EUA derrubam neutralidade da rede e causam reação de empresas e ativistas

Com a mudança, a internet deixa de ser tratada como um serviço de utilidade pública e passa a ser classificada como um serviço de informação

PUBLICIDADE

Por Claudia Trevisan e correspondente em Washington
Atualização:
O presidente da FCC Ajit Pai à direita, durante a votação que marcou o fim da neutralidade da rede; sessão teve de ser evacuada por motivos de segurança Foto: AP

A agência que regula telecomunicações nos EUA decidiu nesta quinta-feira, 14, acabar com o princípio da neutralidade na internet, que até agora garantiu que a rede funcione de maneira aberta e igualitária. Com a mudança, os provedores poderão escolher os conteúdos que trafegam em suas conexões e discriminar a qualidade dos serviços de acordo com o preço cobrado.

PUBLICIDADE

Na prática, em vez de ser uma estrada desimpedida na qual todos andam na mesma velocidade, a internet passará a ter vias expressas ou lentas, dependendo de quanto o usuário ou o dono do aplicativo estiverem dispostos a pagar. Empresas de tecnologia, entidades que representam consumidores e Estados governados pelo Partido Democrata anunciaram que contestarão a medida na Justiça.Os grandes beneficiários da medida são as empresas de telefonia e TV a cabo que oferecem os serviços de conexão online. 

Além de questionar sua legalidade, eles argumentam que o processo de consulta para elaboração da proposta foi contaminado. Investigação conduzida pelo procurador-geral de Nova York, Eric Schneiderman, concluiu que 2 milhões de comentários foram realizados com identidades roubadas.

A mudança faz parte da ofensiva do governo Donald Trump para desregulamentar setores da economia e promete transformar a maneira como a internet funciona. Os grandes beneficiários serão as operadoras de telecomunicações, que oferecem conexão. A neutralidade da internet havia sido aprovada em 2015 pela Comissão Federal de Comunicações (FCC, na sigla em inglês). A proposta para rejeitá-la foi aprovada por três dos cinco comissários, todos ligados ao Partido Republicano – já os votos de oposição vieram de duas comissárias ligadas ao Partido Democrata.  

O governo sustenta que a regulamentação da internet adotada em 2015 sob o governo Barack Obama reduziu investimentos e inovação, ao restringir a ação de leis de mercado no setor. “Desde então, investimentos em banda larga caíram por dois anos seguidos, na primeira vez em que isso aconteceu fora de uma recessão na era da internet”, diz a proposta.

Com a mudança, a internet deixa de ser tratada como um serviço de utilidade pública e passa a ser classificada como um serviço de informação. Sua supervisão deixará de ser feita pela FCC e passará a ser responsabilidade da Comissão Federal de Comércio (FTC, na sigla em inglês), que focará sua atenção em práticas comerciais desleais.

As duas comissárias ligadas ao Partido Democrata se opuseram à proposta, sob o argumento de que ela elevará custos, reduzirá benefícios e ameaçará o acesso livre a serviços e informação. “Neutralidade da internet é liberdade na internet”, disse a comissária democrata Jessica Rosenworcel. Ela fez paralelo entre o princípio e os serviços fornecidos por empresas telefônicas, que não podem determinar ou restringir o que o usuário fala em suas ligações.

Publicidade

Segundo Rosenworcel, a mudança dará a provedores de banda larga o poder de bloquear sites, censurar conteúdo online e discriminar seus clientes, dando rápido acesso a companhias com as quais têm negócios e relegar outras a uma estrada “esburacada e lenta”.

Mignon Clyburn pediu o adiamento da votação e se referiu aos inúmeros comentários enviados por especialistas e consumidores em favor da manutenção da neutralidade da internet. “A luta pela neutralidade da internet não acaba hoje”, afirmou, ressaltando que o assunto chegará ao Judiciário.

Pai, o presidente da FCC, classificou como “um erro” a garantia da neutralidade da internet em 2015. “Não havia nenhum problema para ser resolvido. A internet não estava quebrada em 2015.” Segundo ele, a internet não tem nenhuma semelhança com encanamento ou serviços de esgoto, classificados como serviços de utilidade pública.

Em sua opinião, a regra da neutralidade desestimula investimentos necessários para a inovação e aperfeiçoamento da rede. A mudança, disse “não vai acabar com a internet como nós a conhecemos, não vai acabar com liberdade de expressão”. Pai rejeitou o que chamou de “visões apocalípticas” e afirmou que haverá regras de proteção dos consumidores.

PUBLICIDADE

A sessão foi interrompida por razões de segurança quando ele proferia seu voto. A sala vou evacuada e policiais com cães varejadores inspecionaram o local. Depois de alguns minutos, a votação foi retomada.

Reação. Os críticos afirmam que a decisão limitará a rede. Segundo eles, os provedores poderão cobrar mais por velocidades mais rápidas de conexão, o que prejudica o acesso a consumidores por startups. Também há preocupação com a liberdade de expressão, pois provedores poderão excluir conteúdos. 

“Isso é uma flagrante ataque à nossa democracia”, escreveu o senador democrata Bernie Sanders no Twitter. “A internet estará à venda para quem pagar mais.”

Publicidade

O Netflix criticou a mudança e disse que ela é o início de uma longa batalha legal. Segundo a empresa, este princípio conduziu a um período de “inovação, criatividade e engajamento cívico sem precedentes”.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.