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Grupos de imitação são a nova onda do WhatsApp

Em comunidades repletas de desconhecidos, brasileiros imitam celebridades, pilotos de avião e até barulho de moto; para especialistas, fenômeno é resposta a tempos conturbados

Por Giovanna Wolf
Atualização:
Camila Lourençousa a hora do almoço para mandar áudios com suas imitações Foto: Alex Silva/Estadão

Há quem não aguente mais fazer parte de novos grupos no WhatsApp – entre o grupo da família, dos amigos, do trabalho e da turma do futebol, o fluxo incessante de mensagens (por vezes desnecessárias) parece atordoar muita gente. Mas para toda regra há uma exceção – e no caso do app de mensagens não é diferente. Nas últimas semanas, começou a pipocar no WhatsApp um fenômeno digno da internet brasileira: os grupos de imitações. 

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Em vez de discussões políticas ou mensagens de bom dia, esses espaços reúnem pessoas que não se conhecem mandando áudios com as mais variadas personificações: barulho de moto, piloto de avião, feirante ou vozes de celebridades. Em alguns casos, a diversão se torna um show de calouros 2.0, revelando talentos não imaginados.

É o caso da paulistana Camila Lourenço, de 28 anos, que tem feito sucesso na internet imitando a voz do Google Assistant. “Antes era só uma brincadeira entre meus amigos, mas agora estou atingindo mais pessoas por causa dos grupos”, explica a estudante de veterinária, que usa a hora do almoço para mandar áudios com suas imitações. 

“Essa menina está deixando a gente traumatizado. Lá no grupo a gente está começando a achar que ela é o robô do Google mesmo”, brinca o carioca Rômulo Almeida, de 33 anos. Ele e Camila fazem parte de um grupo de imitações de pilotos de avião, onde a jovem faz uma “participação especial” como assistente do Google, a pedido dos usuários. 

Morador de São Luís (MA), Almeida também improvisa com as cordas vocais: além de fingir que comanda uma aeronave, ele também replica as vozes de Silvio Santos, Bob Esponja, entre outros. “Desde sempre brinco disso, não é nada profissional. Sou um cara da comédia, do alto astral”, diz ele, que trabalha na área comercial de uma correspondente bancária. Com suas imitações, Almeida chegou a ter alguns segundo de fama nas redes sociais: um de seus áudios imitando pilotos de avião chegou ao Twitter e teve mais de 43 mil curtidas e 10 mil compartilhamentos. 

“É o maior barato: mando algum áudio para divertir a galera do grupo antes de ir pro serviço e outro à noite”, afirma. Para quem quiser seguir seus passos, ele dá uma dica: o segredo é se atentar mais à forma que ao conteúdo, se preocupando principalmente em reproduzir o som de um microfone abafado. 

Os áudios deRômulo Almeidaimitandopilotos de avião viralizaram no Twitter Foto: Arquivo pessoal

Lugares privados

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Ao contrário de outros fenômenos das redes sociais, os grupos de imitação têm uma dinâmica complexa de viralização: por um lado, seu conteúdo pode ser facilmente replicável pelo aplicativo de mensagens, a partir de encaminhamentos. Entrar numa dessas comunidades, porém, é bem mais complicado: como o WhatsApp limita que cada grupo tenha até 256 usuários, a maioria deles está lotado. 

Não é a primeira “febre” que tem essa característica no app: desde o ano passado, quando o app passou a permitir o uso de figurinhas (ou stickers, como também são conhecidos), muitas pessoas passaram a se reunir para trocarem imagens e aumentarem seus acervos. 

Para especialistas, são movimentos que fazem parte de uma tendência maior de comportamento. “Há uma mudança de conversas públicas para ambientes privados”, avalia Edney Souza, diretor acadêmico da Digital House Brasil. “As pessoas se sentem mais à vontade de falar ‘um a um’. No caso da imitação, há um agravante: fazer isso de forma pública pode levar à ridicularização.” 

Na visão de Fábio Malini, professor da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), os grupos acabam tendo uma dimensão imaginária para seus participantes. “É um espaço onde as pessoas deixam um pouco a realidade mais bruta e entram em um universo de sonho, de brincadeira”, afirma o pesquisador, que vê nos grupos de imitação uma reação ao dia a dia. “Estamos em um período em que plataformas digitais estão contaminadas de forma tóxica com muito conteúdo parecido e temas políticos”. 

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É o que sente Mayra Nascimento, de 21 anos. Diagnosticada com depressão, ela encontrou no WhatsApp um novo lugar para rir. “No começo, resolvi entrar nesses grupos por pura falta do que fazer”, brinca a estudante de Ciências Biológicas na Universidade Federal de Goiás (UFG). “Quando estou triste, percebi que escutar as imitações faz bem para mim.” A jovem afirma que não leva jeito para imitar, mas mesmo assim usa os grupos para ouvir os áudios dos outros e se distrair. 

Botando ordem

Há ainda quem dedique seu tempo a colocar ordem na casa. O estudante Lucas Pedroso, de 20 anos, por exemplo, é dono de mais de 70 comunidades. Seu celular nunca para de vibrar – é comum ele ter mais de mil notificações no app quando fica longe do celular. “Sou eu quem removo as pessoas que publicam conteúdos que não condizem com a proposta dos grupos, como pornografia”, diz o jovem, que estuda Ciências Aeronáuticas na PUC de Goiás. 

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Procurado pelo Estado, o WhatsApp afirma que os grupos de imitações são bem-vindos na plataforma, desde que não infrinjam os termos de uso. Como o aplicativo funciona com criptografia de ponta a ponta, recurso que protege o conteúdo das mensagens, é difícil para a empresa saber quando algum usuário comete infração. Para isso, são necessárias denúncias que partam dos próprios usuários. Mas vale esclarecer: segundo a lei de direito autoral vigente no Brasil, fazer paródias não infringe as regras de propriedade intelectual – algo que poderia expulsar muita gente do aplicativo. 

É preciso, entretanto, que os usuários estejam conscientes de que ainda assim os grupos trazem riscos – como expor seu nome e número de telefone para desconhecidos. “Em casos mais extremos, essas informações podem ser usadas para criar uma base de dados para disparos de anúncios, spam ou propaganda política”, afirma Francisco Brito Cruz, diretor do centro de pesquisa em direito e tecnologia InternetLab. “É algo que pode ter consequências, mas não pode ser um incentivo para as pessoas não se divertirem.” 

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