistas de “Constituição da internet brasileira”. Os dois incisos -- presentes no artigo 12 -- foram usados por vários magistrados como base para os pedidos de bloqueio do WhatsApp. “É uma interpretação polêmica”, diz Affonso. “O artigo 12 se refere apenas às atividades de coleta de dados dos usuários, e não necessariamente a todas as atividades do aplicativo”, opina o diretor do ITS. No entanto, caberá à relatora Rosa Weber se manifestar sobre o assunto em seu relatório. As duas ações, porém, serão decididas por votos em plenário, com a participação dos 11 ministros do STF.   Qual é a diferença entre as duas ações?  A principal diferença entre as duas ações, explica Dennys Antonialli, é que a ação relatada por Fachin diz respeito a uma discussão concreta: se os bloqueios do WhatsApp foram ou não constitucionais. Aqui, os efeitos são pouco previsíveis: em seu voto, Fachin pode discutir bloqueios ao WhatsApp, a aplicativos de mensagens ou até mesmo a todos os aplicativos. “É difícil prever”, avalia Antonialli. Já a ação relatada por Rosa Weber é abstrata, e discute os termos dos incisos do Marco Civil da Internet: se o STF entender que eles são inconstitucionais, eles são anulados e passam a não valer mais. “Se isso acontecer, é como se o Artigo 12 só tivesse dois incisos”, explica o diretor do Internet Lab.   Eu não quero que o WhatsApp seja bloqueado. Quem defende isso?   O WhatsApp se tornou, nos últimos anos, um aplicativo muito importante na comunicação entre os brasileiros. Para autoridades de investigação, seria importante ter uma forma de acesso às comunicações no aplicativo -- da mesma forma, por exemplo, que hoje existe o sigilo telefônico. “Algumas autoridades entendem que o bloqueio, em última medida, é uma iniciativa que pode ser implementada, para forçar as empresas a implementar medidas que permitam acesso às comunicações dos usuários”, explica Carlos Affonso, do ITS. No entanto, o especialista faz um alerta: “não há garantia de que uma ‘porta dos fundos’ (back door, no termo em inglês) para autoridades de investigação em um aplicativo vá aumentar a segurança. Pelo contrário: se há um backdoor no WhatsApp, os criminosos vão parar de usá-lo, mas a privacidade do usuário comum fica comprometida”.   O que o WhatsApp diz sobre o assunto?   O WhatsApp afirma que não tem como entregar as informações às autoridades brasileiras porque não armazena em seus servidores as comunicações de seus usuários -- elas apenas ficam com a empresa enquanto a mensagem não é entregue ao destinatário. Além disso, a empresa usa criptografia de fim a fim, na qual a mensagem é decodificada apenas quando chega ao destinatário. No entanto, por ter representação legal no Brasil, o WhatsApp é obrigado pelo Marco Civil da Internet a armazenar os dados de acesso de seus usuários por um prazo de seis meses -- os chamados metadados, que informam, por exemplo, data, hora, e endereço IP de quando uma mensagem foi enviada.   Além do WhatsApp e das autoridades de investigação, quem mais vai falar na audiência pública?  Estão previstos posicionamentos de 23 entidades diferentes. Entre elas, estão empresas - o Facebook Brasil e o WhatsApp Inc. -, membros da academia, como professores da USP, Unicamp e da Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro, entidades da sociedade civil, como o Instituto de Tecnologia e Sociedade e o Internet Lab, o Comitê Gestor da Internet no Brasil e organizações de defesa do consumidor, como o Idec. Além disso, órgãos do governo, como o Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovação e Comunicações, também vão se pronunciar sobre temas como proporcionalidade e eficácia dos bloqueios e o uso de criptografia em aplicativos de mensagem.   As decisões do STF valem para todos os aplicativos ou só para o WhatsApp?  É difícil dizer. No caso da ação relatada pelo ministro Edson Fachin, explica Dennys Antonialli, é preciso entender qual será o foco da discussão quando o ministro apresentar seu voto em plenário. “No entanto, mesmo que a decisão não seja vinculante, uma decisão do STF tem muito poder de jurisprudência”, diz o especialista. Já no caso da ação relatada pela ministra Rosa Weber, a decisão vai recair sobre o texto do Marco Civil da Internet.   Há alguma previsão para essas decisões serem tomadas?  Não.  A audiência pública serve apenas para captar informações de um tema importante para a sociedade, mas não determina que a ação vá ser julgada instantaneamente. No entanto, dada a popularidade e relevância do WhatsApp no País, é possível que as duas ações ganhem espaço na pauta do STF em breve. 

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